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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 25/07/2024 - 03:30

"Releitura de 'In on it' ressurge nos palcos e desafia gerações"

Após 15 anos, Enrique Diaz, Fernando Eiras e Emílio de Mello revivem sucesso de 'In on it' nos palcos, com sessões esgotadas no Rio de Janeiro e planos para apresentações em outras cidades. A peça desafia o público com sua narrativa complexa, gerando reflexões e conexões em diferentes gerações. Mesmo em meio às transformações do mundo e do teatro, o trio destaca a importância de manter viva a arte teatral, mesmo sem patrocínio, em um cenário marcado pela individualização e influência das redes sociais.

Valentin tinha 2 anos quando o pai começou a ensaiar, em 2009, a peça “In on it”. O dia a dia com o menino, que àquela época havia acabado de ganhar um irmão recém-nascido, era agitado. No teatro, enquanto estudava o texto com o colega Fernando Eiras, sob direção de Enrique Diaz, Emílio de Mello acomodava o filho num cantinho do palco — e a criança logo dava um jeito de zanzar com carrinhos e brinquedos no meio dos pés dos atores. De repente, não mais que de repente, o tempo descortinou uma vida, como reconhecem os artistas. Valentin é hoje um jovem de 17 anos que divide a plateia com gente da mesma idade para ver, pasmem, “In on it”.

Passados 15 anos da estreia, a elogiada montagem com dramaturgia do canadense Daniel MacIvor — laureada com o Prêmio Shell de Teatro, em 2010, nas categorias direção e ator (para Fernando) — voltou a provocar burburinho, nas duas últimas semanas, gerando uma concorrida busca por ingressos entre um público de diferente gerações, exatamente como no passado. As entradas estão esgotadas para esta nova temporada, que se estende até 1º de setembro, na pequena sala do espaço Futuros, o antigo Oi Futuro, no Flamengo, na Zona Sul do Rio, onde, aliás, o espetáculo aterrissou há mais de uma década. Diante da alta procura, serão abertas sessões extras (aos sábados, às 18h, a partir de 9 de agosto), com o início das vendas na próxima semana. E tem mais. Não param de surgir convites para apresentações em outras cidades, com encenações já engatilhadas em São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Fortaleza, Salvador, São José dos Campos e Nova Friburgo. Até produtores franceses andaram sondando os artistas por estes dias. É a repetição de um acontecimento raro.

— A peça é um sucesso porque ela reverbera nas plateias. A gente sente isso. É uma coisa que se transfigura e vai indo, sabe? — diz Fernando Eiras, ao identificar o mesmo entusiasmo de antes entre o público. — Na última semana, depois de uma das sessões, saí do teatro e passei pelos barezinhos (no bairro do Catete) onde estavam algumas pessoas que tinham acabado de ver a peça. Todas tentavam colocar em ordem as várias reflexões suscitadas pela história e me puxavam para conversar. Fiquei horas para dobrar a esquina! É isso que um artista deseja: que o trabalho ressoe.

Do alto para baixo, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Enrique Diaz, em cartaz com a peça 'In on it' — Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo
Do alto para baixo, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Enrique Diaz, em cartaz com a peça 'In on it' — Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo

Com título de difícil tradução (ao pé da letra, designaria algo como “por dentro da coisa”), “In on it” é uma peça de arestas curvilíneas, com estrutura narrativa labiríntica, algo fora do convencional, mas que, ainda assim (ou justamente por isso), se demonstra suficientemente pontiaguda para furar certas bolhas. Emílio, Enrique e Fernando lembram bem do momento em que se deram conta do fenômeno improvável que tinham nas mãos. “Foi uma surpresa”, os três exclamam, quase em uníssono, ao rememorarem os seis meses ininterruptos de apresentações com plateias lotadas logo na estreia, em 2009. Nos meses seguintes, eles rodaram o país — em Florianópolis, captaram a atenção de 1.200 pessoas num enorme auditório.

Sem impor conclusões

Até então, ninguém imaginava nada disso — muito menos este retorno à cena, tanto tempo depois, e com o mesmo êxito. A trama rocambolesca, que se enrola e se desenrola em três planos distintos, dispensa tatibitates ao dar margem para interpretações diversas, testando, inclusive, os próprios atores. Afinal, sobre o que trata “In on it”? Grosso modo, o enredo acompanha dois atores às voltas com a realização de uma peça que vai sendo rascunhada junto à plateia. À medida que a ficção irrompe no tablado, o passado (real) da dupla ganha novos contornos. Tudo ao mesmo tempo. Mas isto é apenas uma brevíssima condensação da história. Nos ensaios mais recentes, Fernando e Emílio perdiam a noção da hora, junto a Kike — como o diretor é chamado pelos amigos —, em conversas prolongadas acerca da dramaturgia. Até hoje é assim.

— Por isso, aliás, a gente volta a fazer esse espetáculo, para continuar descascando esta cebola. É tão difícil hoje termos encontros assim a partir de uma peça — afirma Emílio, o maior responsável pela atual empreitada, que só se concretizou após ele fazer uma publicação fortuita no Instagram em que perguntava se alguém gostaria de rever a montagem.

Pois bem, deu no que deu.

— Agora, a memória vem, e a gente pensa como certas coisas nos escapam. E é bom resgatá-las — celebra Enrique. — Quando começamos o projeto, lá atrás, em nosso primeiro ensaio, achávamos que estávamos entendendo a peça de determinado jeito e logo depois negávamos tudo. Na quarta semana, a gente ainda estava tentando entender que peça era aquela. Esse espaço do “desconhecido”, que é muito provocante, permanece.

Teatrinho em NY

A história toda começou num “teatrinho em Nova York”, como recorda Enrique Diaz. Em viagem aos Estados Unidos, o ator e diretor assistiu, por acaso, à peça do dramaturgo Daniel MacIvor —àquela época um total desconhecido no Brasil — e se encantou com o jogo cênico no tablado. Ele admite que, na ocasião, ficou levemente confuso diante da trama marcada por idas e vindas. Mas era justamente isso que o atraía. O “não entendimento” total do enredo de “In on it” estava longe de ser um problema. Afinal, o espetáculo havia sido apresentado em outra língua, a inglesa (a dificuldade na compreensão poderia vir daí, ele imaginava). E, a bem da verdade, o que mais lhe interessava estava nas entrelinhas. “Essa peça é um puta exercício de atuação!”, enfatizou Enrique, de volta ao Brasil, numa conversa com Fernando Eiras e Emílio de Mello, amigos de longa data e com quem já havia realizado outros trabalhos.

Emílio de Mello e Fernando Eiras, à época da estreia de 'In on it', em 2009 — Foto: Divulgação
Emílio de Mello e Fernando Eiras, à época da estreia de 'In on it', em 2009 — Foto: Divulgação

Em seis semanas, o trio aprontou a pequena montagem — “um projetinho simples”, como os artistas descreviam para colegas e familiares. Corta para o futuro: pelo menos três anos consecutivos em cartaz, de 2009 a 2012.

Hoje, Enrique, Emílio e Fernando sabem que as plateias não são mais as mesmas. O mundo está diferente —e a obra, por isso, também se transmutou numa outra coisa. Há duas semanas, na sessão que marcou a reestreia da montagem, uma jovem de 20 e poucos anos reclamou, baixinho, que não havia entendido a cena em que um dos personagens atende a um telefonema sem saber quem fala do outro lado da linha, o que provoca uma confusão bem-humorada na ficção. “Como a pessoa atende o aparelho sem ver qual é o número que está ligando?”, queixou-se a espectadora, com o celular em punho. Explica-se: ela nunca havia lidado com aparelhos de telefone fixo.

— É um exemplo bobo, mas que faz a gente se perguntar quais conexões são possíveis hoje através deste texto, num planeta que passou por tantas transformações de comportamento e de fruição do próprio teatro. Esse foi um dos principais elementos que impulsionaram nossa retomada. E tem sido curioso sacar essas coisas, pois mostra como o tempo em que a gente vive também determina a peça — discorre Enrique, que já montou outros textos do autor (“A primeira vista” e “Cine monstro”), a quem ele trouxe ao Brasil, em 2013.

Sem patrocínio

Profissionais com carreiras ancoradas no teatro — muito embora todos também cultivem sólidas trajetórias na TV e no cinema —, os três artistas consideram que, em 15 anos, as dificuldades para se colocar uma peça no palco cresceram exponencialmente. A nova montagem de “In on it”, sem qualquer patrocínio, só foi possível porque os atores tiraram dinheiro do próprio bolso para fazer o negócio acontecer. A venda da dramaturgia, relançada numa nova edição pela Cobogó — é possível comprar o livro no teatro —, vem tracionando a arrecadação da bilheteria.

Emílio de Mello, Fernando Eiras e Enrique Diaz, no palco do Futuros, no Rio de Janeiro, onde a peça 'In on it' está em cartaz — Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo
Emílio de Mello, Fernando Eiras e Enrique Diaz, no palco do Futuros, no Rio de Janeiro, onde a peça 'In on it' está em cartaz — Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo

O trio não nega que é “analfabyte”, como brinca Fernando, ao admitir o descompasso com que todos encaram o universo das redes sociais, movidas a “dancinhas”, memes, “caixinhas de perguntas” e afins. Mas eles têm tentado incursionar minimamente por essa seara, constatando que, nesse aspecto, o mundo não andará para trás. Crias de grupos teatrais, os três lamentam, porém, que o advento das novas tecnologias resulte, em parte, num processo de “individualização” do ofício artístico, com atores — que se confundem com “influenciadores” — assimilando os próprios celulares como palco.

— Tá tudo errado, né? — analisa Fernando.

— A questão é o quanto a gente vai se danar com tudo isso ou o quanto a gente vai ter que reprocessar — diz Enrique. — Nós três, por exemplo, só estamos aqui por causa de uma vibração que tem a ver com a busca de um jogo de afetos, em coletivo.

— Ter protagonismo na internet não faz alguém conseguir chegar num teatro e captar a atenção das pessoas por uma hora. Não me sinto ameaçado. Esse é o nosso lugar, e isso não muda— opina Emílio.

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