Em meio ao barulho das máquinas e ao vaivém de operários, Alexandre Accioly circula pela obra do antigo cinema Roxy, em Copacabana, mostrando cada detalhe à reportagem do GLOBO. Cita números do projeto, descreve materiais usados, pondera sobre construção civil e arquitetura e vai lambendo a cria. O empresário, de 62 anos, é o responsável pelo resgate do local — um dos mais simbólicos cinemas de rua do Rio de Janeiro, fundado em 1938, e que estava fechado desde 2021. Dody Sirena e Cicão Chies, da DC Set Group, são seus sócios na empreitada.
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Sem qualquer receio de mirar lá no alto (pelo contrário, este parece ser o seu prazer), Accioly quer fazer do Roxy o que o Moulin Rouge é para Paris — “vai ser melhor, quando a gente inaugurar eles vão fechar pra reforma”, brinca.
A ideia é conceber uma casa de espetáculos robusta, voltada para os turistas (principalmente os brasileiros, ele frisa), com um dinner show de quatro horas de duração. A data de abertura para o público está marcada: 28 de agosto.
Para a aventura, Accioly se cercou de profissionais sobre os quais fala orgulhoso também. Sérgio Dias e Ana Lúcia Jucá assinam o projeto de revitalização do imóvel, tombado pelo município em 2003 num decreto que o destaca como “marco da arquitetura e engenharia modernas no Rio de Janeiro”. O restaurador escolhido foi José Astorga, responsável por restaurações em patrimônios cariocas como os Arcos da Lapa, no Palácio Guanabara e no Solar da Marquesa de Santos.
— São 4.400 metros quadrados de área. Até os anos 1990, isso aqui era uma sala só. Depois, transformaram em três. Destruí tudo para voltar ao projeto original — diz Accioly, enquanto anda pela obra. — Estamos restaurando o design que havia em 1938. Vamos resgatar o letreiro tombado. As colunas estavam escondidas, vamos botar de volta na rua. O Astorga foi raspando todas as camadas de tinta das colunas até chegar à última cor, um dourado de 1938. E não encontramos esse dourado, estamos fazendo a tinta pra chegar no que era.
A abobada projetada pelo engenheiro Emílio Henrique Baumgart (o mesmo do Copacabana Palace), com 36,2m de diâmetro e que estava encoberta, voltará imponente. O piso de mármore de rochas tipo calcário lioz rosa e a escadaria na entrada também foram recuperados.
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Accioly explica que o isolamento acústico é parte fundamental do projeto. Ele mostra a espessura das paredes reforçadas com camadas e camadas de materiais específicos para o tratamento.
— Vamos transformar isso aqui no maior estúdio do mundo. Não posso correr o risco de começar o espetáculo pra daqui a pouco aparecer morador dizendo que não consegue dormir — diz.
Veterano
Empresário bem-sucedido — ele teve uma agência de figuração para a TV, fez fortuna com call centers e ergueu o império de academias Body Tech —, Accioly é veterano dos ramo de entretenimento e gastronomia. Foi sócio de Osvaldo Sargentelli na lendária Oba-Oba, casa no Humaitá que marcou a noite no Rio dos anos 1970. Quando soube que o antigo Metropolitan, na Barra, estava em vias de virar supermercado, entrou no circuito e fez da casa o Qualistage. Fundou com Brenda Valansi a ArtRio, é um dos sócios do Noites Cariocas e está por trás da concessão do novo Jardim de Alah, em Ipanema.
Determinado a entrar no ramo do turismo e decepcionado com as opções de vida noturna no Rio — “só tem botequim, e olha que eu adoro botequim” —, cismou de criar um show que traduzisse a riqueza da cultura brasileira. Convocou um velho amigo, pra quem deu uma tela em branco: o diretor artístico Abel Gomes, responsável pela abertura das Olimpíadas do Rio, em 2016, e pelo Reveillón de Copacabana, entre outros inúmeros projetos para o audiovisual.
'Um cristalzinho'
Abel concebeu o espetáculo “Aquele abraço”. Mas faltava uma casa. Accioly quase fechou com o teatro do Hotel Nacional, em São Conrado, mas o trato não vingou. Quando soube que o Roxy estava prestes a abrigar uma loja de departamento esportiva, pegou o telefone e ligou para o Grupo Severiano Ribeiro, com quem diz ter boa relação, e melou a locação da loja. Começava ali a história do novo Roxy.
— O projeto original era pra ser de R$ 30 milhões, agora vai terminar em torno de R$ 65 milhões. Estamos construindo a casa de acordo com o espetáculo, uma oportunidade única. O show vai ser vibrante, eclético e interativo. Isso tudo com uma cozinha totalmente brasileira. Vai ficar lindo — comemora Accioly.
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Inicialmente, o Roxy vai funcionar de quarta a domingo. A casa, que no projeto original comportava mil pessoas, agora terá capacidade para 700 acomodadas em poltronas e mesas. O ingresso terá preço único de R$ 580. Embalado por uma banda de bossa nova, o jantar será servido das 19h às 21h, com duas opções de entrada, três de pratos principais e duas de sobremesas.
Conforme antecipou a colunista Luciana Fróes, do GLOBO, Danilo Parah, do Rudä, eleito chef revelação no último Prêmio Rio Show de Gastronomia, no ano passado, será o chef consultor do novo Roxy.
‘Alegria danada’
Depois do jantar, num palco de 200 metros quadrados equipado com um telão de LED de 30 metros de largura e sete metros de altura, começa “Aquele abraço”, tratado pelos criadores como um “espetáculo multissensorial”, com 1h40 de duração. Em um restaurante próximo ao Roxy, Abel recebeu O GLOBO com o time de profissionais que escalou para a nova empreitada.
Pretinho da Serrinha é o diretor musical, Maneco Quinderé é o responsável pela iluminação. Os coreógrafos Priscila Mota e Rodrigo Neri, vencedores do carnaval este ano pela Unidos da Viradouro, são os diretores de movimento. O roteiro é assinado por Leonardo Bruno, escritor, roteirista e comentarista de carnaval da TV Globo. O figurino é da dupla Leonardo Bora e Gabriel Haddad, carnavalescos da Grande Rio. Fred Coelho desenhou o som, enquanto Paulo Neves, Fátima Oliveira e Luana Farias cuidam da cenografia.
— O Alexandre realmente deu toda a liberdade pra gente criar esse espetáculo. E eu já trabalho com essa turma há algum tempo, por isso ficou fácil. Criei o conceito do espetáculo, mas no final das contas, a direção é de todo o mundo. São profissionais incríveis, maravilhosos — se rasga o diretor geral Abel Gomes, 63 anos. — Está me dando uma alegria danada trabalhar nesse projeto. A casa realmente está sendo feita em função do espetáculo. Costumo dizer que essa casa vai ser um cristalzinho que o Brasil vai ter, está ficando muito linda, tudo incrível.
Para dar suporte aos 60 artistas envolvidos no espetáculo, foi construído um backstage de cinco andares, com coxia, vestiário, camarim, acervo e tudo o que uma peça de ponta precisa por trás das cortinas.
— A gente está criando esse teatro para o espetáculo. É a primeira vez que a gente tem uma oportunidade dessa — diz Priscila Mota. — Estamos desenvolvendo toda a parte do backstage, porque o cinema não tinha, né? Estamos desenvolvendo isso juntos, é um diferencial poder fazer o teatro do jeitinho que a gente quer pra gente morar lá dentro. Criamos uma sala de aquecimento e um lounge para os bailarinos ficarem confortáveis. Os artistas têm ficar à vontade, porque eles praticamente vão morar ali.
Interação com público
Maneco Quinderé pega carona na empolgação da colega e compra o discurso de que o novo Roxy será uma casa tipo exportação.
— Além de fazer esse espetáculo, estou fazendo uma infraestrutura de luz para receber outros espetáculos no espaço também. Pode existir um lançamento, um show do Caetano, por exemplo. É mais uma casa de apresentações, mas com um conceito totalmente diferente. Do porteiro que vai te receber até o jantar, as recepcionistas, tudo está sendo pensado para oferecer uma experiência única, gastronômica, de visual e de entretenimento. É nível Las Vegas.
Autor dos livros “Canto de rainhas” (2021) e “Zeca Pagodinho — Deixa o samba me levar” (2014), Leonardo Bruno fala sobre o desafio de roteirizar um espetáculo que pretende abraçar algo tão amplo como a cultura brasileira. E para um público igualmente amplo — o show foi pensado para uma plateia na faixa etária entre os 18 e os 60 anos.
— Como a gente faz um passeio pela cultura brasileira? Como é que a gente fala do Brasil? A gente partiu de alguns pressupostos. Pegamos um pouquinho do melhor que a gente tem a oferecer no canto, na dança, no ritmo, no jeito de ser. A gente procura mostrar um pouco o jeito de ser do brasileiro de vários lugares através dessas manifestações culturais. E o público não está ali passivo, não é apenas um espectador.
Pretinho da Serrinha completa:
— Vai ter um pandeiro, por exemplo, na sua mesa, e quando você se der conta, será acionado pra fazer um som ali junto com o espetáculo. Em qual casa você tem a oportunidade de passar por essas experiências, e na mesma noite curtir rock, bossa nova, funk, xaxado, frevo? Acho que no Brasil, não tem — diz o músico.
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