A produtora Nathália Pinha se emociona ao lembrar do dia em Jô Soares ficou "chateado" com ela. Parte da equipe do "Programa do Jô por quase dez anos até o último episódio — que ela fez questão de participar mesmo de licença-maternidade —, Nathália tinha recebido a missão de procurar um trecho da CPI do Mensalão para que fosse exibido durante a gravação do "Meninas do Jô". Na época, o apresentador recebia jornalistas de política para comentar as turbulências de Brasília e precisava de uma imagem que Nathália não conseguia encontrar. Ávido espectador da TV Câmara, Jô, então, foi até a ilha de edição ajudá-la.
— Está nervosa, Nathália? — ele perguntou.
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— Estou me sentindo um pouco pressionada. Você, meu chefe, aqui do lado e não acho o que está pedindo — ela respondeu.
O semblante de Jô imediatamente se fechou, mas eles acharam o tal trecho. A gravação começou, tudo correu bem, mas "o chefe" estava diferente. No fim do dia, a chamou para conversar na sala dele.
— Nathinha, fiquei chateado porque você falou que estava com o chefe do lado — confessou Jô. — Não sou seu chefe, sou seu amigo.
Nathália gosta de contar essa história para dar a dimensão de quem era Jô Soares quando as luzes do estúdio se apagavam.
— Ele foi uma das pessoas mais gentis e talentosas com quem já convivi.
Relembre entrevistas marcantes dos talk-shows de Jô Soares
Por isso, ela não hesitou em bater na porta de Antonia Prado, diretora artística da série documental "Um beijo do Gordo", que estreia no domingo (28) no Globoplay, e pedir para estar no projeto. Não só ela, mas outros profissionais que conviveram com Jô, como editores e sonoplastas, fizeram o mesmo. Como frisa Antonia Prado, "quem faz televisão também é fã de Jô Soares".
E Jô Soares era fã da plateia, conta Nathália. Ele costumava dizer que não gravava sem público no estúdio. Houve épocas em que se reuniu até 330 espectadores na TV Globo em São Paulo para assistir ao vivo às gravações do "Programa do Jô".
— Ele sempre percebia tudo e comentava no final: “Hoje a plateia estava excelente. Putz, hoje não parou de falar” (risos).
Sem senhor
O "Programa do Jô" ficou no ar, nas noites da Globo, de 2000 a 2016. Antes, ele esteve no SBT com o "Jô Soares Onze e Meia", de 1988 a 1999, onde inaugurou no Brasil o formato de talk show. Foram mais de 14 mil entrevistas, entre políticos, artistas (nacionais e internacionais) e, principalmente, gente comum. Nenhum deles, nem mesmo os presidentes da República que entrevistou, foi chamado de senhor (ou senhora, no caso de Dilma Rouseeff, com quem ele também bateu papo).
— Ele sempre pontuava isso quando ele começava a falar com alguém: "Olha, não chamo ninguém de senhor ou de senhora, chamo de você" — relembra Nathália. — Isso trazia proximidade e quebrava um gelo que pudesse existir. A coisa fluia.
A reunião de pauta do programa, segundo Nathália, acontecia semanalmente, sem a presença de Jô, mas com toda a equipe, "numa mesona". Os jornalistas da equipe levavam sugestões e os nomes eram separados numa lista de aprovados e não aprovados. No dia das gravações, Jô olhava essas listas e dava o O.K final.
—Às vezes, ele resgatava algumas sugestões que não tinham passado, mas que ele entendia ali como uma oportunidade (válida), interessante. A decisão final era sempre dele.
Decididos, então, os nomes dos entrevistados, uma equipe de jornalistas fazia uma pré-entrevista com cada um para preparar um roteiro para Jô. Adivinha se ele seguia?
— Nunca! Nos quase dez anos que fiquei no programa, ele nunca seguiu um roteiro. Ele fazia uma ou duas perguntas que estavam ali naquela folha e deixava a conversa levar, para onde ia e para onde o público gostava. A plateia era o termômetro dele e o Sexteto (a banda do estúdio), o apoio. Ir à gravação era ir a um show.