Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Em julho do ano passado, Quentin Tarantino confirmou que se aposentará após seu próximo filme, “The movie critic”, com lançamento previsto para 2025. O diretor americano pretende se dedicar a escrever livros — projeto que, aliás, já foi iniciado em 2021, com a versão romanesca de “Era uma vez em... Hollywood”. Chega agora “Especulações cinematográficas” (Intrínseca), um novo livro que mistura suas memórias cinematográficas de juventude com ensaios sobre filmes americanos lançados entre 1968 e 1981.

Os longas de Tarantino sempre giraram em torno do cinema e de uma cultura ligada ao cinema. Trazem inúmeras referências e homenagens a filmes, gêneros e atores. Chegando na velhice, ele parece ainda mais obcecado em olhar para trás e entender sua própria formação nas salas. Tirando algumas exceções, Tarantino não analisa os cânones consensuais de Hollywood, mas títulos que costumam passar longe das listas de melhores da história. Alguns são respeitados (o cultuado “Bullitt”), outros bem menos (“Rolling thunder — A outra face da violência”). E há os que ficam longe da unanimidade (“Perseguidor implacável”).

Seguindo o amadurecimento do pequeno Tarantino, que desde cedo assistia produções mais violentas e sarcásticas dos anos 1970, entendemos melhor seu pendor para a transgressão. Sua mãe solteira o cria em uma república dividida com amigas e amigos negros — homenageado no capítulo final, um deles plantou a semente para a criação do caubói negro de “Django livre” (2012).

“Especulações cinematográficas” é um passeio tanto pelas imagens que fizeram a cabeça de Tarantino quanto pela própria cabeça do diretor. O texto tem a dicção do personagem que criou para si, bem conhecido em entrevistas e pequenas pontas no cinema: digressivo, empolgado, hiperbólico e muitas vezes engraçado. E isso incluiu outro procedimento típico do diretor: o da especulação. Assim como ele se diverte mudando o rumo da História com rumos alternativos (a morte de Hitler em “Bastardos inglórios” e a sobrevivência de Sharon Tate em “Era uma vez em... Hollyood”), no livro ele imagina outros destinos para os filmes: e se “Taxi driver” tivesse sido dirigido não por Martin Scorsese, mas por Brian de Palma?

Para Tarantino, falar sobre filmes é trazê-los para fora da tela e torná-los mais vivos, ricos e — por que não? — imortais. “The movie critic”, aliás, se passará em 1977 e acompanhará um crítico que resenha títulos pornográficos. A despedida chega para todos, mas o cinema fica.

Estética da violência 

"Joe: Das drogas à morte" (1970)/  "Cães de aluguel" (1992) — Foto: Reproduções
"Joe: Das drogas à morte" (1970)/ "Cães de aluguel" (1992) — Foto: Reproduções

Aos 7 anos, o pequeno Quentin Tarantino já acompanhava a mãe e o padrasto em sessões duplas nos cinemas de Los Angeles. Ele não assistia filmes inocentes “para a família” e sim longas para gente grande, alguns com muita violência e sexo. “Me preocupo mais com você assistindo o noticiário, um filme não vai te fazer mal algum” dizia a mãe — no livro, ele descreve Connie como uma mistura de Cher com Barbara Steele.

Desde cedo o cineasta foi exposto ao lado brutal da vida, que viria a acompanhar toda a sua obra, incluindo sua estreia “Cães de aluguel” (foto), em 1992. Ele desenvolve sua visão de mundo na sala escura do cinema, aprendendo conceitos como “sátira”. Um dos filmes marcantes assistido em sua infância foi “Joe — Das drogas à morte” (1970), sobre dois reacionários que executam hippies em uma comunidade. O thriller sanguinolento também funciona como comédia ácida, retrato de um país dividido entre conservadorismo e contracultura. O absurdo da violência arranca risos da plateia e surpreende o pequeno Quentin, que misturará choque e humor em seus trabalhos posteriores.

Catarse e blaxploitation

"O justiceiro negro" (1972)/ "Django livre" (2012) — Foto: Reproduções
"O justiceiro negro" (1972)/ "Django livre" (2012) — Foto: Reproduções

Após se separar do padrasto de Quentin, sua mãe namorou só homens negros. Um deles, Reggie, levou Quentin para ver o thriller neo-noir “O justiceiro negro”. Seria sua primeira sessão de blaxploitation — vertente afro-americana da exploitation, caracterizada por filmes de baixo orçamento e temas que iam de vampiras lésbicas a canibalismo. Os longas de blaxploitation, em geral, trazem um valentão que desafia algum tipo de autoridade. Tarantino homenageou o gênero em “Jackie Brown” (1997), relançando a carreira de Pam Grier, símbolo sexual dos anos 1970 (a julgar pelo livro, seu personagem parece ter sido inspirada em parte em uma amiga de sua mãe).

Voltando a “O justiceiro negro”: Tarantino conta que nunca mais foi o mesmo após assistir ao filme. Ele era o único branco em uma plateia de 850 pessoas. O público vibrava com o personagem de Jim Brown, o maior astro negro na época, batendo em policiais brancos de uma forma que o pequeno Quentin nunca tinha visto. Um sujeito sentado atrás dele gritou no fim: “Isso que é um filme de um filho da puta pica grossa!”. “Passei a vida vendo e fazendo filmes numa tentativa de recriar a experiência”, escreve o diretor. Vendo “Django livre” (na foto) e “Kill Bill”, em que minorias se vingam da opressão com graça e dignidade, é difícil não pensar em Tarantino buscando provocar em seus espectadores esse mesmo efeito catártico.

Cinema puro 

"Bullitt" (1968)/ "Era uma vez em Hollywood" (2019) — Foto: Reproduções
"Bullitt" (1968)/ "Era uma vez em Hollywood" (2019) — Foto: Reproduções

Tarantino fala em “cinema puro” ao definir o prazer de assistir a “Bullitt” (1968), policial com Steve McQueen. A trama não é clara e tudo bem: ninguém presta atenção na investigação que o filme nem perde tempo para explicar. Não à toa, o longa é famoso por suas perseguições de carro. “Todo o apelo está na ação, na atmosfera, na São Francisco, na magnífica fotografia de (Peter) Yates (...) e em McQueen, com aquele cabelo e o guarda-roupa. Nada mais importa”.

Para o diretor, McQueen pegou um papel pífio e o transformou em algo grande. Quase sem falas o tempo inteiro, o ator desfila por aí “como um rei dos bacanas”, sempre de “cuca fresca”. Poupado das partes chatas, o público se preocupa apenas em relaxar e aproveitar a curtição em que o filme se transforma. Os filmes de Tarantino costumam trazer alguns momentos deste cinema puro — em que o o sensorial fica em primeiro plano. Talvez nenhum se aproxime tanto disso quanto “Era uma vez em... Hollywood” (foto), reconstrução fetichista da Los Angeles dos anos 1960, com suas longas sequências de carro acelerando, de personagens passeando pela cidade, os néons, a fluidez, a atmosfera... Em suma: um grande rolê.

Cinema impuro

"Caged heat" (1974)/ "Bastardos inglórios" (2009) — Foto: Reproduções
"Caged heat" (1974)/ "Bastardos inglórios" (2009) — Foto: Reproduções

Não se trata do oposto do “cinema puro”; para Tarantino, o cinema impuro é o que se abre para a vira-latice assumida. Como fazem os filmes de exploitation ou de gênero, obras que passam longe do bom gosto vigente e não se envergonham de serem apresentadas como cópia barata e transgressora das grandes produções.

Tarantino inclui em seu “Bastardo inglórios” (de 2009) uma metáfora para o triunfo da impureza. Uma judia que teve a família morta e seu amante negro (ambos na foto) usam negativos de longas proibidos para incendiar um cinema repleto de alemães. É a força dos filmes e da mestiçagem se vingando da dominância higienista.

No livro, o diretor homenageia Kevin James, que por muito tempo atuou como crítico adjunto do Los Angeles Times. Como suplente, era obrigado a ver filmes B menos cotados que os outros críticos esnobavam — mas que ele, James, sabia dar valor. O crítico alavancou a carreira de diversos diretores que se iniciavam no cinema independente, como Jonathan Demme. Muito antes de “Silêncio dos inocentes”, seu “Celas em chamas” (1974) — produzido por Roger Corman, o Rei do Filme B — chamou atenção dos grandes estúdios graças aos elogios de James.

Movie brats x antissistema

Tarantino é um grande entusiasta do cinema americano dos anos 1970, e o seu novo livro apenas reforça esse sentimento. A década viu a ascensão dos movie brats (Coppola, Spielberg, Scorsese, John Milius) que uniram a transgressão dos cineastas antissistema dos 1960 com um sentido de entretenimento que faltava à geração anterior. Para o diretor de “Pulp fiction”, Robert Altman, Arthur Penn e Monte Hellman não se comunicavam com o público porque estavam preocupados demais em matar a chamada Velha Hollywood. O Dennis Hopper de “Sem destino” (1969) afirmava que iria “enterrar” o legado de veteranos ainda em atividade no fim dos anos 1960, como George Cuckor e Billy Wilder.

Enquanto os pessimistas e cínicos antissistema se apropriavam dos filmes de gênero para desconstruí-lo (como o Altman de “O longo adeus”), a Nova Hollywood dos anos 1970 “utilizava o gênero para os próprios fins”. Eram superiores a seus antecessores, segundo Tarantino, porque queriam fazer o melhor filme de gênero possível, como o “Tubarão” (1975) de Spielberg.

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