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Por — Rio de Janeiro

Foi Renata Sorrah quem fez Evaldo Macarrão aceitar de vez o apelido que surgiu em tom de bullying e acabou virando sobrenome artístico. Num um jantar, o carismático ator baiano de 32 anos dividiu com ela o desconforto que sentia com a alcunha, recebida de um professor diante de seu corpo mole durante exercícios de aquecimento ("na hora, achei que não tinha nada a ver, porque macarrão é branco e eu sou preto", lembra ele que, ao demonstrar o incômodo, acabou fazendo com que a pecha colasse que nem chiclete).

Revelou, então, à atriz veterana o receio de criar uma caricatura que o aprisionasse eternamente em um personagem de comédia — frente em que vinha atuando desde “Zorra Total”, da série de humor “O cangaceiro do futuro” e de “A grande família”.

Acabou ouvindo de Renata a sentença que jogou por terra sua resistência: “Quem faz o nome é o ator e não o contrário. Quem vai dizer para onde o Macarrão vai é você”. A fala foi determinante para que Evaldo Maurício ficasse confortável na pele de Macarrão, apelido que o tornou famoso em sua terra natal, Salvador, ainda no início de carreira, no Centro de Referência Integral de Adolescentes (CRIA).

Foi na ONG que ele, nascido na comunidade de Cosme de Farias, começou a estudar dramaturgia após ser contemplado com uma bolsa. Em seguida, tornou-se integrante do Bando de Teatro Olodum.

Evaldo Macarrão: 'Não vou aparecer na TV só para ficar famoso, meu corpo se movimenta com ativismo' — Foto: Divulgação / Marilha Galla
Evaldo Macarrão: 'Não vou aparecer na TV só para ficar famoso, meu corpo se movimenta com ativismo' — Foto: Divulgação / Marilha Galla

Riso e choro

Renata, claro, tinha razão. Evaldo acabou posicionando Macarrão na rota que desejava. Um lugar que estava louco para mostrar que podia ocupar com assinatura própria: o drama. Fez não só o publico rir com o jeito desconfiado e sincerão, mas também chorar de emoção e se reconhecer na simplicidade e no tanto de cultura preta que jogou em Jupará, seu papel em “Renascer”.

Fiel escudeiro de José Inocêncio (Humberto Carrão) junto com Deocleciano (Adanilo) na primeira fase da novela, o personagem conquistou o público pelo carisma e também por não ter medo de falar verdades para o patrão. Com esses ingredientes, o sucesso chegou para Evaldo.

Evaldo Macarrão como Jupará — Foto: Fabio Rocha/TVGlobo
Evaldo Macarrão como Jupará — Foto: Fabio Rocha/TVGlobo

— Tô parecendo o Roberto Carlos de tão famoso — resume ele, gargalhando do outro lado da linha do telefone, de Salvador, onde não consegue pôr os pés para fora de casa sem posar para fotos. — Uma senhora me parou no Pelourinho quase chorando, dizendo que eu não podia desaparecer da tela porque eu contava a novela, que entrava na casa dela pedindo licença. Isso mexeu muito comigo, comecei a chorar também.

Os convites para novos trabalhos não param de chegar. Há conversas adiantadas para uma nova novela e também para participação na série “Pablo e Luisão”, de Paulo Vieira. Mas, por enquanto, ele ainda curte a repercussão de Jupará.

Logo que terminou a primeira fase da novela, e o desaparecimento de Jupará ficou apenas no ar por meio do texto de outros personagens, espectadores se mobilizaram nas redes pedindo uma cena de morte que desse um desfecho digno ao personagem.

Era gente pronta para bater na porta do autor e fazer a reivindicação. Evaldo, no entanto, ficou feliz com a forma com que Bruno Luperi resolveu o fim de Jupará.

— Achei poético, lindo. Inclusive, acho que a gente pode aprender sobre a morte de forma mais poética. Sou do candomblé e acredito que as coisas continuam em outro lugar, que nossos ancestrais permanecem. Então, achei que o desaparecimento foi nesse lugar ancestral, como se continuasse. Minha leitura é que ele desapareceu desse mundo terrestre, mas segue vivo.

Não foi só esse seu olhar para o encantado que Evaldo levou para o personagem. O ator construiu Jupará com base em muito estudo. Sugeriu que sua origem fosse de Angola, que pertencesse ao povo bantu, uma homenagem à nação de Angola na religião de matriz africana, candomblé. Que fosse da capoeira, usasse palavras do dialeto kimbundu como o “awetu” (“que assim seja”).

— Quis prestar homenagem ao povo bantu e a uma língua que tem palavras que a gente fala e muita gente não sabe de onde vem. Nas pesquisas para o laboratório, entendi que Ilhéus teve toda uma população predominantemente que veio de Angola na diáspora. Pesquisas apontam que a maior população escravizada que contribuiu na construção desse país foi de Angola.

Evaldo também recorreu ainda a uma inspiração familiar: sua bisavó.

— Quando soube que viveria Jupará, me voltei para a minha ancestralidade. Não sou de Ilhéus, mas vivi com minha bisavó em Terra Nova, interior da Bahia. Ela era roceira, tinha plantação de cacau, carambola, manga. Viveu até os 104 anos. Uma figura sábia, conectada à natureza, respeitadora das plantas, dos animais, das pessoas, do tempo. Sabia a hora e quando ia chover só de olhar para o céu.

Repetia frases como “um olho aberto e outro mais aberto ainda” que, junto com o dito popular “todo mundo é meu amigo, mas meu chapéu sumiu”, ajudaram a dar o tom desconfiado da personalidade de Jupará. Característica que também tinha o falecido pai de Evaldo.

Paixão pelo amigo Humberto Carrão

— Peguei a referência do meu pai boêmio, da rua, antigo, cismado, que me deixou o samba como herança. Era um dos maiores repiques de mão de Salvador. Por isso, quando vi Humberto Carrão tocando no samba, foi uma paixão louca, ele me pegou pelo repique — brinca Evaldo.

O ator credita a identificação que Jupará provocou no público a todas essas camadas.

— Penso minha arte para o povo, para os que estão à minha volta. Venho do teatro popular, de uma ONG que trabalha com comunidades periféricas, à margem da cultura e da educação numa sociedade racista. Já estive nesse lugar. Para além de representar, estou mobilizando meus irmãos pretos — afirma. — Também queria Queria que trabalhadores da roça se confundissem, tivessem a impressão de "esse aí é meu amigo, trabalhou comigo". Quis colocar no personagem o que está implícito no meu corpo, que se movimenta com ativismo. Não vou aparecer na TV só para ser famoso (chora).

Filho de mãe que foi trabalhadora doméstica e baiana de acarajé, Evaldo enxerga no ofício uma forma de combater o racismo e criar espaços de protesto contra a desigualdade.

— Tenho a arte como ebó para presentear e dar dignidade às pessoas que se veem representadas. Cresci vendo minha mãe vender cerveja no carnaval só para ver os blocos, já que não tinha condições de sair neles. Era feliz, mas mal tratada. Superou todas as violências, nunca se curvou aos sistema nem quis depender de homem. Eu também já fui muito maltratado por ser um homem negro. Quando tive mais consciência, fiz um pacto comigo: não permitir maus-tratos à minha mãe e aos meus — conta. — E coloco isso nos meus personagens: autonomia, força. Não queria que o Jupará fosse só um empregado submisso do Zé Inocêncio. E tive uma escuta poderosa para dar sustância a um personagem poderosos e não oprimido.

Letramento racial

Se hoje Evaldo é arrimo de família, o letramento racial que molda sua personalidade hoje não começou dentro de casa.

— Não me tornei negro na minha casa, apesar das inspirações da minha mãe, que não sentava no tabuleiro de acarajé sem saudar iansã, nem do meu pai, no samba. As simbologias estavam lá, mas não havia consciência. Foi no CRIA e nos espaços sociais, ouvindo o Ile Aiyê, que nos diz ser importante sonhar.

Um pensamento que elaborou melhor na faculdade de Pedagogia.

— Fiz faculdade porque estava me tornando um professor. Não era só o ator do filme "Capitães de areia" e da TV, era professor de teatro dos meninos. E para as pessoas pretas não adianta só ser, tem que provar. Aí veio a importância de ocupar a universidade — analisa. — E quando entrei na faculdade percebi uma diferença: deixei de ser militante para ser ativista. Militante bate de frente porque não aguenta viver com aquela dor. Ativista é estrategista, estabelece diálogo para tentar acordos. Se não fosse isso, eu, jovem preto macumbeiro, não conseguiria me formar numa universidade branca, elitista e católica e católica. Entendi que meu enfrentamento me afastava das pessoas, precisava construir alianças. Fui fazer pedagogia para adquirir coisas que não tive no ensino básico, era uma vontade de me educar para educar a dor. A gente se torna educador para educar a dor.

Na sala de aula, ele curou dores como a falta de conhecimento.

— Queria aguçar meu poder de leitura, escrita, fala. Precisava de algo que me desse embasamento teórico. Educação é poder. Me tornei mais poderoso.

Apesar do poder do sucesso atual, Evaldo ainda corta um dobrado para manter as contas em dia. Ou, como diz, “se locomover no mundo com dignidade”. Isso inclui vestir e alimentar a filha Julia, de 4 anos, pagar aluguel e ter plano de saúde. Mas ele tem fé na promessa que fez com os colegas Carrão e Adanilo, nos bastidores de uma cena melancólica.

— Fechamos um laço de amizade e amor eterno. Prometemos que vamos nos encontrar várias vezez na arte. Contei ao Carrão que sabia dirigir, mas que não tinha tido grana para tirar carteira. Ele se sensibilizou e disse: “Ainda vou te reencontrar nesse lugar e você vai estar muito bem na vida”.

Oxalá.

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