O canto como chão e como céu de Alice Caymmi

Novo álbum da cantora, 'Electra', imprime originalidade sem ecletismos gratuitos
Alice Caymmi Foto: Divulgação

Alice Caymmi abre “Electra” com a afirmação da força do canto — e de sua verdade essencial — sobre todas as condições, nos versos de Candeia. “De qualquer maneira, meu amor, eu canto” (ou “de qualquer maneira meu amor, eu canto”, o amor como objeto e não como vocativo). Ao longo das 10 faixas do disco, ela sublinha essa afirmação, sua voz vestida apenas pelo piano de Itamar Assiere, em canções garimpadas a partir da intensidade definitiva dos versos e melodias. Seja numa Amália Rodrigues de 1966 (“O medo mora comigo/ Mas só o medo, mas só o medo”) ou num Letuce de 2014 (“Tudo o que é perfeito/ Dá defeito cedo ou tarde”); numa Maysa de 1958 (“Pouco importa a razão da verdade/ Que impede a felicidade/ De morar no meu coração”) ou num Tom Zé de 1976, em parceira com Elton Medeiros (“Cada beijo irresponsável/ Cada marca do ciúme/ Cada noite de perdão”).

Alice entre os pais, Danilo Caymmi e Simone - 24/12/2001 Foto: Vera Donato / Divulgação
Alice Caymmi com a cantora Maria Bethania no carnaval de Salvador - 25/02/2001 Foto: Xando Pereira / Divulga;áo
Alice Caymmi iniciou sua carreira como cantora no final dos anos 2000 - 11/11/2008 Foto: Leonardo Aversa / Agência O Globo
As caçulas da MPB: Alice Caymmi, no centro, com Julia Bosco e Bianca Gismonti - 19/08/2011 Foto: Camila Maia / Agência O Globo
A cantora Alice Caymmi em seu apartamento, em Copacabana, junto a um busto de seu avô, Dorival Caymmi - 18/12/2013 Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Alice Caymmi posa com um autorretrato de seu avo Dorival Caymmi - 18/12/2013 Foto: Leo Martins / Agência O Globo
A cantora Alice Caymmi - 08/09/2014 Foto: Fabio Seixo / Agência O Globo
Alice Caymmi posa para um ensaio sobre o novo feminismo, em abril de 2015 Foto: Márrcia Foletto / Agência O Globo
A cantora Alice Caymmi durante seu show no palco Sunset, no Rock in Rio 2015 Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Alice Caymmi se apresenta no espetáculo "Rainha dos Raios", em 20015, na Sala Cecília Meireles Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Alice com o pai, Danilo Caymmi, nos bastidores do espetáculo "Rainha dos Raios", em 2015, na Sala Cecília Meireles Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Em junho de 2017, durante o Prêmio da Música Brasileira, Alice Caymmi e Laila Garin Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Durante gravação do programa "Ai, que loucura", em novembro de 2018, Alice e Narcisa Tamborindeguy entrevistam a Miss Mato Grosso do Sul, Giovanna Grigolli Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Alice Caymmi se apresenta durante show beneficiente de Ney Matogrosso no Circo Voador em favor do Instituto Vida Livre, em outubro do ano passado Foto: Karyme França / Zimel / Agência O Globo
Alice Caymmi e Pablo Vitar, durante gravação do clipe "Eu te avisei" Foto: Divulgação
Alice Caymmi em foto de divulgação de seu novo álbum, "Electra" Foto: Divulgação
Alice Caymmi, em sua nova fase, diz que partiu da própria dor para falar sobre a crise ética e moral do mundo em "Eléctra", seu novo álbum Foto: Leo Aversa / Agência O Globo

O piano suaviza — a despeito do vigor rítmico em faixas como “Diplomacia”, “Aperta outro”, “Me deixe mudo” e “Pedra falsa” — essa intensidade das canções, num movimento oposto à voz que escava fundo cada uma delas, abrindo-lhes sentidos poéticos, políticos, existenciais e “resistenciais”.

Vocação inaugural

Exposta crua no diálogo com Assiere, a interpretação de Alice ganha novas camadas — numa caminhada por ampliação de limites que ela empreende desde o início de sua carreira, do pop ao experimental, da MPB clássica ao brega. Com seu canto dosando técnica e emoção, no domínio do terreno voz e piano, a tentação de aplicar termos como “maturidade” a “Electra” é grande. Mas o termo se mostra, no contexto de sua trajetória, algo inapropriado — em momentos anteriores da carreira, Alice já esteve além e aquém. Neste álbum, ela segue na vocação inaugural que afirma a cada trabalho. Desta vez, exercitando-se em gêneros mais marcados — fado, samba, soul, toada.

A escolha do repertório (enxuto) consegue imprimir originalidade sem ecletismos gratuitos, com muitos pontos altos — como “Fracassos” (Fagner) e “Areia fina” (Lucas Vasconcellos). Talvez o único momento de menor brilho seja “Pelo amor de Deus” (Tim Maia), que soa pálida frente à sua potência como canção.

“Electra” é um disco que tem o canto como chão (humano) e como céu (arquetípico). A dinâmica dos mitos, enfim, como Electra e o embate entre sua paixão pelo pai e seu ódio pela mãe — sua relação com a origem transmutada em música na voz da Caymmi caçula.