Cultura
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Por , Em The New York Times

Algumas histórias são tão perfeitas e comoventes que, até mesmo quando suspeitamos que não sejam verdadeiras, preferimos não saber. Na casa de Brooke Shields, em Nova York, há um pavão branco sobre um pedestal de acrílico, cujas penas caem no chão.

Ela o chama de Steve. Shields foi informada de que ele fora resgatado de um grupo de pavões, que podem se tornar agressivos com seus semelhantes e matá-los com bicadas. "Talvez tenham me passado a perna", comentou Shields. Mas a história fazia sentido para ela, que suspirou diante da taxidermia:

— Os machos são realmente mais bonitos. Não é surpreendente?

Não existe uma experiência universal de envelhecimento. Mas certamente algumas mulheres americanas podem se identificar com a sensação de serem bicadas, menosprezadas e deixadas de lado quando chegam à meia-idade. Pelo menos esse foi um sentimento compartilhado com Shields em 2021, quando fundou uma comunidade on-line chamada Beginning Is Now (O começo é agora). Mais de cem mil pessoas seguiam a conta do grupo no Instagram, que publicava conteúdos inspiradores para mulheres com mais de 40 anos.

Era muito parecida com uma revista feminina — com entrevistas, artigos, sorteios e colunas recorrentes (Querida Brooke e Brooke Não Cozinha) —, mas sem toda a publicidade. A Beginning Is Now vendia principalmente produtos: conjuntos de treino e moletons amarelos vibrantes.

Brooke Shields: "Se não sou mãe 24 horas durante o dia, quem sou?" — Foto: OK McCausland/The New York Times
Brooke Shields: "Se não sou mãe 24 horas durante o dia, quem sou?" — Foto: OK McCausland/The New York Times

De vez em quando, Shields organizava chamadas em grupo no Zoom com seus seguidores, que faziam perguntas como: "Você sente que está sendo ignorada?" Ela respondia: "Como mulher, sim, sinto que, de alguma forma, quando chegamos a certa idade, se supõe que já não somos sensuais." "Outra mulher interveio: 'É como se tivessem desligado um interruptor.' Eu não ficava com raiva. Na verdade, eu temia que houvesse um fundo de raiva, mas era perplexidade", contou ela sobre o tom das conversas.

Foi durante essas chamadas de Zoom que a Beginning Is Now começou a se transformar. Segundo ela, surgiram certos temas "delicados" relacionados à idade. Como o cabelo, que ficava mais fino, áspero e grisalho. "Logo as pessoas perguntavam: 'Bom, o que podemos comprar?'"

Sua presença midiática em ascensão começava a passar por mudanças: infográficos e o marketing não eram mais suficientes para Shields, que havia reunido uma pequena equipe executiva e explorado a comunidade em busca de ideias. Neste mês, surgirá uma nova empresa, chamada Commence, que vai vender em seu site três produtos para cuidados com o cabelo.

Brooke Shields em cena do filme 'A lagoa azul' (1980) — Foto: Divulgação
Brooke Shields em cena do filme 'A lagoa azul' (1980) — Foto: Divulgação

Desde criança, Shields tem sido a imagem dos produtos domésticos: modelo do sabonete Ivory aos 11 meses, do Band-Aid aos 5, do creme dental Colgate aos 10, do jeans Calvin Klein aos 15, do protetor solar Coppertone aos 43, dos móveis La-Z-Boy aos 45 — e muito mais. Na década de 1980, seu nome estava em secadores, modeladores de cachos e chapinhas.

— Por sinal, odeio a cor roxa, e todos os produtos eram roxos. Eu não sabia que tinha alguma coisa a dizer sobre isso — comentou ela.

Atualmente, aos 59 anos, Shields é uma executiva-chefe que supervisiona a fabricação de seus produtos e como seu nome é usado para vendê-los. É o empoderamento capitalista.

— Passei minha vida inteira vendendo para outras pessoas — observou Shields.

'Uma acessibilidade'

Eu não esperava encontrar Teri Shields — famosa por ser uma mãe ativa nos bastidores da carreira — na casa de sua filha, no West Village, bairro na região oeste de Manhattan. Mas ela estava lá, misturando-se ao balcão de mármore do bar. Entre garrafas de licor e utensílios de coquetelaria estava a urna de Teri. Shields levantou a tampa para me mostrar.

— Perto das coisas de que ela mais gostava: o álcool e eu — disse Shields, cuja mãe morreu em 2012, aos 79 anos.

A atriz Brooke Shields entre as filhas Rowan e Grier — Foto: Reprodução
A atriz Brooke Shields entre as filhas Rowan e Grier — Foto: Reprodução

O vínculo emocional entre elas foi a base para "A História de Brooke Shields", documentário lançado no Hulu no ano passado que reexaminou o começo da vida da estrela. O título original ("Pretty Baby: Brooke Shields") refletia o de um filme de 1978 ("Pretty Baby – Menina Bonita"), no qual Shields interpretava uma prostituta de 12 anos de Nova Orleans no início do século XX — e que representou a primeira vez que ela e as decisões de sua mãe sobre a criação dos filhos viraram manchetes internacionais. Shields se tornou um símbolo sexual antes mesmo da adolescência.

Ela também revela no documentário que, aos 20 anos, depois de se formar na Universidade de Princeton, foi estuprada por um executivo de Hollywood. Não diz o nome dele e, para seu alívio e sua surpresa, o público superou a revelação bem depressa.

— Pensei: "Uau, é a primeira vez que uma coisa assim me acontece; portanto, isso não me define totalmente como pessoa." Quando era mais jovem, eu era totalmente definida por minha sexualidade e pela beleza — comentou.

Shields não produziu o filme nem controlou a edição final, o que o diferencia de muitos outros documentários sobre celebridades. Mas foi produzido por pessoas em quem ela confia, incluindo seus amigos Ali Wentworth e George Stephanopoulos, apresentador da ABC.

— Eu costumava dizer a ela: "Você devia estar em reabilitação ou morta, se considerarmos sua infância." Ela pode estar em um jantar contando uma história, e você ri. Ela é muito cativante. Mas depois pensa: "Puxa, na verdade é uma história muito trágica." Ela é capaz de se dissociar de uma maneira que a protegeu durante a vida inteira — afirmou Wentworth.

A atriz Brooke Shields na festa da revista Vanity Fair, após a cerimônia do Oscar — Foto: AFP
A atriz Brooke Shields na festa da revista Vanity Fair, após a cerimônia do Oscar — Foto: AFP

Shields é muito consciente de sua percepção pública, com todas as suas vantagens (publicidade instantânea quando lança uma marca de beleza) e desvantagens (a necessidade de convencer investidores e consumidores de que não é só outra marca de beleza de celebridade em um mercado saturado como esse).

Sempre há um momento — e Shields sempre nota isso — em que, pela primeira vez, as pessoas se acostumam com sua presença. Diminuem a tensão diante da ideia de estar com Brooke Shields e começam a se adaptar à sua realidade:

— Algumas vezes, é um piscar de olhos; outras, uma expiração. E então podemos seguir com nosso trabalho e pronto.

Às vezes, é quando seus olhos param de se movimentar entre Steve, o pavão, os mocassins da Prada com strass de Shields e as obras de arte de Keith Haring e Will Cotton em suas paredes.

Em particular, essa foi uma de suas motivações para aspirar à presidência da Associação de Equidade dos Atores, sindicato que representa artistas e diretores de teatro. (Entre os papéis que Shields desempenhou na Broadway estão Rizzo, em "Grease", Roxie, em "Chicago", e Morticia, em "A Família Addams"). Ela viu uma oportunidade de defender as pessoas que tornam o teatro possível e de usar seu nome para chamar a atenção para questões sindicais. Mas também gostou do fato de esse trabalho não girar explicitamente em torno dela.

— Isso me atrai. Tudo é muito em torno de mim o tempo todo. E tem sido assim desde que eu era bebê — disse Shields, que venceu as eleições em 24 de maio.

'Uma mulher de substância'

Talvez a bilheteria do verão setentrional tenha tido um começo desastroso, mas até 23 de maio o filme original mais visto em qualquer plataforma de streaming era uma comédia romântica estrelada por Brooke Shields. "A Mãe da Noiva" permaneceu na lista dos dez filmes mais populares da Netflix e também alcançou o primeiro lugar desde sua estreia, em nove de maio. De todos os diversos aspectos da vida de Shields, a atuação continua sendo aquilo que faz com que ela se sinta uma "pessoa completa", segundo ela. "Durmo e acordo pensando nisso."

Não é que Shields não fale sobre a Commence com o mesmo entusiasmo. É só uma empolgação diferente. Ela arrecadou cerca de US$ 3,5 milhões de investidores; pode citar estatísticas relevantes (em 2025, haverá 80 milhões de mulheres com mais de 40 anos nos Estados Unidos) e aprendeu a linguagem pouco lírica dos negócios: tabelas de capitalização, notas conversíveis, preço da rodada de financiamento e mercado total acessível. Mas não se vê nessa posição para sempre:

Mesa no Festival SXSW, a partir da esquerda: Errin Haines, Meghan Markle, Katie Couric, Brooke Shields e Nancy Wang Yuen — Foto: Reprodução
Mesa no Festival SXSW, a partir da esquerda: Errin Haines, Meghan Markle, Katie Couric, Brooke Shields e Nancy Wang Yuen — Foto: Reprodução

— Vou continuar sendo a fundadora, e em algum momento vamos crescer de forma tão exponencial que precisaremos de um CEO para nos levar ao próximo nível.

Negócios à vista

No ano passado, a estrela nomeou Denise Landman, fundadora e ex-CEO da Victoria's Secret Pink, como presidente da empresa.

— Essa marca foi destinada a mulheres jovens, de 18 ou 19 anos, que eram "metade mulher, metade menina". Elas certamente não foram muito humilhadas na vida — explicou Landman.

Por outro lado, ela identifica a cliente da Commence como "uma mulher de substância", que acumulou conhecimento, experiência e orgulho ao longo de décadas, "assim como a terra se forma em camadas e se torna mais nutritiva com o tempo. Essa substância é conquistada". Para Landman, que disse ter quase 70 anos, não vale a pena se preocupar com problemas como coceira no couro cabeludo ou cabelo quebradiço:

— O que tenho de pensar é que Deus me deu cabelo. Quero fazer com que ele seja o mais bonito possível.

Quanto a Shields, ela se identifica mais com as angústias da meia-idade do que se poderia pensar.

Sim, de alguma forma ela sobreviveu às décadas de 1980 e 1990 sem internalizar padrões de beleza tóxicos — segundo ela, graças ao fato de sua mãe pensar que a beleza da filha era o caminho para a segurança financeira. (Ser modelo era só um trabalho sem relação com sua autoestima.) E, sim, não se importa muito em ganhar dois ou três quilos. ("Imediatamente me vejo mais jovem. É como um preenchimento facial natural", comentou.) E, sim, essas sobrancelhas são naturais e majestosas.

Mas ela sabe o que é urinar um pouco ao espirrar. Ainda faz preenchimento na ruga da testa antes de fazer um filme. E ainda tem uma pequena crise de identidade pelo fato de suas filhas, agora com 18 e 21 anos, estarem saindo de casa:

— "Se não sou mãe 24 horas durante o dia, quem sou? Realmente me identifico com muito mais coisas do que as pessoas enxergam. Devo lembrá-las de que ainda sou uma mulher e ainda sou humana.

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