Cultura
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O argentino Pablo Katchadjian tem conquistado o segmento delirante da literatura latino-americana equilibrando inteligência, originalidade e bom humor. Sua obra mais recente, “A oportunidade”, é o tipo de novela que se torna mais prazerosa à medida que o leitor vai desatando os nós dos personagens — e os próprios. Daí o caráter de autoajuda atribuído ao livro pelo narrador-protagonista, que pretende melhorar a vida alheia mostrando como conseguiu superar suas caraminholas.

O narrador diz que andou muito tempo enfeitiçado, sofrendo com um pensamento estupidificante que o deixava sem tempo para nada, a não ser pisar e repisar os mesmos tormentos. Com isso, chafurdava em estado letárgico. Sorte é que essa Coisa Ruim às vezes se distraía — e aí ele tinha que aproveitar para fazer logo o que queria. Ainda assim, escorregava numa questão pertinente: estaria ele fazendo o que estava realmente a fim de fazer ou apenas o que a Coisa Ruim permitia? Quem mandava, afinal, nesse destino? Quando parava para pensar nisso, o homem estagnava novamente na pasmaceira existencial.

Mas eis que o narrador descobre que uma bruxa pode livrá-lo desse feitiço pesado (e já dizia o sábio Sancho Pança: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”). Assim, meio atrapalhado, o narrador fica sabendo que sua cabeça está tomada por uma egrégora, não como entidade coletiva, mas um peso mental criado e reforçado pelo seu próprio feitiço. Ao retroalimentar essa praga que lhe consome as entranhas, o sujeito se deixa cair na paralisia, mas sem ter consciência disso. Aí é que está o busílis: a falta de consciência sobre o que lhe corre pelas veias.

Autoajuda número um: conheça e desfrute de seu feitiço, mas nada de escarafunchá-lo a ponto de torná-lo uma coceira gostosinha. Com o tempo, ela inflama, pode matar. A primeira providência é abafar a inércia tão logo ela mostre a cara.

Autoajuda número dois: para continuar enfraquecendo essa egrégora, também é necessário voltar no tempo, talvez no espaço, e recuperar o estado mental pacífico que reinava antes de ela assumir o comando. Nada de procrastinar a vida. A solução é ir à luta.

No caso do nosso narrador, ele vai literalmente para uma guerra: torna-se correspondente de jornal num conflito internacional, faz amizade com um veterano repórter, arruma uma namorada russa, torna-se herói da resistência local, escapa da morte, passa um tempo em Moscou. E já de volta a Buenos Aires, continua sua busca, o que implica encontrar novas bruxas, novos encantos e caminhos, até que tudo se ajeita, de maneira inusitada.

Às vezes, é verdade, “O acontecimento” parece embolado como um cachorro tentando morder o próprio rabo — mas é tudo de propósito. Katchadjian mostra que enfrentar a si próprio nem sempre é tarefa fácil, ainda mais quando a cabeça do cidadão é atochada de egrégoras. E que esse negócio de autoajuda, quem diria, não costuma ser muito útil.

No fim das contas, o livro é uma investigação nas profundezas de um sujeito confuso, com personagens leves e cenários curiosos — como a casa de vinhos do narrador, que tem especialistas em misturar os restinhos de vinho que ficam no fundo das garrafas (“um malbec superior e um branco barato”).

Autoajuda número três: quando se sabe aproveitar a oportunidade, nada se estraga, tudo se transforma; às vezes, para melhor. Como, aliás, parece a proposta da obra mais polêmica de Katchadjian, “El aleph engordado”, de 2009. No livro, ele achou bonito incluir 5.600 palavras ao conto “O Aleph”, de Jorge Luis Borges (1899-1986), dobrando o seu tamanho. Mas a família do mestre intocável achou isso feio e acabou levando o caso para a Justiça. Entre idas e vidas, Katchadjian safou-se de processo por plágio e da cadeia, reforçando a fama de que nasceu para provocar, reformatar ou criar histórias engenhosas como “O acontecimento”. Um cara vanguardista, mas divertido, sem a chatice de praxe.

Em tempo, diga-se que, como em qualquer livro, há mil maneiras de interpretar (ou desinterpretar) esse romance do argentino, de 47 anos. Ponha no lugar da tal egrégora uma depressão, ou uma obsessão, uma paixão, um emprego idiota... qualquer zica se encaixa na trama, e a solução será sempre a mesma: agir.

Dessa maneira, “A oportunidade” pode não ser um livro obrigatório, se é que existe algum que o seja, mas pode ser terapêutico. Ou, para usar uma palavra detestável, inspirador: basta ver que contemporâneos geniais como César Aira e Alejandro Zambra enchem a bola de Katchadjian, e eles não costumam ser benevolentes com a mediocridade que abunda mundo afora.

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