Cultura
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Por — Rio de Janeiro

“Quero tudo.” Foi assim que Helena Ignez respondeu ao questionamento de Ney Matogrosso sobre o que desejava dele ao convidá-lo para protagonizar “Luz nas trevas: a volta do Bandido da Luz Vermelha” (2010). À época, o músico tinha apenas um trabalho como ator — “Sonho de valsa” (1987), de Ana Carolina — e já construíra uma carreira musical mais do que consolidada. Após um receio inicial de ser comparado com a clássica atuação de Paulo Villaça em “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla (1946-2004) — com quem Helena Ignez era casada —, Ney aceitou o convite e se entregou a uma parceria que rendeu também os longas “O poder dos afetos” (2013), “Ralé” (2015) e o novo “A alegria é a prova dos nove” (2023), em cartaz nos cinemas e escrito, dirigido e estrelado por ela, coprotagonizado por ele.

— Ele é extraordinário. Um artista universalmente único. Não conheço dois Neys Matogrosso — brinca a diretora, que celebrou 85 anos no último dia 23. — A presença dele é uma coisa impressionante e eu queria essa força na tela. Só uma louca ou uma boba, o que não sou, chamaria Ney para ser outra coisa além dele. Tem que ter a dimensão humana e metafísica dele, esse corpo e esse espírito que gera essa vida tão incrível.

Helena conta que decidiu convidar Ney após assistir a um show dele no Rio, quando viu no cantor uma “dimensão perigosa” de que precisava para seu personagem.

— Gosto de fazer tudo com a Helena. Ela me chama e eu não quero nem saber o que é, eu vou e faço — diz Ney. — Quando me chamou pela primeira vez, fiquei um pouco assustado porque achei que seria uma refilmagem de “O Bandido da Luz Vermelha”, mas, depois que entendi que seria outra história, baseada num roteiro deixado pelo Sganzerla, eu relaxei.

Sem texto, no improviso

Ele conta que, em “A alegria é a prova dos nove”, trabalhou sem texto, improvisando todas as cenas a partir de conversas com Helena.

— Eu pretendia ser ator. Fiz teatro antes dos Secos & Molhados, mas foi algo que ficou guardado — lembra o artista. — Virei cantor e não conseguia fazer teatro, porque solicitava tanto quanto a música. Acabei fazendo cinema e gostei, porque te permite fazer em duas semanas, um mês, e está liberado.

Helena Ignez e Ney Matogrosso — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Helena Ignez e Ney Matogrosso — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

O cinema, inclusive, tem forte influência na trajetória artística de Ney, que sempre foi conhecido por fazer mais do que música, entregando performances com forte preocupação visual.

— Toda a minha informação era de cinema. Quando era adolescente, eu matava aula para ir ao cinema. Eu morava em Padre Miguel e estudava em Campo Grande, e tinha um cinema lá em que o cara deixava a gente entrar para assistir a filmes proibidos. Eu via todos aqueles filmes da época. Vi Françoise Arnoul nua no cinema — lembra Ney. — O cinema francês botava as mulheres nuas. E eu via aquilo tudo. Eu sempre tive uma percepção de que o cinema era mais imagem do que atuação e acho que trouxe isso para a música. Eu entendo a coisa do cinema.

Em “A alegria é a prova dos nove”, Helena interpreta Jarda Ícone, uma artista, sexóloga e roqueira octogenária que dá aulas sobre como as mulheres podem chegar ao orgasmo. Ela tem uma amizade de décadas com Lírio Terron (Ney), defensor dos direitos humanos. A atriz Djin Sganzerla, filha de Helena, vive Jarda na juventude.

Conhecida como um ícone do cinema novo e do cinema marginal, em razão de trabalhos em clássicos como “O assalto ao trem pagador” (1962, de Roberto Farias) e “Copacabana mon amour” (1970, de Rogério Sganzerla), além do próprio “O Bandido da Luz Vermelha”, Helena era conhecida como musa de nomes como Joaquim Pedro de Andrade e Júlio Bressane, com quem trabalhou inúmeras vezes, em parcerias parecidas com a que hoje tem com Ney.

— Ney é completamente o meu muso. E é uma inspiração — diverte-se a cineasta.

Helena Ignez e Ney Matogrosso em "A alegria é a prova dos nove" — Foto: Divulgação
Helena Ignez e Ney Matogrosso em "A alegria é a prova dos nove" — Foto: Divulgação

Com a cinefilia construída a partir da nouvelle vague e do neorrealismo italiano, Ney se identificou com o tipo de filme feito por Helena, que ele, assim como a diretora, não classifica como cinema marginal, termo usado para descrever o movimento cinematográfico no Brasil do fim dos anos 1960 e meados dos 1970.

— Essa coisa de marginal pegou, mas nunca usamos, foi algo mais jornalístico. Considero um cinema de invenção, um cinema livre, independente — diz Helena. — Ano passado, estive no Festival de Locarno para uma exibição de “O abismo” (1977), em homenagem ao Rogério. Numa sessão de clássicos ao lado de filmes de Godard e Hitchcock. Então, não é bem marginal esse cinema, não é mesmo?

Cinebiografia a caminho

Além do trabalho como ator, Ney Matogrosso terá sua vida retratada nas telas de cinema em breve. No momento, está em desenvolvimento a cinebiografia “Homem com H”, com direção e roteiro de Esmir Filho e Jesuíta Barbosa na pele do artista.

Desapegado, o cantor conta que pôde acompanhar três dias de filmagens, mas não quis saber de dar conselhos ou palpites.

— Quando fazem algo a seu respeito, você tem que dar uma margem de liberdade, porque a vida de ninguém cabe em duas horas de filme. Não é a vida. É uma parte da vida, não dá para ficar achando que está faltando algo. Sei que é uma outra linguagem e entendo que não vai caber tudo — explica Ney. — Quando encontrei o Jesuíta, o filme já estava sendo feito. Não dei conselhos. Porque entendo que, se eu der um palpite, vou interferir numa história que já está toda organizada na cabeça dele. Quando alguém vem me dizer coisas para eu fazer, eu não gosto muito. Deixa a minha cabeça resolver.

No momento, Ney comemora a muito ativa carreira musical, num ritmo acelerado que o faz até esquecer da própria idade.

— Estou fazendo “Bloco na rua” (turnê iniciada em 2019), que é um sucesso louco. Eu não consigo parar de trabalhar, vou recebendo cada vez mais convites — diz o músico, confirmado no line-up do Rock in Rio 2024, no dia 21 de setembro. — Estou na estrada direto e cada vez trabalho mais, numa velocidade cada vez maior. A idade não me pesa. Às vezes, eu nem lembro que tenho 82 anos.

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