Cultura
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Por O GLOBO — Rio de Janeiro

Com organização de Claudio Leal e Rodrigo Sombra, a obra reúne críticas escritas na década de 1960, publicadas no periódico Archote ― muitas delas inéditas em livro ―, além de colunas de jornais, entrevistas, depoimentos e comentários que revelam as predileções, as reflexões e o vasto repertório cinematográfico do compositor.

Caetano Veloso — Foto: O Globo
Caetano Veloso — Foto: O Globo

Leia um trecho da apresentação do livro:

"O Cinema Santo Amaro ficava na praça da Purificação, bem perto da igreja de Nossa Senhora. Até a minha adolescência, esse era o único cinema da cidade. Importa que ele fosse tão próximo da matriz, onde as novenas com cânticos operísticos sobre orquestra de câmara vindo de um piso alto acima das portas de entrada, de frente para o altar de colunas salmão com frisos dourados, tendo ao centro uma imagem barroca da Virgem em vestes com estampas de ouro, cercada por grandes nuvens de gesso pintado em cores de chuva e esplendor, ensinavam tudo sobre encantamento. As imagens movendo-se na tela me apaixonavam tanto quanto ou mais do que as ruas vistas da bicicleta, voando sobre paralelepípedos, beirando o rio Subaé. Eu queria ir todas as noites ao cinema. O som de gongo que precedia o apagar das luzes era sagrado. A entrada custava quatrocentos réis. Minha mãe me dava um mil-réis (que é como ainda chamávamos o cruzeiro), eu guardava o troco e, quando já tivesse juntado quatro tostões, comprava o último bilhete antes de pedir novo cruzeiro a ela.

À medida que fui crescendo, ficando mais feliz por sair da infância, coisas diferentes vieram. Um novo cinema se inaugurou — e este já tinha Cinemascope. Chamava-se Cine Subaé. Além dele, um outro, menor do que o Santo Amaro, começou a funcionar “lá embaixo”, onde a rua do Amparo se unia à “estrada dos carros”. Coisa do padre Fenelon, que era o pároco do Rosário (e também da nova pequena igreja de São Francisco) e incentivou a feitura do Cine São Francisco. Tudo o que era rio acima a gente chamava de “lá em cima”. A praça da Purificação ficava “lá em cima”. Os cines Subaé e São Francisco, assim como a igreja do Rosário, ficavam “lá embaixo”.

Mesmo antes disso, minhas irmãs mais velhas tinham ido estudar em Salvador. Passei a ir de vez em quando com meus pais “à Bahia”, que é como chamávamos Salvador, e lá, no Cine Roma, vi Sansão e Dalila. Fiquei deslumbrado. Pareceu-me a coisa mais linda que eu já tinha experimentado na vida. E passei a imitar as caretas de Victor Mature. Surpreende-me que eu tenha ficado tão encantado com a beleza de Hedy Lamarr e me identificado com o herói masculino. Eu tinha uma certa rejeição pelo culto dos heróis dos filmes de caubói. Me sentia diferente dos meus colegas de escola quanto a isso. Mas com Sansão surgiu meu modelo de macho. Eu teria uns oito anos. Minhas irmãs, já moças — e nossos primos soteropolitanos, os Souza Castro —, ressaltavam a importância do neorrealismo italiano. Nesse meio-tempo, depois de anos de febres por gripes repetidas, fui trazido ao Rio por uma prima que tinha vindo morar aqui. Nossa casa em Santo Amaro era cheia de mulheres. Essa prima que me trouxe ao Rio já era adulta, embora fosse a mais nova das sobrinhas de meu pai que moravam conosco. Ela era enfermeira. Eu faria uns exames e voltaria no fim do verão com um tratamento que me livrasse das febres. Tiraram me as amígdalas e eu fiquei um ano inteiro no Rio. Numa casa da Fundação da Casa Popular, junto ao subúrbio de Deodoro, lugar que hoje se chama Guadalupe. Minha Inha (era assim que eu chamava essa prima) me levava ao auditório da Rádio Nacional e ao cinema. A gente ia a sessões passatempo na Cinelândia e principalmente via filmes grandiosos no Cine Imperator, no Méier. Assim como Sansão e Dalila, Suplício de uma saudade me marcou. As chanchadas brasileiras eram desrespeitadas mas exitosas. Todo mundo se divertia e ninguém dizia que era bom. Havia um natural autodesrespeito do Brasil por si mesmo que a gente entendia desde pequenininho — e os filmes com Oscarito e Grande Otelo (mas principalmente os mais novos com Zé Trindade, Ankito, Dercy Gonçalves) eram um modo seguro de manutenção dessa autoimagem. Quando voltei do Rio para Santo Amaro, aos catorze anos, uma espécie de percepção crítica dessa realidade de nossas vidas já se dava em mim. Eu via que o mesmo se passava com todos os brasileiros, mas não os via experimentar isso com desconforto consciente. "Nem Sansão nem Dalila" e "O homem do Sputnik" eram filmes fascinantemente sofisticados e complexos dentro dessa tradição comercial/popular. Foi aí que vi "A estrada da vida", o incrível "La strada" de Fellini, que só ganhou outro título no Brasil. Vi no Cine Subaé, num domingo, às dez da manhã. Passei o dia chorando, no fundo do quintal, sem conseguir comer. O gesto de olhar para o céu pela primeira vez que Zampanò realiza na cena final, a música de Nino Rota, a cara de Giulietta Masina, meus pensamentos sobre a vida e o cinema.

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