Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Na pista de dança da última edição da festa Hotline, que aconteceu este mês na Lapa, no Rio, o som mais aguardado era um hit nipônico de 1979. Jovens na faixa dos 20 e 25 anos se arriscavam no japonês entoando o refrão de “Mayonaka no door”. Imortalizada pela cantora Miki Matsubara, a letra inclui também palavras soltas em inglês (como o irresistível verso “stay with meeeeee”). A canção é hoje um símbolo do city pop — gênero que bombou no Japão no fim dos anos 1970 e nos 1980 e mesclava pop-rock, jazz e disco com uma pitada oriental única.

Naquela noite, o estilo musical ganhava sua primeira edição temática da Hotline, a Tokyo Nights. Trajando looks com referências nipônicas e de ídolos do gênero, o público mostrou intimidade com o repertório nichado — pérolas que, após passar quatro décadas fora do radar ocidente, caíram recentemente no gosto da Geração Z.

Só “Mayonaka no door” acumulou mais de cem milhões de views no YouTube nos últimos três anos. Em 2022, dominou a lista Global Viral do Spotify durante três semanas. Já “Plastic love”, de Mariya Takeuchi, vendeu apenas dez mil cópias quando foi lançada, em 1988. Após ressurgir no TikTok, teve relançamentos em CD e vinil, e até desencadeou uma briga por direitos autorais.

Sonho vindo da pandemia

Entre os que exercitaram seu japonês a plenos pulmões na Tokyo Nights estava Julia Seredine, de 24 anos. Ela descobriu alguns desses hits durante o confinamento pandêmico e, desde então, achava que a febre do city pop não existia fora da web. A pista lotada lhe provou o contrário.

— Lembro que sempre quis conhecer uma comunidade do city pop fora da internet — disse a jovem, que trabalha como cabeleireira. — Meu sonho era que rolasse uma festa como essa, voltada para o estilo.

Não é um acaso que o city pop tenha viralizado nas plataformas de streaming durante a pandemia. Estudante de Ciências Sociais da UFRJ, Vinicius Ieka se viu preso em casa aos 18 anos, bem no momento em que pretendia experimentar a vida adulta. O city pop ajudou a preencher esse vácuo, oferecendo o escapismo de que precisava.

A produção japonesa dos anos 1970 e 1980 refletia um país vibrante, em plena modernização. O público-alvo eram os jovens das grandes cidades, que se abriam para a cultura ocidental. As músicas romantizavam o cotidiano da vida urbana, repletas de euforias noturnas e relacionamentos fugazes.

— Mesmo quando você não entende a letra, o instrumental passa esse otimismo da vida moderna — diz Ieka, hoje com 22 anos, que, porém, vê um “jeito melancólico” nas canções. — Para mim, esse estilo captura a tristeza melhor do que músicas atuais.

Capas de álbuns japoneses dos anos 1980: cores vibrantes e vida moderna — Foto: Reprodução
Capas de álbuns japoneses dos anos 1980: cores vibrantes e vida moderna — Foto: Reprodução

Figurino social e casual

O aspecto visual do city pop também bateu forte na Geração Z. Os fãs adaptaram para o seu dia a dia os looks da época — tirados das capas dos álbuns. O figurino típico embaralha social e despojado. Jaquetas e coletes convivem com peças esportivas. Estampas geométricas, roupas xadrez e alfaiataria feminina também são bem-vindos — assim como cores vibrantes que remetem ao neon. Algumas marcas aproveitaram para surfar na onda, como a japonesa Fuseinati, que produz roupas inspiradas no período e as divulga nas redes com clipes que remetem ao imaginário city pop.

—Vejo um culto ao estilo retrô japonês no geral. É a música, as roupas, o estilo de vida, o clima urbano — explica a estudante de Letras da UFF Ana Clara Demier, citypopper no look e nas playlists. — Acho maravilhoso adaptar isso ao ambiente tropical. A comunidade alternativa também quer dançar!

O ator e dublador André Luiz de Souza, mais conhecido como Andy, frequenta brechós e vendedores ambulantes atrás de peças que reproduzam a estética.

— Vendo como os artistas se vestiam na época, você consegue achar roupas que passem essa sensação de anos 1980 — diz o morador de Niterói, de 27 anos. — Nas festas, é tanta gente com o look que você mergulha em outro universo.

Os artistas Eizin Suzuki e Hiroshi Nagai ajudaram a traduzir o sentimento do city pop em imagens. Inspirados no sunshine pop californiano e da pop art do britânico David Hockney, eles ilustraram as capas de alguns dos principais álbuns do período. No imaginário gráfico de relaxamento e descontração, piscinas ensolaradas, conversíveis estilosos, filas de palmeiras e noites iluminadas por arranha-céus.

Álbum ilustrado por Hiroshi Nagai — Foto: Reprodução
Álbum ilustrado por Hiroshi Nagai — Foto: Reprodução

“Tendências populares na estética city pop costumam reimaginar os anos 80 de alguma forma, com forte ênfase na nostalgia, sentimentalismo e lembranças tanto estrangeiras quanto familiares”, escreveu em seu blog o DJ Van Paugam, um americano pioneiro na pesquisa e difusão do city pop. “Coisas que eram comuns naquela época, como ouvir fitas cassete, beber em bares iluminados por neon ou andar de carro tarde da noite, geralmente conseguem evocar o clima que o gênero inspira”.

O sucesso contemporâneo do city pop deu origem a diversas releituras e subgêneros. Entre as mais fortes do momento está o future funk, que junta as canções da época com bateria de house, formando um ritmo mais apropriado para as pistas de dança. É um som comum nas festas da Hotline, em que a maior parte dos fãs usa um visual arrojado, com óculos e roupas futuristas inspirados em animes e video games.

Um dos primeiros produtores de future funk do Brasil, o DJ Tui tem uma explicação técnica para a ressurgência do city pop.

— As composições costumam usar uma progressão de acordes conhecida no ocidente como royal road (em japonês: odo shinko), que cria uma tensão melodramática e leva a um transe nostálgico — diz Tui. — É a saudade de um tempo que não vivemos.

Dj Pauluk em ação — Foto: Divulgação
Dj Pauluk em ação — Foto: Divulgação

Apostando no efeito nostalgia, algumas festas reforçam seu lado “raiz” — só com clássicos em versões originais, sem remix. É o caso do City Pop Night, matinê que acontece neste domingo (24), em São Paulo, entre 16h e 22h, no Donchan Yzakaya.

— Muitos DJs misturam com outros ritmos porque acham que só city pop não segura a pista. Mas segura sim! — garante o DJ Pauluk, idealizador da festa. — Desde a primeira festa em julho do ano passado, a parada só cresce. Nas festas rola uma união, mesmo quem não se conhece se abraça e canta junto todas as músicas.

Três razões para o sucesso:

Saudosismo: A estética visual e sonora do city pop provoca nos jovens um estado de “anemoia”, a tal nostalgia de um tempo que não foi vivido. A Geração Z se conecta com as representações idealizadas e romantizadas da Tokyo oitentista. São atraídos pelas canções que retratam uma vida urbana despreocupada, pelo visual retrô e pelas cores vibrantes associados à música do período. Esse imaginário gráfico aparece também no design, na moda e em vídeos nas redes, formando o pacote completo da “estética city pop”.

Intercâmbio cultural: Como as músicas do city pop passaram 40 anos escondidas do ocidente, sempre soam novas ao ouvido, trazendo um sabor japonês que é único. Ao mesmo tempo, elas soam familiares, já que juntam elementos clássicos do pop-rock, além de funk, jazz e disco. Vale lembrar que a volta deste estilo musical é um fenômeno global, ajudado pelos algoritmos dos sites de streaming.

Vibe relaxante: A sonoridade do city pop anima e acalma ao mesmo tempo, com vocais suaves e atmosfera descontraída — até levemente melancólica. Ainda que muitos hits sejam dançantes (como , não faltam músicas mais atmosféricas. Muitos jovens ouvem playlists de city pop para estudar, enquanto outros preferem escutar após um trabalho bem feito.

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