Até esta sexta-feira (24), a um dia do fim do Festival de Cannes, apenas dois filmes conseguiram disfarçar a baixa qualidade da Seleção Oficial da competição: "Anora", do cineasta americano Sean Baker, e "Grand Tour", do português Miguel Gomes. Eles estão anos-luz à frente da maioria de seus rivais. E sem serem parecidos em nada, concordam em algo: a forma de entender o cinema como uma aventura incomparável para despertar a imaginação e a emoção no espectador.
"Anora" foi exibida na terça-feira (21) e o entusiasmo foi instantâneo. O novo filme de Sean Baker conseguiu convencer a crítica graças à sua graça contagiante, à sua tristeza inevitável e aos seus personagens formidáveis. Anora é a protagonista, uma prostituta esperta e desbocada de Astoria (Queens) que prefere responder ao pseudônimo mais sexy de Ani. A jovem, interpretada pela incrível Mikey Madison, um dia conhece um menino, filho de um oligarca russo, e aí começa um épico que tem de tudo: noite selvagem, thriller noturno com a máfia russa de Coney Island, gotas de comédia maluca, uma veia romântica inesperada e uma coleção de personagens marcantes.
Baker retorna às alturas conquistadas com sua joia "The Florida Project" (2017) para contar uma daquelas histórias sobre princesas de rua e trash. Com uma linguagem contemporânea que nunca deixa seus personagens para trás, ele retrata mais uma vez uma menina que sobrevive graças ao sexo sem julgá-la ou estigmatizá-la, e com uma humanidade emocionante.
Baker filmou uma anti-"Uma linda mulher", a comédia de Garry Marshall dos anos 1990. Em "Anora", ele vira o conto de fadas de cabeça para baixo para entrar em um pesadelo que remete aos irmãos Safdie e seus fascinantes "Uncut gems" (2019), mas com tanto amor pelo seu personagem principal que o eleva a outra dimensão.
Confira fotos da première de gala de "Motel Destino", filme brasileiro no Festival de Cannes
![Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/t0d2NUHO5QuzauPOF2yYlAs476o=/0x0:7233x4822/648x248/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/G/o/2PwG5fQEm4GrA89KfuXg/107026776-froml-brazilian-actor-fabio-assuncao-brazilian-actress-nataly-rocha-brazilian-director-kar.jpg)
![Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/9CDZAvbx_VOTNsRm6NyuTtj-6jU=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/G/o/2PwG5fQEm4GrA89KfuXg/107026776-froml-brazilian-actor-fabio-assuncao-brazilian-actress-nataly-rocha-brazilian-director-kar.jpg)
Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP
![Diretor Karim Ainouz e ator Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/bJQxe5zlmxoT-0dFCoWCnvx1Xtc=/0x0:6844x4563/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/F/g/cAMRWtTFupLLSuEAOBKQ/107026732-brazilian-director-karim-ainouz-l-and-brazilian-actor-iago-xavier-arrive-for-the-screening.jpg)
![Diretor Karim Ainouz e ator Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/of_bU-aQXWrL0zTBl0GSYUaLoBU=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/F/g/cAMRWtTFupLLSuEAOBKQ/107026732-brazilian-director-karim-ainouz-l-and-brazilian-actor-iago-xavier-arrive-for-the-screening.jpg)
Diretor Karim Ainouz e ator Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP
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![Atriz brasileiro Nataly Rocha apresenta "Motel Destino" em Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/K6RdnCP3Ux_cbsdGw95aHJNGxyU=/0x0:5648x3765/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/B/v/eaA5k5Sl60EKprvRBnHA/107026824-brazilian-actress-nataly-rocha-arrives-for-the-screening-of-the-film-motel-destino-at-the.jpg)
![Atriz brasileiro Nataly Rocha apresenta "Motel Destino" em Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/pVBlUB_tis001Ec8yOfyqCJy0aQ=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/B/v/eaA5k5Sl60EKprvRBnHA/107026824-brazilian-actress-nataly-rocha-arrives-for-the-screening-of-the-film-motel-destino-at-the.jpg)
Atriz brasileiro Nataly Rocha apresenta "Motel Destino" em Cannes — Foto: Sameer Al-Doumy / AFP
![Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Christophe SIMON / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/XYFQDHlIzd7VQ90k1VK9XmNk3sk=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/O/q/qTL4tpQF2vPUp2iu5Asg/107026848-from-l-brazilian-actor-fabio-assuncao-brazilian-actress-nataly-rocha-brazilian-director-ka.jpg)
Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Christophe SIMON / AFP
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![Produtores Caio Gullane, Fabiano Gullane e Janaina Bernardes, ator Fabio Assunção, atriz Nataly Rocha, diretor Karim Ainouz e ator Iago Xavier, em lançamento de "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: LOIC VENANCE / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/TZ2konod9jm3e_SZzje0KTTKQPo=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/b/j/TicvNiRe6Gc46QZ0Y53w/107026864-from-l-brazilian-producer-caio-gullane-brazilian-producer-fabiano-gullane-brazilian-produc.jpg)
Produtores Caio Gullane, Fabiano Gullane e Janaina Bernardes, ator Fabio Assunção, atriz Nataly Rocha, diretor Karim Ainouz e ator Iago Xavier, em lançamento de "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: LOIC VENANCE / AFP
![Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Christophe SIMON / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/cvb5Sq4d5N4YdllvT4CtjYK5eM4=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/w/k/oLsuxUR6uLhetcOBChUw/107026728-from-3l-brazilian-producer-janaina-bernardes-brazilian-actress-nataly-rocha-brazilian-dire.jpg)
Fábio Assunção, Nataly Rocha, Karim Ainouz e Iago Xavier lançam "Motel Destino" no Festival de Cannes — Foto: Christophe SIMON / AFP
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Se a veia melancólica de "Anora emerge" com um vitalismo desesperado, "Grand Tour", a cativante viagem do português Miguel Gomes pelo Sudeste Asiático, é do princípio ao fim uma ode à beleza que emana de toda tristeza, aquela saudade portuguesa que este filme eleva a monumento. Gomes conduz-nos pelo Oriente colonial no início do século XX com um homem, Edward, que foge da noiva, Molly, que não vê há anos. Nesta debandada cega sobre a qual basicamente pouco sabemos, viajamos por um mapa de antigos feitiços orientais e surpreendentes túneis no tempo.
Edward foge de Molly, e Molly persegue Edward de Rangum a Chengdu e de Saigon a Manila, Osaka e Xangai. O espectador os acompanha naquele grande passeio, ao estilo dos viajantes ingleses, que, graças a um amor impossível, deslizam para outra dimensão do tempo e do espaço. Gomes regressa ao passado com uma névoa fatalista que parece evocar a fantasia oriental de Josef von Sternberg.
Mas esse lugar distante é apenas uma parte do filme, que Gomes desconstrói do presente através de arquivos documentais atuais repletos de detalhes surpreendentes: rodas gigantes movidas por homens, teatros de marionetes, sombras chinesas, motocicletas, ursos pandas... Da mesma forma que a tristeza não existiria sem alegria nem a alegria sem tristeza, Gomes cria um filme sobre o passado que não existe sem o presente. Um novo lugar inusitado localizado entre a realidade e a ficção, entre o documento e a imaginação.
Se não fossem estes dois filmes, os únicos que - sem considerar os filmes do último dia - merecem a Palma de Ouro, e por "Caught by the Tides", aquela outra impressionante viagem pelo Oriente do chinês Jia Zhan- Ke, o saldo desta edição de Cannes beiraria o suspense.
'Motel destino' e Mastroianni
Nos últimos dias, duas novas bobagens foram acrescentadas. O thriller brasileiro "Motel Destino", de Karim Aïnouz, oferece muito pouco além do jogo fotográfico com cores fluorescentes e do som angustiado em torno do sexo. Os personagens são todos bem doidos, e há um certo sentimento ruim entre tantos fluidos em lençóis de náilon. No fim das contas, é um filme absurdo e dispensável sobre um criminoso preso em um motel de beira de estrada.
O incômodo que "Marcello Mio" causa é de um tipo diferente, que beira a vergonha dos outros. O filme de Christophe Honoré é estrelado por Chiara Mastroianni, que, diante de uma crise de identidade, se convence de que é seu pai, Marcello Mastroianni. A atriz, que sem dúvida tem uma semelhança física marcante, se veste de Marcello e pronto. O resultado é um acontecimento, um capricho vago e frívolo que em nenhum momento justifica esta personificação diante das câmeras.
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Talvez fizesse algum sentido, se Chiara Mastroianni tivesse realmente enfrentado a sombra do pai, extraindo um pouco da dor e da raiva de sua ausência, transformando o disfarce em uma catarse emocional, removendo todas as máscaras até encontrar alguma verdade em si mesmo. Mas não. A única graça salvadora do filme é sua mãe, Catherine Deneuve, que vive alguns momentos engraçados - como na cena, um tanto estranha e comovente, em que ela beija a filha na boca acreditando que fosse o pai, e ainda chega a chamá-la de "meu amor".
Esse momento ocorre num hotel da costa romana, local distante de Nápoles, ao qual Paolo Sorrentino nos leva novamente em "Partenope". O novo filme do cineasta italiano é demasiado redundante, apesar dos insights. O fio condutor é a Partenope do título, uma deusa-mulher perdida que vagueia em busca de uma vida que a liberte do sentido trágico de sua beleza. A mesma beleza que infelizmente se tornou esquiva neste Cannes que fechará a cortina neste sábado (25).