Cultura
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Por — Rio de Janeiro

O pai de Cida Moreira dizia que queria morrer "de sapato no pé". A família o achava maluco. Até que chegou a hora... Foi quando perceberam que malucos eram os que não acreditavam nele. É que de tanto mentalizar seu desejo, seu Antonio criou a energia para atrair o fim que tanto desejava — e acabou partindo do jeito que queria: arrumado para sair, todo bonito, enquanto tirava o carro da garagem.

É assim também que a cantora, pianista e atriz de 72 anos, ícone do underground paulista, pretende se despedir deste plano:

— Ligada à vida, fazendo coisas, vivíssima — diz ela. — Até porque, se não fizer o que faço, fico doente e morro.

Cida fala isso com a tranquilidade de quem sabe que há muito pela frente. Se curando de uma crise alérgica que a deixou rouca, usa o humor ácido que forja sua personalidade para contar que nem "uma perna podre" e "o coração meio ruinzinho", após uma cirurgia para corrigir fibrilação arterial, são capazes de lhe parar.

Cida Moreira: 'Pensa na Janis Joplin anos anos 1970: eu sou essa pessoa' — Foto: Divulgação / Murilo Alvesso
Cida Moreira: 'Pensa na Janis Joplin anos anos 1970: eu sou essa pessoa' — Foto: Divulgação / Murilo Alvesso

Ela anda enfileirando trabalhos — sempre com aquela sua performance dramática, atrevida e intensa. Depois de atuar e assinar a pesquisa de imagem no espetáculo "Cabaré Coragem", do grupo Galpão", apresenta o show "Com o coração na boca" com Rodrigo Veloso (filho de Benito de Paula), dia 25 na Casa de Francisca, São Paulo.

Também segue em cartaz com “Leros e boleros, a música de Sérgio Sampaio”, e “O som do pasquim” — esta na companhia de Ayrton Montarroyos e Cassio Scarpin. Dia 12 de junho, estará no Prêmio da Música Brasileira, no Theatro Municipal do Rio.

Mas é nesta sexta (19) e sábado (20) que ela estreia um show inédito no palco do Manouche, na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro. Cida entrará em cena ao lado de Helio Flanders, vocalista do Vanguart, em “Uivo — Um voo sem proteção”, que celebra os seis anos da casa no subsolo da Casa Camolese, no Jockey Club.

Foi depois de assistir a Cida cantar naquele palco, aliás (em “Canções para cortar os pulsos”, com repertório de Tom Waits), que Maria Bethânia decidiu fazer a temporada de “Claros breus” ali, em 2019.

— Aplaudo de pé qualidade seu repertório, estudos sobre obras importantes, seus instrumentos, voz e piano, altíssima qualidade. Elegante, segura e comovente — diz a baiana.

O título do show é inspirado na obra do escritor e filósofo americano Allen Ginsberg, poeta maldito. A dupla promete fazer uma declaração estética e política à vida sem pudores dos tempos da contracultura. Tudo isso via repertório Lou Reed, Bob Dylan, David Bowie, Chico Buarque, Belchior, Torquato Neto e Jards Macalé.

— O uivo do Ginsberg foi um grito de uma geração que estava desesperada para fazer valer o que estava começando. Porque o mundo do pós-guerra tinha mudado, e aquela geração altamente intelectualizada pressentia uma liberdade que ainda teria que ser batalhada — analisa Cida.

Nascida em São Paulo em 1951, Cida começou a tocar aos 7 anos (“não é profissão, é ato de fé”, diz) e passou a adolescência no furacão da ditadura dentro de templos da vida cultural paulista como o Teatro Oficina, sendo formada ideologicamente por grandes momentos do teatro, da música e da literatura dos malditos daqui.

— Era uma linguagem diferente, uma explosão de criatividade e um sentimento muito claro de exclusão do que era aceito como cultura brasileira em si. Tenho a impressão de que a literatura que foi transformada também tem a ver com o tipo de poesia da bossa nova para cá. Com uma liberdade linguística enorme.

Cida é, portanto, fruto de tudo isso:

— Essas manifestações perpassaram minha vida artística no momento em que estava me formando como pessoa. Toda a efervescência da cultural dos anos 1960/70, o Cinema Novo. Quando li "On the road" (Jack Kerouac), pirei. Pega Janis Joplin dos anos 1970... Eu sou aquela pessoa!

Uma pessoa que largou a psicanálise aos 32 anos para se dedicar às artes. Iniciou carreira na peça “A farsa da nova bombardeada”, de Alcides Nogueira, em 1977, ano em que entrou para o Teatro do Ornitorrinco. Em 1980, estreou carreira solo no show (e disco) “Summertime”, sob direção de José Possi Neto.

Nove anos depois, lançou o icônico “Cida Moreira interpreta Brecht”. No cinema, foi dirigida por Denise Stoklos (“Elogio das sombras”) e Arrigo Barnabé (“Ópera dos crocodilos”). Ganhou o prêmio de melhor atriz em Gramado por “O que se move”, de Caetano Gotardo. “Três tigres tristes” (2023), em que atua, ganhou prêmio no Festival de Berlim.

A trajetória da artista é reverenciada pela classe artística. O DJ Zé Pedro abriu a gravadora Joia Moderna para lançar os discos dela.

— Cida é do tempo em que ser artista era escolher a contramão do bom senso. No Joia Moderna, pratica com liberdade seu exercício de cantora eternamente vislumbrando o mainstream com a ironia dos gigantes — observa Zé.

Zélia Duncan é outra que bate a cabeça.

— Sabe um assombro de beleza e atrevimento? Cida é isso e nunca deixou de ser. A beleza, doce ou áspera, mas sempre a beleza — diz Zélia.

O parceiro Helio Flanders diz que ela mudou sua vida:

— Cida foi a minha primeira inspiração. Desde quando a ouvi, ainda morando em Cuiabá, sinto um jeito diferente de cantar, que me permitiu ser livre, cantar do jeito que eu quisesse. Depois, já a acompanhando em São Paulo, criamos uma amizade e uma admiração mútua. Quando ela canta, eu sinto uma espécie de explicação... como se ela explicasse o porquê de cantar, de sentir, de viver as coisas até seu núcleo mais profundo. Quando estou perto dela, me sinto mais perto de mim.

Cida tem preferido trabalhar com a nova geração da música brasileira.

— Tenho receio da minha geração. Algumas pessoas pararam no tempo. Conheço muita gente nova porque dou aulas. É uma geração que está estudando mais que a minha. Quando eu tinha 30 anos éramos tão porra louca... E esse povo agora está se formando em música na Unicamp. E não estão fazendo à toa, são representantes de uma música de qualidade. Não chamo de gente jovem por que não tenho necessidade de separar. Tenho aprendido muito. Inclusive, voltei a estudar piano por conta dessa relação de trabalho — conta. —Acho um privilégio, vejo um ganho para mim como artista. Poderia chamar de renovação, mas não gosto. Prefiro dizer que é uma continuação do trabalho, usando as coisas que estão acontecendo para agregar. Não sou saudosista. Não tenho saudade, tenho lembranças. Não penso que quando era mais jovem a música era melhor. Enxergo dois caminhos: o oficial e o da criação, que continua maravilhoso.

Com “o caminho da criação”, Cida quer dizer aquele em que não se faz concessões impostas pela indústria. Ela jamais fez. Reconhece que poderia ter alcançado público maior. Odeia as palavras “restrita” e “alternativa”, mas assume que pagou o preço pelas escolhas, fora do mainstream.

— É uma questão do meu temperamento: sou chata, não faço o que não quero. Não sou heroína ou guerreira da arte, apenas uma louca sempre me guiando por onde bate meu coração. Tenho uma vida bem construída — afirma ela, depois de dois casamentos e uma filha. — Acho que fiquei do tamanho que podia ter. Claro que poderia ser mais, mas essa altura do campeonato... não sei se ainda penso mais nisso. A gente é o que é.

Nada causa mais pavor em Cida do que “artista que se vitimiza”:

— Tenho aflição, não acredito nesse discurso de “ah, não sou reconhecida”. A gente mora no Brasil! É um país que sempre prestigiou seus grandes? Não! É assim, sempre foi. E o artista pode usar sua liberdade para deixar esse sofrimento, que não é bom para a criatividade. Me deparo com muitos jovens “internetizados”, que estudam música e teatro e não sabem quem foi Tom Jobim. Sou grande amiga da Alaíde Costa, que aos 90 anos teve essa explosão. Demorou muito? Sei lá!

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