Cultura
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O clima no estúdio da Biscoito Fino, no Humaitá, na tarde da última sexta-feira, era de descontração, de amigos que se conhecem há muito tempo. O grupo MPB4, com seus fundadores Miltinho e Aquiles Reis, fazia as honras para Chico Buarque, artista com o qual privam de uma estreita convivência desde 1965. O cantor estava lá para gravar sua participação no álbum de comemoração dos 60 anos do grupo, com lançamento previsto para maio, e a canção escolhida não poderia ser outra: “Angélica”, única parceria de Chico e Miltinho.

Cuidadosamente, os autores da canção repassavam os versos que cada um iria cantar, e já tinham gravados até os coros, harmonizados naquele estilo inconfundível do quarteto, por Miltinho com Paulo Malaguti Pauleira (integrante do MPB4 desde 2013, em substituição ao fundador Magro Waghabi, que morreu no ano anterior). Mais eis que, do meio dos silêncios de quem já se prepara para dar início à cantoria, vem a pergunta de Chico:

— Cadê o sino?

— Não tem isso aí, não? — espanta-se Miltinho.

Esquecimento

Na preparação das bases, o grupo (que se completa com Dalmo Medeiros, substituto do integrante original Ruy Faria, que saiu em 2004 e viria a morrer em 2018) simplesmente esqueceu dos versos da quarta e última estrofe (“quem é essa mulher / que canta como dobra um sino/ queria cantar por meu menino/ que ele já não pode mais cantar”). Constrangimento, não houve. No máximo uma brincadeira de Miltinho (“não se pode deixar a gente fazer as coisas sozinho!”), alguns risos e a promessa de que o coro com a estrofe eliminada por distração seria registrado após terminarem as gravações da parte de Chico.

Grupo que foi embalado na sua infância pelos festivais da canção, amadureceu com aguerrida visão política no LP “Cicatrizes” (1972) e abraçou sucessivas gerações de compositores (como Kleiton Ramil, da dupla com o irmão Kledir, que em 1980 lhes deu o sucesso de rádio “Vira virou”), o MPB4 comemora 60 anos num disco repleto de participações. Além de Chico Buarque e de Kleiton & Kledir (em “Paz e amor”), comparecem importantes parceiros de trajetória, como Edu Lobo (“Dança do Corrupião”), Paulinho da Viola (“Coisas do mundo, minha nega”), Ivan Lins (“Velas içadas”), Milton Nascimento (“Notícias do Brasil (os pássaros trazem)”) e Alceu Valença (“Na primeira manhã”), entre outros.

— Pode-se dizer que MPB é o que o MPB4 gravou, não tem nada que escape a eles — resume Hugo Sukman, roteirista do documentário sobre o grupo, “MPB: 60 anos”, dirigido por Rodrigo Séllos e produzido por Glaucia Camargos

Eles pretendem estrear o especial este ano, como série em quatro episódios, mas ainda não fecharam com nenhuma plataforma.

Orquestra russa

“A música do sino” (que é como “Angélica” passou a ser conhecida pelo MPB4 após o incidente no estúdio) foi uma escolha de Chico Buarque, que naquela tarde rapidamente resolveu a gravação dos vocais, sobre o violão tocado por Dori Caymmi (o qual também assina o arranjo de cordas da canção, que ainda estava sendo gravado com uma orquestra de São Petersburgo, na Rússia).

O deflagrador da letra de “Angélica” (que teve sua estreia em disco no LP “Querelas do Brasil”, lançado pelo Quarteto em 1978) foi a triste história de Zuzu Angel, estilista que passou os anos mais duros da ditadura militar buscando punição para os assassinos do filho, o estudante e militante de esquerda Stuart Angel, torturado e executado em 1971 no Centro de Informações da Aeronáutica, no Galeão.

Dias antes de sua suspeita morte, num acidente automobilístico em 1976, Zuzu entregou a Chico Buarque, seu amigo, uma carta, falando das ameaças dos militares e dizendo que, se algo acontecesse com ela, os culpados eram os assassinos do seu filho (dos quais dava os nomes). Em vão, o cantor tentou divulgar pela imprensa, então sob forte censura, o conteúdo da carta. Restou-lhe o recurso da canção, que depois do Quarteto em Cy ele próprio gravaria no LP “Almanaque” (1981), com violão de Miltinho e arranjo de Dori Caymmi.

‘Samba do padre’

O primeiro encontro de Chico com o MPB4 aconteceu em 1965, em São Paulo, onde o compositor morava e o quarteto niteroiense tentava a sorte. Ao MPB4, o dramaturgo Chico de Assis (1933-2015) sempre dizia: “Vocês têm que conhecer o autor do ‘Samba do padre’.” Referia-se ele ao outro Chico e à canção com a qual o jovem de 20 anos se destacava, “Olê olá”, assim conhecida por causa dos versos “Seu Padre toca o sino que é pra todo mundo saber/ que a noite é criança, que o samba é menino/ que a dor é tão velha que pode morrer”).

O MPB4 pensou até em fazer a primeira gravação de “Olê olá”, só que Nara Leão foi mais rápida. Mas uma história começava ali.

— Quando nos conhecemos, eles já estavam cantando, fazendo show juntos, então, para mim, eles eram uma entidade só. E depois formamos um time de futebol de salão, um time que também se encaixou direitinho. O Magro era goleiro, nós quatro na linha e foi assim. A amizade era coletiva — conta Chico Buarque ao GLOBO.

Em 1966, o cantor e o MPB4 foram convidados pelos diretores Antonio Carlos da Fontoura e Hugo Carvana para fazer um show juntos, no Rio de Janeiro. Nascido na cidade, Chico queria deixar São Paulo e topou de cara. Com participação da cantora e atriz Odete Lara, os jovens artistas e mais um punhado de músicos se espremeram no palco minúsculo do Arpège (boate do organista Waldir Calmon, no Leme) na temporada do espetáculo “Meu refrão” (título de uma das quatro músicas que Chico Buarque, ainda sem um LP, tinha gravado em compactos).

Era um período de grandes tensões políticas, pós-Golpe de 1964, que se agravaria com o AI-5, em 1968. Chico teve uma música censurada pela Marinha, “Tamandaré” (“que não era nada, só um deboche com a nota de um cruzeiro”, diz o cantor), e ela acabou ficando de fora de “Meu refrão”. Depois do espetáculo, Chico e o MPB4 retomaram a parceria artística em grande estilo, no Festival da Record de 1967, com a pungente “Roda viva”, e voltaram no ano seguinte do festival com “Benvinda”. Na primeira metade dos anos 1970, enquanto se firmava com o autoral “Cicatrizes”, o MPB4 foi inseparável de Chico, em shows e palcos.

Chico Buarque e o MPB4, em 1968, defendendo 'Benvinda' no no Festival de Música Popular Brasileira — Foto: Arquivo
Chico Buarque e o MPB4, em 1968, defendendo 'Benvinda' no no Festival de Música Popular Brasileira — Foto: Arquivo

O reencontro no estúdio suscita memórias. De repente, os velhos amigos estão conversando sobre a turma do Teatro Jovem. A Chico, escapa o nome de um dos compositores que apresentavam músicas nas reuniões da turma, e que de repente largou tudo para ir morar num kibutz. É Miltinho quem saca a informação: Franklin Dario, autor de “Ana vai embora”, gravada por Nara Leão. Sim, concorda o amigo, e ainda acrescenta um pedaço de memória: Franklin deixou os direitos autorais da música para o porteiro do prédio onde morava, antes de se mandar para Israel. Pela animação do papo, parece que os 60 anos do MPB4 se passaram num sopro.

— Ah, mas ainda vão se passar muitos! — aposta Chico.

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