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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 22/07/2024 - 03:30

Cissa Guimarães: superação e reinvenção aos 67 anos

Aos 67 anos, Cissa Guimarães se reinventa no teatro e na TV. Emocionada, fala do filho falecido, da alegria como escudo para timidez, e da importância de levar felicidade. Comenta sobre a perda do ex-marido, sua espontaneidade no "Sem Censura" e a busca por um novo amor na velhice. A atriz destaca a superação da dor e a importância de seguir vivendo com intensidade.

"Bora trabalhar, garoto, bora pra vida!", diz Cissa Guimarães , ajoelhada de frente para o altar montado na sala em memória do filho caçula. Rafael tinha 18 anos em 2010, quando morreu atropelado enquanto andava de skate. A atriz fala com ele todos de dias, de manhã e de noite, diante de uma foto posicionada no centro do santuário. (Quase) sempre, nesse tom alto astral, sua marca registrada que nem a dor da perda foi capaz de apagar.

É uma ferramenta poderosa, que ajudou Cissa a existir. Fruto de uma gravidez inesperada, a filha temporã teve que batalhar para encontrar seu lugar numa família de intelectuais brilhantes. Em busca de atenção, encarnou o significado do próprio nome, Beatriz, "aquela que traz alegria", que transformou em missão. Missão que segue cumprindo. Na vida e no palco. Está em cartaz com a peça "Doidas e santas", no Teatro PRIO, na Zona Sul carioca, em turnê que celebra 10 anos do espetáculo.

A atriz recebeu OGLOBO com almoço pronto em seu apartamento, no Rio. Falou da reinvenção profissional aos 67 anos, como apresentadora do "Sem Censura", que assumiu em fevereiro, da perda do ator Paulo César Pereio (1940-2024), com quem teve dois filhos e já guarda saudades "das conversas delirantes", e do lugar que ocupa como mulher madura, que segue "beijando na boca e cheia de tesão pela vida".

Cissa Guimarães: 'Hoje mulheres se submetem menos a padrões culturais de status de relacionamento pelo rótulo, por imposições da sociedade. — Foto: Leo Martins
Cissa Guimarães: 'Hoje mulheres se submetem menos a padrões culturais de status de relacionamento pelo rótulo, por imposições da sociedade. — Foto: Leo Martins

Que Cissa é essa que sobe ao palco agora, mais de dez depois da estreia original de "Doidas e santas"?

Quando a gente idealizou a peça, eu ia fazer 50 anos. Há 20 anos, uma mulher de 50 anos era uma senhorinha. Agora, tenho 67. A mulher de 60 hoje é a de 50 de 10 anos atrás. Tô aí, fazendo teatro, o Sem Censura, beijando na boca, cheia de desejo. Não só à libido sexual, mas tesão, pulsão de vida de que Freud tanto falava.

Como o texto conversa com a realidade da mulher contemporânea em geral?

Conquistamos espaços, mas falta muito. Há muitas mulheres submissas. Beatriz, minha personagem, está casada há 40 anos. Tem o trabalho dela, mas... o marido nunca diz eu te amo. Ela tem uma vida sexual espaçada. Não se sente amada e suporta isso. Aquela coisa: "Sou casada, tenho um homem para chamar de meu, filhos, trabalho, tá tudo certo". Às vezes, não está. Hoje mulheres se submetem menos a padrões culturais de status de relacionamento pelo rótulo, por imposições da sociedade.

Buscamos novas equações de felicidade fora dos padrões que nos impuseram.

Me identifico com a Beatriz na luta por felicidade. Tive três casamentos. Quando não me sentia amada, via que não estávamos felizes, "acabou, tchau!". Por essa porta, saíram Pereio, Raul (Mascarenhas, músico) e João Batista (médico). Fiquei aqui com meus filhos. A Beatriz demorou mais tempo. Tem uma hora em que pergunto "qual foi a última vez que você deu uma boa gargalhada?". O público fica em silêncio. Hoje, não temos tempo para nada. Leva filho na escola, vai pro trabalho, faz sexo burocrático e janta olhando o celular. Essa pergunta fala sobre valorizar o simples.

O que a experiência voltar ao palco tem te oferecido de mais precioso?

Fico orgulhosa, a peça é um fenômeno, são 14 anos em cartaz. A turnê de 10 anos era para ter sido em 2020, mas veio a pandemia. Tenho sentido frio na barriga e estou achando maravilhoso ficar neste estado de nervos.

Prova que está viva...

Vivíssima! Entrar em contato com a renovação, as inseguranças... Na estreia, no agradecimento final, virei e meu salto prendeu no tapete. Me estabaquei no chão. Ri pra caramba e disse: "Se alguém postar uma foto minha..". Todo mundo aplaudiu. A peça estreou em abril de 2010, e o Rafa fez a passagem em julho. Voltei aos palcos com 15 dias. Por isso, digo com autoridade: o teatro salva. Essa equipe foi minha segunda família. Me manteve viva e respirando.

Você vive momento profissional profícuo. Se reinventar aos 67 anos é um tapa na cara da sociedade etarista...

Quando acabou o contrato com a GLOBO, fiquei pra baixo, com medo de o telefone não tocar. A gente pensa nessa questão da idade... Mas nunca fui ligada em etarismo. Tenho um jeito pivete. Acho que estou uma jovem senhora razoável. Mas sou moleca. Tenho um pacto com a alegria. Gosto de fazer os outros rirem. Meu pai me chamava de palhacinho da casa. Meu nome, Beatriz, significa "que traz alegria".

Tem esse nome porque traz essa missão ou vice-versa?

Tenho uma santa Beatriz no meu quarto e peço a ela que me permita sempre levar alegria aos outros. É minha missão. Não me considero a maior atriz do mundo, protagonista de tudo, mas nesse seguimento, consigo conduzir. Não só na comédia, mas uma alegria de vida mesmo.

É bonito ver que a alegria permaneceu em você mesmo após perder um filho.

Nos momentos em que fiquei mais triste, em que não via sentido na vida, me perguntava: "Pra quê estou aqui?". Aí, pensava: "Pra levar alegria aos outros". Não tem um dia em que não faça alguém dar gargalhada. Faço palhaçada no telefone com filho, netos... Meu neto me chama de avó radical, levei ele para andar de asa delta.

Mas para chegar neste estágio haja análise e espiritualidade, não é?

Muita psicanálise. Como diz Beatriz na peça: "Não sou a melhor mãe do mundo, não sou a melhor nada do mundo. O que sou?". A que leva energia boa. E cuido da minha energia. Meus santos, o altar do Rafa... Sou ligada na fé. Não tenho religião. Pego um pouco de cada uma e faço a minha gira, bato cabeça, vou em terreiro.

Imagino que jamais se supera a morte de um filho. Como convive com a dor e o que faz quando ela aperta?

É a minha dor, mora no meu coração até eu morrer. Cuido dela com carinho para que não tome conta de mim. Quando berra demais, respeito. Reconheço, aceito. Tem dias que acordo um pano de chão velho. Morro de saudades e entro em contato com ela. Não fujo. Mas também não dou comidinha na boca, não. É minha história, minha personagem. Vim para ser atriz, ter três filhos, para o meu filho pequeno, talvez o mais apegado a mim, só pudesse conviver comigo 18 anos. Se tivesse que viver tudo de novo, viveria só para ter o amor do Rafa. Me jogaria de cabeça como me joguei. Não sei como é viver sem ter tido esse amor.

Fala com ele?

Todo dia, de manhã e de noite. Digo: "Obrigada, meu filho. Por esse amor e por tomar conta de mim". Agora... esperar que eu seja 100% feliz... Não vou ser mais. Estou sendo 80%. Tenho Tomás, João, todos os netos amigos, famílias do trabalho. E tenho o Rafa, que só trocou de lugar. Ao invés de estar fora, está dentro de mim.

Em junho, a Justiça beneficiou com prisão em regime aberto Roberto Martins Bussamra, pai de Rafael Bussamra, que atropelou seu filhos. Ele foi condenado por corrupção, após pagar suborno aos policiais para que o caso não fosse à frente. O que achou da decisão?

Eu e meus filhos nunca sentimos ódio ou sentimento de vingança. Isso vem do Rafael, que foi um anjo. Nunca me vitimizei, tipo "por que comigo e não com outra mãe?". É a minha história e a do Rafael, a missão dele, que deixou um legado de amor. Muitas famílias me contam que passam no túnel (Zuzu Angel, onde há a imagem de Rafael estampada na parede), e as crianças perguntam: "Quem é aquele garoto que está sorrindo para nós?". Tem gente que pede coisas a ele. Virou um símbolo. Era o que eu queria: que a lembrança ficasse viva para o que aconteceu não se repita. Gostaria que as leis de trânsito fossem mais brabas. Hoje, homicídio no trânsito raramente leva à prisão ou a uma pena maior. Foram anos e vários crimes cometidos por essa família, que nunca nos procurou. O castigo deles é serem essas pessoas.

Sua espontaneidade tem sido muito elogiada no "Sem Censura" e eu acrescento aí a sua disponibilidade em colocar suas vulnerabilidades no jogo. Esperava esse retorno positivo?

Eu não quis ver nenhum vídeo do que as minhas colegas faziam antes. Falei: "Vou fazer do meu jeito". Que jeito é esse? Também não fiquei ensaiando, foi sendo, fui descobrindo... Aí veio o texto da Marta Medeiros, a crítica da Kogut... Eu ia lendo e pensando: "Meu pai sagrado, que porra é essa?". Juro que não esperava mesmo. Estou muito feliz. Fico nervosa, minha mão sua...

Mas também houve críticas. O que achou da afirmação de que a participação de Janja foi "a maior rasgação de seda dentro de uma emissora pública, bancada com verbas federais"?

Me senti honrada com a participação da primeira-dama de uma maneira simples e democrática. Não a conhecia pessoalmente, e ela se dispôs a ir ao programa. A achei gente como a gente, uma mulher normal, batalhadora. Tem postura de primeira dama só no ativismo, algo que admiro muito. Realmente, a achei uma gata, bem vestida... Por que não elogiar? Só porque é primeira dama? Puxação de saco nenhuma, elogio milhares de pessoas que vão lá, que eu acho que merece. Se for assim, puxo o saco de todo mundo. Não elogio só o fato de ser bonita, mas de ser uma pessoa bacana. Nem vi as críticas, não bato palma pra doido.

A sensação é de que você assumiu o programa na hora certa. Porque se serve da maturidade e experiências na bancada...

Exatamente. No Videoshow, foi um aprendizado de 15 anos. Um trabalho que eu amava. Mas era entretenimento, era Cissa engraçada. Sou ariana, a mil, falo muito... Com tempo e bagagem, a gente aprende a ter escuta. Tenho tido troca e aprendizado. Vou confessar algo: tenho uma timidez... Ninguém acredita. A maturidade está me liberando para trazer isso. Esteve sempre aqui dentro, escondida. E há também uma insegurança que trabalho muito na terapia. Inventei um personagem para sufocar minha timidez.

Quando esse personagem estreou?

Fui filha temporã e ninguém olhava pra minha cara. Nasci 13 anos depois da minha irmã, que morreu de ciúmes. Cheguei e minha mãe não estava feliz no casamento e em ter uma filha depois dos 30. Meu pai falou: "Como vou criar esse menino?". Ainda achavam que eu era menino... Cheguei sem ter sido convidada. Não foi pra alegria de muita gente, não. Então, tive que ser a alegria.

Lutou para conseguir existir ali...

Daí vem a coisa de querer aparecer: pra existir. Ao mesmo tempo, morria de vergonha. Pequena, fazia teatro em casa, subia em cima da cadeira no jantar. Falava muito. Tive que me colocar numa família de grandes intelectuais. Minha mãe artista plástica maravilhosa, minha irmã super inteligente, meu pai um dos fundadores do Inca... Presidentes da República visitavam meu pai. Minha irmã escrevia num jornal que foi o pré-Pasquim. Tarso de Castro frequentava minha casa e eu uma pentelha de 7, 8 anos de idade...

Como foi perder Pereio, pai dos seus filhos. Você estavam numa fase boa da relação?

Estávamos. Eu estava com ele até quase o final na UTI. Fiz aniversario em abril e ainda tenho o recadinho dele para mim: "Cissa, meu amor". Estou triste, tenho saudade das encheções de saco dele, e de ter papo delirantes, ficar falando loucura. Saudade de tanta coisa incrível que ele fez e pena de ele não ter trabalhado mais no últimos anos. Quando ficou mais velho, parou de trabalhar. Para mim, é um dos maiores atores do mundo, um monstro sagrado, uma aparição no cinema.

A vida de vocês juntos deve ter sido animada...

Foi boa e doida. Uma vez, eu briguei com ele aqui na sala. Falei: "Tchau, vai embora". Ele não ia, e eu me tranquei no quarto. Ele saiu pela janela e foi andando por fora (no parapeito) até meu quarto. Entrou pelo lado de fora.

É verdade que a primeira vez de vocês no motel não tinham dinheiro para pagar e ele ligou para um amigo?

É. A gente estava no King's Motel, e ele ligou para o Tarso de Castro. Gente, que vergonha... A gente voltou pro (bar) Antônio's, e todo mundo olhando e dizendo "hum". Ele me buscava no colégio, o Sion... Ficamos 15 anos juntos.

Depois de três casamentos, tem vontade de repetir a experiência?

Eu tô solteira e sem tempo. E aprendi uma coisa: saí de um casamento para o outro, dos 20 até 50 e tantos. Desde então, não namorei firme. Faço os meus lanchinhos, adoro. Amigo não dá, mas alguém a quem sou apresentada.. Essa coisa de internet eu tenho medo... Adoro beijar na boca, sexo. Mas aprendi algo de que tinha medo de não aprender, que é ficar sozinha. Quando você aprende... Chegar em casa, no meu quarto, fazer o que eu quiser... Mas estou começando a ter vontade de ter um companheiro. Estou engatinhando na velhice e, nesse início do meu último ciclo, queria alguém para bater papo, ir ao cinema, jantar fora, fazer sexo de vez em quando. Mas casar nunca mais. Cada um na sua casa!

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