Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Ziraldo respirou fundo e ficou imerso no próprio silêncio ("Olha, que sacanagem", limitou-se a dizer, baixinho) ao se deparar com o deplorável estado da maior obra de sua carreira, em proporção literal e simbólica, na antiga casa de shows Canecão, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Há mais ou menos cinco anos, na última vez que esteve diante do painel de seis metros de altura por 32 metros de largura, o jornalista, cartunista e escritor — que morreu, aos 91 anos, no último sábado (6) — não conteve as lágrimas. Impossível formular qualquer frase ou pensamento, ele indicou, calado, para quem ensaiasse lhe dirigir alguma pergunta.

Em ruínas, o mural conhecido como "Última ceia" é tido como berço do traço inconfundível de Ziraldo. Em 1967, ao longo de seis meses, o artista se dedicou à criação da extensa pintura com a colaboração de amigos da imprensa carioca. A turma passava madrugadas e madrugadas em meio a andaimes e latas de tinta, em troca de garrafas de whisky cedidas pelo proprietário do então recém-inaugurado estabelecimento, que funcionava à época como choperia, bar e casa de shows.

Ziraldo orienta pintura de painel no Canecão, em 1967 — Foto: Antonio Rudge/Divulgação
Ziraldo orienta pintura de painel no Canecão, em 1967 — Foto: Antonio Rudge/Divulgação

Instalada no salão do endereço, fechado desde 2010 — e que é de responsabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) —, o quadro apresenta uma série de figuras em meio a uma grande celebração regada a cerveja. Estão lá personagens que depois se tornaram icônicos (e recorrentes) na obra do autor, entre eles o famoso Jeremias, o Bom.

"Tem a Arca de Noé com os bichos, tem os Arcos da Lapa, tem a visita do Papa ao Rio de Janeiro. Tem as cariocas chegando para a festa, animadíssimas. Tem o cara celebrando na mesa de bar. Tem o sujeito de porre, tem o cara dando cachacinha para o santo. Tem toda uma visão brasileira sobre o ato de beber. Não tem ninguém comendo. Estão todos comemorando. Tem muitos brindes", explicou Ziraldo, em 2015.

Hoje, segundo os cálculos do documentarista Guga Dannemann, responsável pelo filme "Ziraldo: uma obra que pede socorro" (2020), apenas 30% do quadro resistem em meio ao mofo e ao breu que tomam conta do lugar. Em 2015, um projeto para a restauração da obra — que tinha o marchand Luiz Fernando Dannemann como um dos apoiadores — havia sido aprovado e anunciado pelas autoridades, mas um impasse jurídico e as várias tentativas frustradas de reabertura da casa acabaram minguando as chances de salvação da pintura. Para amigos e familiares, Ziraldo dizia que um de seus maiores sonhos era repintar aquele quadro.

— Nunca consegui conversar 20 minutos com o Ziraldo sem que ele tocasse naquela obra — diz Guga, ao GLOBO. — Acho que a vida do Ziraldo está retratada um pouco naquele quadro. A eloquência gráfica e visual dele começa ali. O painel era um filho para ele, sabe? Ele ficava muito mal ao ver o estado em que se encontra a pintura. Aquela obra representava, para ele, o começo de sua vida profissional como artista plástico. E mais. Ele dizia que queria terminar a vida como artista plástico, da maneira como havia começado.

Imagem original de painel assinado por Ziraldo, no interior do Canecão, foi reconstituído por especialista alemão — Foto: Divulgação
Imagem original de painel assinado por Ziraldo, no interior do Canecão, foi reconstituído por especialista alemão — Foto: Divulgação

Há mais ou menos oito anos, junto à equipe que cuida do acervo de Ziraldo, o documentarista garimpou e reuniu a maior quantidade possível de fotos do interior do Canecão. As imagens foram enviadas para um especialista alemão, que reconstituiu a obra tal como era.

Em 2023, a UFRJ anunciou a concessão do novo Canecão, após uma uma longa batalha judicial com os inquilinos. Com um lance de R$ 4,35 milhões e ágio de 596%, o consórcio Bonus-Klefer venceu o leilão organizado pela UFRJ e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para erguer um novo prédio no espaço, cuja inauguração está prevista para 2025.

O projeto prevê um espaço multiuso de 15 mil metros quadrados com estrutura para shows, musicais e peças de teatro. O consórcio vencedor promete investir R$ 184,3 milhões na concessão, válida por 30 anos. A nova casa deverá ter capacidade para três mil espectadores. O pacote inclui também a construção de 70 salas de aula, refeitório, sala para exposições científicas, um parque aberto e a restauração, enfim, do painel de Ziraldo. Até o momento, no entanto, há apenas tapumes no local.

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