Prestes a fazer 77 anos de idade no dia 21, o escritor americano Stephen King continua produzindo exaustivamente, e com extrema relevância. Seu mais recente livro, “Mais sombrio” (Suma), reúne 12 contos de temáticas bem diversas e, por mais que a seleção não seja equivalente, no mesmo nível, há histórias tão boas que valem a leitura do tijolo de pouco mais de 500 páginas.
A publicação, cujo título faz referência a uma música do compositor Leonard Cohen (1934-2016), reúne narrativas curtas de vários tamanhos, incluindo quatro novelas e um pequeno romance, todos inéditos no Brasil e com alguns personagens que refletem a idade de seu autor.
Desde seu primeiro romance, “Carrie”, lançado há 50 anos, King publicou dezenas de textos de ficção e de não ficção, inclusive sete com o pseudônimo Richard Bachman. E seus contos costumam fazer tanto sucesso que alguns já foram adaptados para as telas, como “O nevoeiro” (do livro “Tripulação de esqueletos”, transformado em filme em 2007), “Rita Hayworth e a redenção de Shawshank” (adaptado para os cinemas em 1994 como “Um sonho de liberdade”) e “O corpo” (virou filme em 1986 como “Conta comigo”), ambos presentes no livro “Quatro estações”. No posfácio, o escritor diz que tem orgulho de sua ficção curta: “provavelmente porque sempre foi difícil para mim”.
O Maine como cenário
O livro “Mais sombrio” abre com a novela “Dois fio da mãe talentosos”, em que um homem tenta entender como o pai e o tio, recém-falecidos, se tornaram, há décadas, um grande escritor e um artista plástico de prestígio, respectivamente. Até então, ambos mantinham um aterro sanitário na cidadezinha de Harlow, no Maine (claro, afinal King adora desenvolver suas histórias nesta região do nordeste americano).
Publicado originalmente na “Harper’s Magazine” em março de 2020, “O quinto passo” é o conto mais curto do livro e, ao mostrar um encontro casual entre dois homens num banco de praça, um deles alcoólatra, faz lembrar um bom episódio da série de TV “Além da imaginação”.
“Willie Esquisitão” também é uma história curta e saiu numa revista francesa chamada “Bifrost”, em outubro de 2021. O protagonista, como diz o título, é um jovem estranho, com atração pela morte.
Único texto longo do livro, “O sonho ruim de Danny Coughlin” é uma pérola. Segundo King, no posfácio, a ideia surgiu enquanto ele estava se vestindo, antes de passear com o cachorro: “O que aconteceria se um homem tivesse um único momento mediúnico? Um sonho que mostrasse a ele onde um corpo estava enterrado? Alguém acreditaria nele ou achariam que ele era o assassino?”. Bingo.
O conto “Finn” saiu pela primeira vez na plataforma digital Scribd, em maio de 2022. O personagem que dá nome à história é um pobre coitado sequestrado aparentemente por engano. História tão breve quanto esquecível.
Publicado na revista “Esquire” em 2020, “Na estrada da Pousada Slide” apresenta, assim como em “Willie Esquisitão”, um personagem coadjuvante idoso que rouba a cena. Ele e sua família estão numa viagem até que o carro quebra e eles topam com alguns elementos estranhos no caminho. Boa história que parece pronta para virar filme.
“Tela vermelha” saiu nos EUA primeiro como e-book, em 2021, e apresenta um policial que, ao colher o depoimento de um homem acusado de matar a esposa, surpreende-se com o motivo alegado por ele para cometer o crime. Fraco.
“O especialista em turbulência” foi publicado originalmente numa antologia de terror somente sobre acidentes aéreos (!) editada por King e Bev Vincent, em setembro de 2018. História curiosa, mas esquecível.
“Laurie”, disponível gratuitamente, em inglês, no site do autor desde 2018, é uma narrativa curta, mas envolvente, sobre um homem idoso, na Flórida, que acaba de se tornar viúvo. Para confortá-lo, a irmã lhe dá uma cachorrinha. A capa do livro mostra o problema que o personagem e sua nova companheira terão que enfrentar.
Continuação de ‘Cujo’
Em “Cascavéis”, outra novela inédita de “Mais sombrio”, King resgata, com brilho, um velho personagem do romance “Cujo”, de 1981. Assim como o Lloyd da história anterior, Vic Trenton é um homem idoso que acaba de perder a mulher. Para espairecer, decide se hospedar na casa de um amigo, também na Flórida. Mas, além da pandemia de Covid, ele terá outro problema bem mais assustador para enfrentar em seu retiro. Grande história e a única realmente assustadora do livro.
Inédito, “Os sonhadores” é um conto em que um veterano do Vietnã decide atender a uma oferta de emprego como estenógrafo de um cientista. Nada demais.
Na fábula que fecha o livro, Phil Parker encontrará, ao longo da vida, três vezes com um sujeito que diz ser “O homem das respostas”, título da história. Ao fim, ele e nós, leitores, refletiremos sobre as escolhas que fazemos e a finitude da vida. É, de longe, o melhor texto de “Mais sombrio”, e King levou 45 anos para terminá-lo. Foi seu sobrinho quem achou algumas páginas perdidas do conto e sugeriu ao tio que o terminasse, tanto tempo depois. Sorte nossa.
‘Mais sombrio’
Autor: Stephen King. Tradução: Regiane Winarski. Editora: Suma. Páginas: 528. Preço: R$ 109,90. Cotação: muito bom.
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