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A paixão ocupa um lugar de destaque na sociedade atual. Acalorados debates políticos, comentários impiedosos nas redes sociais, idolatria exacerbada de personalidades, discursos motivacionais, o mundo parece girar movido por paixões. “Nossas relações pessoais são guiadas por nosso modo de lidar com as emoções”, observa o jornalista e mestre e doutor em filosofia pela USP Hamilton dos Santos em “O triunfo das paixões”, em que trata de David Hume e as artimanhas da natureza humana. Na era em que a visibilidade e seu inverso imediato, o cancelamento, tornam-se essenciais na vida de muitas pessoas, Santos mostra como as ideias do filósofo escocês David Hume (1711-1776), mesmo 300 anos depois, dialogam com uma realidade social completamente diferente — e, mesmo assim, se mostram mais atuais do que nunca.

O jornalista apresenta alguns dilemas a partir da tese de que a justiça é a virtude ou a disposição que temos de respeitar as leis. Será essa virtude, essa disposição, natural ou artificial? Será que nascemos justos ou assim nos tornamos por alguma conveniência? E, além disso, uma vez instituídas as leis, o que justifica a nossa adesão a elas?

Essa percepção é antiga. Em seu “Tratado da natureza humana” (1739), Hume cutucou o racionalismo ao defender que os sentimentos são essenciais para a compreensão da moral porque não estamos acostumados a ouvir a razão: “É impossível que a razão e a paixão possam se opor mutuamente ou disputar o controle da vontade e das ações. Assim que percebemos a falsidade de uma suposição ou a influência de certos meios, nossas paixões cedem à nossa razão sem nenhuma oposição.”

Com habilidade, Hamilton dos Santos mostra como o mundo de hoje é guiado pelas paixões porque ocupam um lugar central, posição antes privilégio da racionalidade. “A essa centralidade dou o nome de ‘Triunfo das paixões’: elas triunfaram sobre os discursos moralistas e dogmáticos que as quiseram submeter a outra ordem. São elas, hoje, que dão a direção e o sentido de muitos desses discursos”, escreve ele, ressaltando que não se trata do triunfo sobre a razão, mas sobre os discursos que submetiam as paixões ao governo da racionalidade.

Um dos aspectos mais interessantes do livro, justamente por se aproximar da realidade do século XXI, é a forma como Santos mostra como a filosofia de Hume é um divisor de águas no pensamento sobre o amor pela boa reputação ou, como diz o escocês, “amor pela fama”.

Santos discorre primeiro sobre o conceito de simpatia, que Hume usa para explicar por que a opinião dos outros nos toca e, por isso, fazemos distinções entre os julgamentos: somos mais afetados quando elogiados ou depreciados por alguém com quem nos identificamos do que por uma pessoa a quem somos indiferentes.

Segundo Hume, a percepção da estima ou do desafeto de alguém mais próximo inspira em nós, por simpatia, o mesmo afeto direcionado à nossa pessoa.

É justamente esse jogo de paixões que ajuda a formatar a reputação. De uma maneira coerente, Santos comprova que a reputação é constituída pelas “opiniões que formamos acerca de nossos parentes, colegas e modelos, até a avaliação pública de uma marca, empresa ou representante político. Ou seja, trata-se do valor (positivo ou negativo) que algo ou alguém tem aos nossos olhos — seja no âmbito particular, seja no público”.

O passo seguinte é observar como, na época de cancelamentos, o conceito é fluido e varia segundo motivos diversos. Assim, figuras tão díspares como a influenciadora Kylie Jenner e a atriz Susan Sarandon perderam a simpatia de fãs depois de seu posicionamento na guerra Israel versus Hamas. Da mesma forma, 200 mil pessoas deixaram de seguir a cantora Anitta nas redes sociais quando ela revelou sua adesão ao candomblé.

“Reside aí a coerência do método científico humiano”, observa Hamilton dos Santos. “Ele mostra o esforço sensível de encontrar o fundamento de uma natureza imaginada onde se enraízam, na experiência, ideias que somos capazes de inferir na nossa imperfeição: a constância, a harmonia, o equilíbrio, o bem geral.”

Ubiratan Brasil é jornalista

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