Cultura
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

A morte de Erasmo Carlos — o Tremendão, o Gigante Gentil, o amigo de fé, irmão camarada de Roberto Carlos — em 22 de novembro de 2022 deu início à descoberta de outro Erasmo: o Esteves, um cara simples da Tijuca, que adorava rock e histórias em quadrinhos, que curtia sua casa com quintal, horta e crianças, que amava sua Narinha e que sofria com a solidão nos hotéis, quando o trabalho exigia distância da família.

Este é o ser humano que respira em cada pedaço de “Erasmo Esteves” (Som Livre), álbum lançado na sexta-feira (3) no streaming, mas pensado como um LP físico (ainda a ser fabricado), bem do jeito que o artista gostava de ver sua música materializada.

Responsável pelo disco juntamente com Marcus Preto e Pupillo (respectivamente diretor artístico e produtor musical dos últimos trabalhos de Erasmo), Léo Esteves, filho do cantor e compositor, não gosta de se referir a esta coleção de 14 faixas (quatro delas, vinhetas) como uma homenagem.

O cantor e compositor Erasmo Carlos em 1971 — Foto: arquivo/3-1971
O cantor e compositor Erasmo Carlos em 1971 — Foto: arquivo/3-1971

— Este é um álbum de estúdio, feito como se Erasmo estivesse aqui. Não é um tributo — define Léo, falando do disco cantado por seu pai e artistas da nova geração, como Tim Bernardes, Chico Chico, Jota.pê, Marina Sena, Rubel e Xênia França. — As pessoas me falavam muito “olha, você tem que fazer um projeto com Fulano, com Beltrano...”, mas Erasmo não era assim, gostava de coisas diferentes. Era a forma dele de atuar, então respeito muito. Era como se ele estivesse aqui falando “quero um projeto com a turma nova que bebe na minha fonte”. Com gente que veio como fã do Erasmo, da história dele e da pessoa que ele é.

Léo acabou descobrindo a forma correta de realizar esse projeto em meio ao luto. Foi quando mergulhou no vasto acervo deixado pelo pai, com cadernos repletos de escritos e desenhos, bilhetes dele para a sua mãe (Narinha, que morreu em 1995), filmes em Super 8, fitas cassete e uma série de fotos pessoais de um Erasmo “menos artista”, sem pudores de exibir os dentes separados. Foi um material que o filho recolheu ao longo dos anos na casa do pai, muitas vezes o salvando da destruição — havia cadernos que as traças começaram a comer, mas pelo menos o fizeram de maneira artística.

Há de tudo um pouco no baú do Erasmo Esteves, que o filho abriu com exclusividade para o GLOBO. Histórias em quadrinhos, ideias para filmes, desenhos da família, uma carta para o amigo radialista Big Boy, relatos de viagens, um slogan erótico-pacifista (“make baby, not war”), autorretratos explicitamente eróticos, menções aos filhos que viriam (“o neném já se mexe” — e o neném era Léo, hoje já avô) e ao time do coração (Vasco da Gama).

Paixão por Narinha

De repente, do meio dos papéis salta uma carta para Ziraldo, com a letra de “Filho único”, a propósito do famoso personagem do cartunista, a Super Mãe. Ou, então, as primeiras versões de letras que ele ajudou Roberto Carlos a compor, sucessos como “Desabafo” e “Cavalgada” — esta, seguida, logo abaixo, de um enigmático “Amar para viver ou morrer de amor” (título de uma música que Erasmo só iria lançar em um de seus LPs nos anos 1980).

Mas o que chama a atenção mesmo no material é a paixão por Narinha. Este amor transborda nos bilhetes que assinava como sendo “do seu barrigudo” (eles se chamavam de “Puiú” e “Boém”), num acróstico (“Nunca, em época alguma/ Antes ou depois de Cristo/ Relendo grandes romances/ Amor tão grande foi visto”) e na transcrição da letra que compôs com a mulher, “Geração do meio” (“Te amo e te agradeço a parceria. Gosto muito da minha geração, pois nela eu conheci você. Sou seu.”), e numa carta de saudade que ocupa um guardanapo inteiro, aberto, do hotel Beverly Hilton, em Los Angeles.

— Quando Erasmo estava compondo com Roberto na década de 1980, ele ficava lá no hotel, às vezes fazendo nada, e escrevia uns bilhetes para a minha mãe, que depois mandava — conta Léo Esteves, que atuou como guardião dos poemas escritos pelo pai em tempos mais recentes. — Ele começou a curtir mais escrever sem aquela coisa da métrica da letra de música, passou a ter uma escrita mais fluida... a gente pensou em fazer um livro com a poesia dele, mas acabou não acontecendo.

Esse material todo, mais as fitas que Erasmo deixou com pedaços de ideias e músicas mais ou menos prontas, foi depurado por Léo e Marcus Preto e enviado para os parceiros do compositor (que o devolveram em forma de canções) e para artistas visuais (que amalgamaram fotos, desenhos e a caligrafia do artista no material gráfico do futura versão física do disco “Erasmo Esteves”).

— Quando a gente olhou aquilo tudo, já de uma forma um pouco mais consolidada, se impressionou com a ternura do material — conta o filho de Erasmo. — Os bilhetes que meu pai fez para minha mãe são aulas de romantismo puro, eles mostram o homem que não estava nem fazendo isso profissionalmente, com toda a singeleza. Era um tesouro que a gente poderia trabalhar de uma forma bacana com os parceiros com quem a gente tinha começado o projeto.

A produção de “Erasmo Esteves” começou com o artista ainda vivo, logo após ele lançar “O futuro pertence à Jovem Guarda”, disco que acabaria lhe rendendo um Grammy Latino, na categoria melhor álbum de rock e música alternativa em língua portuguesa. O resultado, que ele chegou a comemorar, foi anunciado cinco dias antes da sua morte.

— Teve um trabalho de convencer o Erasmo (para fazer o disco), ele tinha torcido o nariz: “Pô, cantar música da Jovem Guarda? Eu quero é gravar coisa nova!” — recorda-se Léo. — Esse projeto seguinte era o da Jovem Guarda do futuro, do Tim Bernardes e do Teago Oliveira (líder da banda Maglore). A gente já estava falando até de data para gravar. Seria um disco do Erasmo abraçando esses jovens.

Parcerias com o baú

O cantor deixou três composições prontas, duas delas com vocais seus registrados, que acabaram entrando no disco. São “A menina da felicidade” (feita para Wanderléa, que acabou não gravando e virou um dueto do Tremendão com Gaby Amarantos), “Esquisitice” (cantada por Erasmo com Marina Sena) e “Nossos corações”, parceria com Roberta Campos, que encerra o disco com vocais de Xênia França. Daí, começou o trabalho de enviar o material do baú para os parceiros.

"A gente está voltando àquele Erasmo com suas inseguranças, seus amores e pontos de vista", diz Léo Esteves, filho do cantor — Foto: Guito Moreto
"A gente está voltando àquele Erasmo com suas inseguranças, seus amores e pontos de vista", diz Léo Esteves, filho do cantor — Foto: Guito Moreto

“Assim te vejo em paz” surgiu de uma das cartas para Narinha, musicada por Roberta e cantada por Jota.pê. Já o bilhete para a mulher, rabiscado no guardanapo do Beverly Hilton, serviu a Nando Reis para compor “Que assim seja (também distante)”, eternizada no disco com os vocais de seu filho, Sebastião Reis.

Por falar em ex-Titãs, Arnaldo Antunes colocou letra em “Dane-se (dance)”, canção incompleta deixada em fita cassete por Erasmo e gravada por Russo Passapusso, do BaianaSystem. Já Paulo Miklos partiu de outro esboço de Erasmo para compor “Na memória dos caras tortas”. Miklos assovia e toca piano na introdução e no final da música, mas quem defendeu os vocais da gravação foi Chico Chico, filho de Cássia Eller.

Um dos últimos parceiros de Erasmo (é dele a letra de “Praga”, gravada por Alaíde Costa em 2022), Tim Bernardes pegou uma fita antiga do Tremendão, provavelmente dos anos 1970, e compôs “Minha bonita primavera”, música que entrou em “Erasmo Esteves” com a sua voz e o seu violão.

Marcus Preto diz que a regra era só mandar escritos e fitas para quem já tinha sido parceiro de Erasmo. Regra quebrada “uma vez e meia”. “Meia” com Teago Oliveira, que não foi parceiro, mas já tinha tido música gravada por ele — o baiano compôs “Frágil” a partir de um poema do Tremendão, e acabou gravando-a com sua própria voz. A “vez inteira” foi com Rubel, que musicou um poema autobiográfico de Erasmo (por sinal, um dos últimos que ele escreveu), “Tijuca maluca”, e dele fez o samba-rock benjoriano “Erasmo Esteves” — faixa que acabou tendo vocais de Rubel, rap de Emicida (esse, sim, parceiro de Erasmo) e imagens dos filmes Super 8 do Tremendão na parte final do clipe, lançado junto com o álbum.

— Emicida faz cem coisas ao mesmo tempo e responde um WhatsApp a cada mês. Ele veio aqui em casa para falar de outros assuntos e eu disse: “Você vai se arrepender tanto de ter não ter entrado nesse disco!” E botei a faixa do Rubel, que estava toda aos pedaços, sem saber que ele ia pirar na coisa da caneta — conta Marcus. — Ele pediu pra abrir um espaço nessa e eu disse que ele tinha dez dias para entregar tudo. Num milagre, ele conseguiu. A faixa é o Erasmo contando, em primeira pessoa, a infância e a adolescência na Tijuca. No espaço para rimar, o Emicida entregou algo como se ele fosse o Repórter Esso, uma espécie de parte “jornalística” da história.

As gravações descompromissadas de Erasmo, para registrar ideias, entraram no disco como vinhetas que antecedem as canções prontas. A última coisa foi resolver o título do álbum, embora, segundo Marcus, ele estivesse o tempo todo debaixo dos seus narizes:

— Era inevitável chegar ao “Erasmo Esteves”. A gente estava fuçando as coisas dele, os cadernos dele, as coisas que ele deixou acabadas ou quase acabadas.

Léo não deixa de reparar na ironia de se devolver ao pai o “Erasmo Esteves”, nome “que não ajudava” aquele artista iniciante, que adotou o “Carlos” inspirado no sucesso do amigo Roberto. E lá se vão mais de 60 anos. Léo complementa:

— De certa forma, a gente está desconstruindo isso agora, voltando àquele Erasmo com todas as suas inseguranças, seus amores e seus pontos de vista.

Mais recente Próxima Crítica: Madonna leva 1,6 milhão de pessoas para Copacabana em noite histórica para o RJ
Mais do Globo

Presidente da Câmara se sentiu atacado por influenciador ao ser chamado de ‘excrementíssimo’; juiz afirma que referência foi de ‘mau gosto, mas não há crime

Justiça Federal arquiva pedido de investigação de Lira contra Felipe Neto

Autoridades russas criticaram política do COI, que decidiu permitir que alguns atletas do país participassem sob bandeira neutra, desde que cumpram condições rigorosas

Lutadores russos rejeitam convite para os Jogos de Paris sob bandeira neutra

Ex-presidente Jair Bolsonaro é quem mais afasta eleitores, diz pesquisa

Datafolha aponta que 56% podem mudar voto para prefeitura de SP por rejeição a padrinho político

Casal teria retomado acordo milionário com serviço de streaming pra realizar novo documentário sobre realeza britânica

'Em pânico': família real teme novo projeto de príncipe Harry e Meghan Markle, diz site; entenda

Idade avançada continua sendo motivo de preocupação para seus colegas exilados, que temem que Pequim nomeie um sucessor rival para reforçar seu controle sobre o Tibete

Dalai Lama diz que está em bom estado de saúde após cirurgia nos Estados Unidos

Mikel Merino deu a volta na bandeira de escanteio para homenagear o genitor após selar a vitória espanhola na prorrogação

Pai de 'herói' da Espanha na Eurocopa marcou gol decisivo contra alemães no mesmo estádio há 32 anos; compare

O craque aproveitou para agradecer pelo apoio da torcida

Cristiano Ronaldo faz publicação nas redes sociais após eliminação de Portugal na Eurocopa: 'Merecíamos mais'

Com os criminosos foram apreendidos drogas, dinheiro, máquina de cartão de crédito e diversos celulares roubados

Polícia Civil prende em flagrante três homens por tráfico e desarticula ponto de venda de drogas no Centro