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Esta reportagem poderia começar com a pista de um jogo conhecido. “Atriz adepta de palavras cruzadas”. Resposta em 11 letras: “Bella Camero”.

Aos 31 anos, a carioca contraria um antigo preconceito. Não, o típico consumidor deste passatempo analógico não é o idoso aposentado e avesso à correria cotidiana. As novas gerações também gostam de rachar a cuca com cruzadinhas, caça-palavras, criptogramas e sudokus.

No ar como a Laís Camargo da série “Bom dia, Verônica”, Bella vê a atividade como um antídoto aos excessos digitais. Introspectiva e agitada desde a infância, encontrou nos jogos off-line uma “companhia” e um caminho para “centrar” a atenção. Com uma revista de palavras cruzadas na mão, ela encontra a paz longe das telas de computadores e smartphones.

— Levo para todo canto para usar nos momentos de espera, entre as gravações ou nas filas — conta a atriz. — É bom para a memória, bom para melhorar o raciocínio, e ocupa o tempo ocioso sem os milhares de estímulos do celular e das redes sociais.

Público rejuvenescendo

O tradicional grupo Ediouro, responsável pelas publicações Coquetel e líder no mercado das revistas de passatempos, afirma que seu público está rejuvenescendo. E, como prova, enumera alguns entusiastas da atividade que têm grande penetração entre o público jovem, como o influencer Felipe Neto, o produtor de conteúdo Casimiro e o surfista Gabriel Medina — respectivamente 36, 30 e 28 anos.

Outros famosos gostam de promover o hábito em suas redes sociais. Ao se aposentar do futebol, em 2022, o ex-centroavante Fred Guedes, ídolo do Fluminense, até brincou com o estereótipo descrito na abertura deste texto. Postou uma foto em que aparece na rede, segurando uma revista de cruzadas. “Manual do aposentado: compre uma palavra cruzada pra fazer todo dia após o café da manhã”, escreveu na legenda do post, que viralizou.

Figuras conhecidas, como todo cruzadista sabe, também ajudam a completar desafios — o que também massageia o ego. Quando o quadrinista Allan Sieber achou seu próprio nome numa palavra cruzada, em 2012, pensou: “Venci na vida”. Ele conta, em tom de brincadeira, que mantém em cima da mesa, enquadrada, a página da revista na qual foi citado.

— Eu achei o máximo, a glória mesmo — diz Sieber, que está lançando o livro infantil “As sete vidas do gato Jouralbo” (Bebel Books). — Nas reuniões de família de fim de ano, posso dizer para os parentes: “E você, já apareceu nas palavras cruzadas?”

O humorista Esse Menino — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo
O humorista Esse Menino — Foto: Maria Isabel Oliveira/ Agência O Globo

Conhecido como Esse Menino, o humorista e produtor de conteúdo Rafael Chalub aderiu aos passatempos em 2018. Com dificuldades de colocar em prática “milhares de ideias” de roteiros para vídeos, começou a fazer palavras cruzadas para “espairecer a mente”.

— Acabou que de fato funcionava, e continua funcionando — conta Chalub, que ganhou fama em 2021, com um vídeo ironizando e-mails enviados ao governo Bolsonaro pela Pfizer, com ofertas da vacina para Covid-19. — Devo ter mais de cem revistinhas de palavras cruzadas. Ainda criei o hábito de fazer com amigos. Já fiz até com namorados. Aí depois anoto na página se fiz sozinho, com fulano, e marco a data. Tem coisa que eu não sei, tem coisa que as outras pessoas não sabem. É bom descobrir juntos.

Vocabulário e cultura

O prazer coletivo de resolver enigmas em grupo é um fator entre os novos passatempers. O cantor hitmaker Jão, de 28 anos, compartilha os desafios de palavras que o acompanham durante suas turnês, incentivando o hábito entre seus jovens seguidores. No canto da página, dá até nota para si mesmo (de 0 a 10) quando termina. “Jão como um bom senhor de 29 anos fazendo suas palavras cruzadas às 23h da noite. Eu como uma senhora de 26 também AMO”, postou uma fã em seu X, ex-Twitter.

O ator João Fernandes, de 24 anos, é do time dos puristas. Enquanto a sua mãe prefere passatempos digitais no celular, ele faz o lobby familiar pelas cruzadinhas. Para João, o jogo faz “movimentar o cérebro”.

— Eu tento trazer minha mãe pra cruzadinha há anos, mas ela é mais dos puzzle games, como Candy Crush e afins — diz o Justino da novela “Amor perfeito”, que além de cruzadas aprecia desafios de lógica estilo “teste do Einstein”. — Sinto que os jogos me ajudam até profissionalmente, no vocabulário ou na cultura que adquiro ao jogar. Às vezes fico dias numa mesma cruzadinha, perguntando pras pessoas, pedindo ajuda.

Para atender à demanda dos mais jovens, os passatempos têm se modernizado. Aliás, vem sendo assim desde 1925, quando palavras cruzadas apareceram pela primeira vez na imprensa brasileira, nas páginas de A Noite, jornal fundado por Irineu Marinho.

Ao longo de já quase cem anos, a linguagem foi ficando pouco a pouco mais informal, explicaram especialistas ouvidos pelo GLOBO. As temáticas também mudam de acordo com os ares do tempo. As palavras cruzadas, por exemplo, teriam aumentado o espaço de atualidades entre seus quadradinhos, outrora dominados por provérbios e referências culturais (nomes de filmes, livros etc.).

— Fazemos um trabalho contínuo de modernização do vocabulário, senão fica aquela imagem de coisa pra gente mais velha — explica Adriana Lima, que coordena a equipe de criadores de enigmas da Coquetel. — Hoje também precisamos ficar atentos ao politicamente correto. Muitas palavras antes usadas ganharam conotações negativas.

Novos cruciverbalistas

Formada em Letras, Adriana Lima é uma cruciverbalista — termo que podia estar em um passatempo e, na raiz latina, significa “quem cruza palavras”. A sua equipe multidisciplinar na Coquetel reúne cerca de 20 profissionais de diversos campos: médicos, professores, linguistas, jornalistas... Em publicações de grandes tiragens, os colaboradores se dividem geralmente em três funções: os que criam, os que definem e os que revisam. Já nas produções mais, digamos, autorais e independentes, uma única pessoa pode acumular as três especialidades.

— Ultimamente tem aparecido um pessoal mais novo na profissão, muitos aprendem a fazer sozinhos vendo dicas em blogs e vídeos no YouTube — diz Lima. — A versão para a internet dos passatempos também ajudou a ampliar o público.

Essa democratização provocou nos EUA uma espécie de vanguarda dos passatempos, com uma nova geração de cruciverbalistas dispostos a revolucionar a atividade. Entre as figuras mais badaladas está Anna Sechtman, da revista New Yorker, que angariou um público diversificado usando referências e gírias jovens.

Outro astro emergente da categoria é Caleb Madison, que já passou pelo site Buzzfeed e hoje edita os desafios da revista The Atlantic. Com jeitão entre nerd e cool, ele dá um toque cáustico e pessoal para seus enigmas. Exemplo: “Igual a (os filmes) ‘Capitão Philips’ e ‘Argo’, de acordo com eu mesmo”. A resposta: “Meh”. Outra peculiaridade é o uso constante de elementos metalinguísticos e os chamados easter eggs (referências para serem identificadas pelos iniciados).

Não é de hoje que os passatempos são vistos como uma forma de expressão criativa — e até mesmo artística. O modernista Manuel Bandeira dizia adivinhar “um conteúdo poético” nos problemas de palavras cruzadas. Seu colega Mario Quintana chamou a atividade de “uma forma tranquila de desespero” (tudo indica que se tratava de uma aprovação). É possível que ambos tenham contribuído de forma anônima para publicações do gênero — um primo de Bandeira, Mundico, atuava como colaborador da revista de passatempos A Recreativa, usando o pseudônimo Arbivom.

As artes visuais também tentam expandir o horizonte dos passatempos. O quadrinista italiano Paolo Bacilieri lançou em 2021 a graphic novel “Fun”, que conta a história real da criação das palavras cruzadas em meio a uma trama ficcional de mistério. Em 2020, A Recreativa convidou artistas premiados como Cildo Meireles, Arnaldo Antunes e Anna Bella Geiger para produzir obras inspiradas nos tradicionais enigmas e charadas da publicação. Os trabalhos saíram nas páginas da revista e foram posteriormente expostos na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.

Sudoku aos 100 anos

Anna Bella Geiger fez uma releitura de um jogo de palavras cruzadas: em uma mapa-múndi (ver ao lado) espalhou pelos oceanos frases de um ensaio sobre o espaço social da arte que havia publicado em uma revista de São Paulo. De alguma forma, a obra acabou sendo também uma homenagem ao seu marido, o geógrafo Pedro Pinchas Geiger, que, prestes a completar 101 anos, mantém a mente ágil fazendo palavras cruzadas e sudoku.

— O aspecto gráfico das palavras cruzadas pode ser um terreno fértil para um artista — diz ela. — Tem tudo a ver, até porque a linguística é importante no meu trabalho. Já fui aficionada por palavras cruzadas, agora compro revistas para o meu marido, que também é enxadrista.

Obra de Anna Bella Geiger inspirada em palavras-cruzadas — Foto: Divulgação
Obra de Anna Bella Geiger inspirada em palavras-cruzadas — Foto: Divulgação

Clássicos ou contemporâneos, analógicos ou digitais, artísticos ou básicos, os passatempos continuam presentes no cotidiano de pessoas de todas as idades.

Que o diga o ator Ary Fontoura, de 91 anos, adepto de enigmas para exercitar sua memória, descobrir novas palavras e relembrar outras. Ele gosta de desafios de todos os gêneros — quanto mais difíceis, melhor.

—Eu vivo acelerado como o mundo de hoje, antenado em tudo, nas coisas boas, como ler, ver um bom filme, não perder de vista uma bela música — diz Fontoura. — Mesmo com o digital, não perdi de vista as coisas consideradas analógicas, faço passatempos toda hora. Encontro tempo pra tudo, isso que é o importante.

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