Cultura
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À primeira vista, tudo parece separar o mundo do judô do mundo do cinema. Os pontos de convergência, todavia, existem. Ambos nasceram praticamente ao mesmo tempo, no fim do século XIX. Ambos aperfeiçoaram e superaram seus antecessores, o jujutsu dos samurais japoneses e o cinetoscópio de Thomas Edison. E ambos são tema de “Judoca” (Fósforo), novo livro do francês Thierry Frémaux.

O diretor Instituto Lumière e do prestigioso Festival de Cannes fala aqui sobre um lado menos conhecido da sua personalidade, o de judoca. Premiada na França, a obra é uma espécie de biografia cruzada, que recupera a história da arte marcial japonesa e busca paralelos com as origens e o desenvolvimento da sétima arte. É também um livro de memórias, em que o autor faz um balanço da sua formação entre o tatame e o tapete vermelho. Sob o signo de gêmeos com ascendência em gêmeos, sua vida sempre foi dupla.

Jantar com Cacá e Fernandona

O francês de 63 anos esteve no Rio em novembro para conhecer o Instituto Desportivo e Cultural Haroldo Britto, um projeto social e esportivo na Rocinha. Ele também aproveitou para visitar velhos amigos brasileiros, como o cineasta Cacá Diegues, a atriz Fernanda Montenegro e a produtora Lucy Barreto, em um jantar na casa do diretor Andrucha Waddington.

No meio de tantas atividades, arranjou uma brecha para conversar com O GLOBO no hotel em que estava hospedado.

— Quem fez judô sempre tem esse sentimento de ter sido transformado por ele — diz o autor, que aprendeu com a prática tudo que sabe “sobre moral e obrigação dos homens”. — O judô e o cinema respondem às mesmas perguntas: quem eu sou e quem são os outros. E nisso volto a uma frase de Serge Daney (crítico morto em 1992): o cinema me aceitou, assim como o esporte. Se estamos conversando agora, é porque o cinema me trouxe aqui para o Rio. Nunca vi cowboys e indígenas, mas o cinema americano me apresentou a eles.

Arte da queda

Historiador por formação, Thierry Frémaux esteve à frente de algumas das mais importantes instituições de seu país. Como presidente do Instituto Lumière, nos anos 1990, organizou uma série de eventos durante o centenário do cinema, além da restauração dos filmes dos irmãos Lumière, os pais da sétima arte. Após recusar a direção da Cinemateca Francesa, assumiu a direção artística do Festival de Cannes a convite do seu presidente, Gilles Jacob. Em 2007, sucedeu a Jacob no cargo.

Fremaux é próximo de alguns dos principais diretores da atualidade. Afinal, fazer parte da seleção do festival pode decidir o futuro comercial e crítico de uma produção. Ele conta que, apesar de ter chegado ainda jovem em um cargo de imensa responsabilidade, nunca sofreu insegurança e “síndrome de impostor”, graças ao seu background no judô.

A qualidade mais importante que o esporte lhe ensinou, conta o historiador, foi a arte da queda. No judô, é preciso cair “com frequência para nunca se machucar” e se começa sempre pelo chão. A relação com o risco e a experimentação artística é ilustrada por uma frase da artista plástica Louise Bourgeois: “No início, meu trabalho era o medo da queda. Depois ele se tornou a arte da queda”.

— Se o meu adversário está fazendo um bom movimento, eu deixo meu corpo cair e essa será minha contribuição à beleza do seu movimento — diz o autor. — É o ensinamento de algo coletivo, porque meu movimento faz parte do seu movimento. Além do mais, creio que seja essencial que as crianças aprendam a perder, algo que a sociedade não nos ensina. Se estamos no chão podemos sempre levantar, e está tudo bem. É como a dúvida. A dúvida é um sentimento magnífico.

Frémaux já está afastado há muito tempo do judô, mesmo sendo faixa preta 4o dan, um dos mais altos graus do esporte. Hoje, o historiador perdeu seus reflexos e sente dores em vários lugares do corpo. Nem as novas regras do esporte ele conhece. Porém, foi se reconectando com o que aprendeu na juventude à medida que investigava as origens do esporte, a trajetória do fundador Jigoro Kano e a sua escola Kodokan, em Tóquio. As reflexões sobre judô vão se alternando com causos e citações de grandes mestres do cinema, como Wong Kar-wai, Quentin Tarantino e Jean-Luc Godard.

Revolução do streaming

Sobre o futuro do Festival de Cannes, o cinéfilo acredita em um equilíbrio entre tradição e inovação. Ele admite que as produções bancadas por grandes empresas de streaming vieram para ficar, mas defende que o festival continue aceitando apenas filmes que sejam exibidos também nas salas.

— Cannes é o maior festival do mundo e assim vai continuar — diz. — Tivemos mais um ano formidável. Mas é preciso cuidar para que festivais não ofusquem a vida do cinema. A vida do cinema é todo dia, nas salas de cinema. E isso, temos que admitir, não está indo bem. Ainda não voltamos ao nível da pré-pandemia. O streaming é uma revolução extraordinária para colocar dinheiro em novos filmes e para ver os filmes do passado. Mas todas essas inovações, a TV, o vídeo, a internet, conviveram com as salas de cinema, que precisam ser respeitadas.

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