Cultura
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

Já faz algum tempo que a geração nascida na era dos sites de vídeos pornográficos e do acesso fácil e irrestrito a cenas de sexo vem repensando os seus hábitos de consumo. O discurso antipornografia ganhou força entre os mais jovens, que questionam a exploração sexual de mulheres na indústria e os efeitos dessas produções em sua saúde mental. Exemplos recentes, porém, mostram que a problematização já foi além desse escopo. Cada vez mais, o debate passou a incluir outros tipos de representações de sexo e de nudez (pornográficas ou não) e o trabalho de artistas de fora da indústria pornô.

O longa “Pobres criaturas”, por exemplo, nada tem a ver com que é feito no Vale do Silicone, como é conhecido o polo de produção pornô de Hollywood. Mesmo assim, militantes o definiram como “pornografia gratuita” por causa de suas cenas de sexo, que nem são explícitas. A produção recebeu 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor atriz para Emma Stone. Muitos fãs de Stone expressaram sua decepção por vê-la em cenas de sexo, mesmo com ela afirmando que este foi o personagem mais "incrível" de sua carreira. A estrela emergente Sidney Sweeney é outra que já teve suas atuações diminuídas apenas por explorar a nudez e a sensualidade nos seus trabalhos.

Segundo a Universidade da Califórnia, quase 50% dos adolescentes afirmam que o sexo não é necessário na maioria dos programas de TV e filmes. A cada nova produção de destaque com momentos mais quentes, as reações contrárias tomam as redes. Até um botão para “pular cena de sexo” já foi discutido.

— Tem uma espécie de contradição — aponta o psicanalista e sexólogo Caio Romano, autor do livro “Psicanálise, cinema e amor”. — O movimento contra a pornografia aumentou entre os jovens, ao mesmo tempo que todos os dados apontam que o consumo de pornografia também cresce imensamente nesta faixa etária.

A rejeição a conteúdos +18 acontece no momento em que, segundo a Fondation Scelles, o consumo mundial de pornografia bate recordes, movimentando US$ 97 bilhões (R$ 479 bilhões) por ano. A cada minuto, o Pornhub, maior plataforma de vídeos do tipo, transmite uma quantidade de dados maior do que a da Biblioteca Pública de Nova York, que abriga 50 milhões de livros em seu sistema. Um terço dos arquivos baixados na internet corresponde a vídeos pornôs.

Ao mesmo tempo, uma pesquisa de 2021 indicou que a geração Z tem menos relações sexuais do que as gerações de seus pais e o desinteresse por relações — fora das telas — tem sido descrito como um “apagão sexual” por muitos especialistas.

Hiperexposição

Os debates sobre a hiperexposição do sexo costumam opor diferentes grupos. Entre militantes da antipornografia, a tendência é afirmar que toda pornografia e toda sexualização da mulher são ruins, por danos que estariam causando à sociedade. Por outro lado, a turma do chamado “pró-sexo” defende o desejo feminino e incentiva uma representação do sexo diferente daquela que que se vê na indústria pornô padrão. Por último, há os que defendem a pornografia como um todo.

— As pessoas aderem mais facilmente ao movimento antipornografia porque as ideias são muito divulgadas, fáceis de compreender e, portanto, de concordar — diz a antropóloga e mestra em cinema Julia Dias Alimonda, que atua nas áreas de pornografia, representação feminina e gênero. — Hoje há uma crítica radical que questiona qualquer representação de sexo. É mais difícil falar as coisas de forma menos dicotômica, o que faz com que outros olhares sobre a pornografia sejam menos divulgados. Acho que essas duas vertentes poderiam coexistir, mas é uma pena que o debate tenha ficado tão preto no branco. É certo que há pornografias horríveis. Mas talvez tenham pornografias que sejam boas. E até a pornografia horrível pode ter coisas boas.

O embate ressuscita pautas dos anos 1970, quando a indústria audiovisual pornográfica começava a se popularizar. Segundo Julia, as feministas radicais da época teriam sido as primeiras a apontar que esses filmes não representavam os desejos da mulher, apenas os dos homens que os produziam. Também afirmavam que a forma misógina como mostrariam o sexo poderia ter repercussões como estimular a violência contra mulheres e piorar a qualidade do sexo.

Essas queixas continuam presentes na antipornografia atual, só que agora tendo as redes sociais para alcançar um público mais amplo. O movimento também ganhou a vantagem de contar com mais estudos científicos sobre os impactos da pornografia na saúde mental, incluindo um suposto poder viciante dessa mídia.

Questão de saúde

“A pornografia é imoral? Não importa: ela é uma crise de saúde pública”, diz um famoso texto da socióloga Gail Dines, uma das autoras mais citadas entre os militantes. Se, nos anos 1970, o objetivo político de feministas era criar uma regulamentação que proibisse o consumo, a circulação de produtos e o trabalho sexual, hoje o foco é desestimular o hábito de assistir a pornografia entre os mais jovens, com campanhas educativas on-line. Ao estender essa contenção a qualquer conteúdo mais sensual ou sugestivo, porém, muitos adeptos acabaram recebendo a pecha de conservadores. Nem todos concordam.

— Não é contra sexo, é contra o sistema — diz a ex-atriz pornográfica e youtuber Vanessa Danieli, que luta na Justiça para remover seus vídeos pornográficos de sites e hoje é adepta da antipornografia. — Talvez pela minha dificuldade de me comunicar, passei como radical, como uma pessoa que é contra o sexo, contra as meninas ganharem seu dinheiro. Me chamaram até de Mia Khalifa brasileira. Mas não é isso, é apenas falar da minha experiência ruim e entender como as produções prejudicam a formação sexual de homens e mulheres.

O que é, afinal, pornografia? Para Julia Dias Alimonda, esse é o debate que está em jogo quando se fala em limitar o seu consumo ou regulamentar a sua circulação. A antropóloga lembra que, ao longo da história, o rótulo “pornográfico” já foi usado politicamente por diversos governos — atingindo sempre os mais fracos. Na ditadura militar, o regime proibiu “O amor maldito”, de Adélia Sampaio, primeiro filme dirigido por uma mulher lésbica (e negra) a estrear no cinema. Na mesma época, a pornochanchada reinava nas salas.

Ao falar do desejo feminino, a poeta Adélia Prado também acabou sofrendo com a censura militar, “talvez mais do que autores homens”, aponta Alimonda.

— A pornografia é um discurso sobre sexo — define a antropóloga, que promove cursos sobre estudos pornográficos. — Limitá-la radicalmente como desejam os movimentos antipornografia é dizer que as mulheres não podem construir esse discurso.

Cancelando Kafka

Recentemente, o escritor Franz Kafka foi “cancelado” na internet depois que militantes da antipornografia “descobriram” informações sobre sua vida sexual. Um de seus biógrafos, Rainer Stach, autor de “Kafka: os anos decisivos” (Todavia), conta que o escritor visitava bordéis e se interessava por pornografia, além de ser atormentado pelo medo do “fracasso sexual”. Em um dos prints, que viralizou nas redes, a usuária chamava Kafka de “viciado em pornografia” e pedia que “as meninas que romantizam as citações dele dessem uma olhada nisso”.

Em entrevista por e-mail, Stach se mostrou perplexo. Para ele, aplicar padrões éticos a pessoas que viveram mais de um século atrás é “chato” e “estúpido”.

— Dá para dizer, é claro, que 99% da indústria pornô de hoje é misógina — pontua o biógrafo. — Mas o que isso tem a ver com Kafka? Ele provavelmente viu algumas fotos pornográficas que foram vendidas secretamente, e também houve algumas representações sexuais inofensivas em uma revista de arte que ele assinava. Hoje chamaríamos esses desenhos de caricaturas. Naquela época, não havia mais do que isso de pornografia.

Aos leitores interessados em saber sobre a sexualidade de Kafka, Stach pede que leiam as várias biografias sobre ele em vez de consultar o Google.

— Kafka de fato visitou bordéis por algum tempo, mas ele tratava as prostitutas sem condescendência, exatamente como tratava todas as outras mulheres — diz o biógrafo. — As relações entre os sexos eram completamente diferentes na época, não se podia falar abertamente sobre sexualidade e quase não havia modelos positivos. Condenar moralmente Kafka sem conhecer a mentalidade da época é absolutamente ingênuo.

'Exploração filmada'

No ano passado, a descoberta de um rolo de “Loira indecente e depravada”, filme pornô de 1991 desconhecido e considerado “raro”, também causou celeuma no X, o antigo Twitter. Técnico de restauração de filmes da Cinemateca, William Plotnick compartilhou a relíquia pedindo mais informações a especialistas em pornografia para catalogá-lo e preservá-lo. Veio em seguida uma enxurrada de ataques. “Vai ajudar muito na história do Brasil descobrir mais um filme pra punheteiro”, escreveu um usuário, "cês tão com muito tempo e dinheiro sobrando pra se importar em restaurar algo tão bizarro quanto exploração sexual filmada”. Outros fizeram troça da definição “especialistas em pornografia”.

— Nem toda pornografia é igual, mas ela sempre foi atacada e abafada — diz Ana Virginia Pinheiro, chefe da divisão de obras raras da Biblioteca Nacional. — Nossa coleção inclui alguns dos primeiros folhetos pornográficos do país, e eles tiveram que ser escondidos no acervo para não ser destruídos. Quando se nega a pesquisa da pornografia se nega um aspecto do comportamento humano que nos permite entender como chegamos até aqui.

Mais recente Próxima Thor, Olin, Balder e Tyra: saiba qual o significado dos nomes dos filhos de Eike Batista
Mais do Globo

Mikel Merino deu a volta na bandeira de escanteio para homenagear o genitor após selar a vitória espanhola na prorrogação

Pai de 'herói' da Espanha na Eurocopa marcou gol decisivo contra alemães no mesmo estádio há 32 anos; compare

O craque aproveitou para agradecer pelo apoio da torcida

Cristiano Ronaldo faz publicação nas redes sociais após eliminação de Portugal na Eurocopa: 'Merecíamos mais'

Com os criminosos foram apreendidos drogas, dinheiro, máquina de cartão de crédito e diversos celulares roubados

Polícia Civil prende em flagrante três homens por tráfico e desarticula ponto de venda de drogas no Centro

Sem citar caso das joias, ex-presidente citou ‘questões que atrapalham’ e criticou a imprensa

Após indiciamento por joias, Bolsonaro é aplaudido em evento conservador ao dizer estar pronto para ser sabatinado sobre qualquer assunto

Embora Masoud Pezeshkian tenha sido eleito com a defesa do diálogo com nações ocidentais, decisões sobre política externa ou nuclear permanecem sob aiatolá Ali Khamenei

Vitória de candidato moderado no Irã pode aliviar, mas tensões nucleares não vão acabar, dizem analistas

Notícia foi dada pelo neto, Fidel Antonio Castro Smirnov

Morre Mirta Díaz-Balart, primeira mulher de Fidel Castro e mãe de um de seus filhos

Mãe da filha caçula do compositor, Claudia Faissol afirma ter sido companheira dele entre 2006 e 2017

Herança de João Gilberto: jornalista pede à Justiça reconhecimento de união estável com o gênio da Bossa Nova

Esse tipo de câncer surge de células que se desenvolvem nos músculos, sendo muito comum na infância; congestão nasal e olhos lacrimejantes estão entre os sintomas

O que é rabdomiossarcoma? Tumor que foi confundido com rinite e levou à morte de menino de 13 anos

Texto deve ser votado no segundo semestre e também prevê a "portabilidade" para motoristas trocarem de plataformas levandos as suas avaliações

PL dos Aplicativos: isenção de IPI para veículos, jornada máxima de 13 horas e filtro anti-assédio; veja pontos