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Cultura

O mínimo que Mario Frias precisa saber sobre Lina Bo Bardi, segundo biógrafo da arquiteta

Autor de 'Lina: uma biografia', o crítico de arquitetura Franceso Perrotta-Bosch afirma que a ítalo-brasileira, homenagenada pela Bienal de Veneza, tinha projeto de país e se encantou com a Baía de Guanabara
A arquiteta Lina Bo Bardi, homenageada pela Bienal de Veneza deste ano Foto: Divulgação / Lew Parrella / Instituto Bardi / Casa de Vidro
A arquiteta Lina Bo Bardi, homenageada pela Bienal de Veneza deste ano Foto: Divulgação / Lew Parrella / Instituto Bardi / Casa de Vidro

“Eu não conheço nada, desculpa! Me ajuda!”, respondeu o secretário especial da Cultura, Mario Frias, ao ser perguntado pela Folha de S. Paulo sobre a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), homenageada pela 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza. Nesta quinta-feira, Frias inaugurou o pavilhão brasileiro no evento , que, em 30 de agosto, concederá a Lina um Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra. A homenagem havia sido anunciada no início do mês. “Lina Bo Bardi também exemplifica a perseverança do arquiteto em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou imigração, e sua capacidade de permanecer criativo, generoso e otimista o tempo inteiro”, afirmou Hashim Sarkis, arquiteto libanês e curador desta edição da Bienal.

A pedido do GLOBO, Francesco Perrotta-Bosch, autor da recém-lançada “Lina: uma biografia” (Todavia), concordou em dar uma ajuda a Frias e dizer qual é o mínimo que a maior autoridade do governo na área cultural deve saber sobre a arquiteta. Segundo o biógrafo, primeiro Frias precisa aprender o “básico” e “óbvio”, isto é, que Achillina Bo nasceu em Roma, em 1914, aportou no Brasil em 1946, acompanhado do marido, o colecionador, marchand e crítico de arte Pietro Maria Bardi (de quem ela adotou o sobrenome), naturalizou-se brasileira seis anos depois e morreu em 1992, em São Paulo.

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Também é importante ter na ponta da língua alguns dos projetos mais importantes assinados por Lina, como o prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp) , símbolo da cidade, com seu vão livre de 70 metros, o maior do mundo na época em que o museu foi construído; a revitalização do Solar do Unhão, em Salvador, que abriga desde a década de 1960 o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA); e o projeto do Sesc Pompeia, também na capital paulista, no qual a arquiteta integrou a obra à estrutura dos antigos galpões da fábrica de tambores da Pompéia. Lina também atuou como editora de revista, curadora, diretora de museu e colaborou com produções teatrais.

Perrotta-Bosch também recomenda que o secretário se informe sobre o projeto que a arquiteta propôs para o Brasil. Viajando pelo Nordeste, Lina topou com o que chamou de “pré-artesanato”, os usos criativos que as populações faziam de objetos que já haviam cumprido seu ciclo de uso, como latas usadas para fabricar louça e até carrinhos de bebê.

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— Lina via nesse pré-artesanato um ponto de partida para um modelo econômico que não fosse importado de forma acrítica, mas genuinamente brasileiro — explica Perrotta-Bosch. — Após o golpe militar de 1964, Lina diz que o Brasil escolheu a importação acrítica, a submissão ao know-how estrangeiro, o que se repete hoje, com este governo que nos impõe a bandeira dos Estados Unidos e até de Israel.

O biógrafo lembra ainda que Lina queria que o museu baiano (MAM-BA) fosse dedicado não à arte moderna, mas à arte popular. No entanto, os planos da arquiteta para a instituição foram frustrados pela ditadura militar.

Lina e o Rio

Apesar de conhecida, principalmente, por seu trabalho na capital paulista (MASP, Sesc Pompeia, Teatro Oficina), o primeiro amor brasileiro de Lina foi o Rio, mais especificamente, a Baía de Guanabara. Lina desembarcou no Rio, em 1946, se encantou com o Palácio Capanema, à época sede do Ministério da Educação e Cultura, e com as ruas cariocas, que começavam na praia e terminava na “floresta de quaresmeiras, de acácias violetas e amarelas, de filodendros e de bromélias, e de todas aquelas plantas que na Europa só eram vistas nas vitrines das floriculturas”. Pesquisando para a biografia, Perrotta-Bosch descobriu que, entre outubro de 1946 e o começo de 1947, Lina e o marido viveram na Rua Anchieta, no Leme, no prêmio número 16, apartamento 803.

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— Para Lina, recém-chegada da Europa arruinada pelas bombas, o Rio era um sopro de esperança, onde se fazia a boa arquitetura moderna — conta. — Foi no Rio que ela e Bardi fizeram sua primeira exposição no Brasil, com telas trazidas da Itália, e conheceram Assis Chateaubriand (magnata da imprensa e fundador do MASP) . Lina defendia que Chateaubriand fundasse seu museu no Rio, mas São Paulo ganhou porque era lá que estava o dinheiro.

Também foi na então capital brasileira — na revista “Rio”, criada por Roberto Marinho —, que Lina publicou seu primeiro texto da imprensa brasileira: “Na Europa a casa do homem ruiu”, na edição de fevereiro de 1947.

‘Antifeminista, militarista e stalinista’

As opiniões políticas de Lina podem dar um nó na cabeça da chamada “ala ideológica” do governo Bolsonaro. Provocativa, a arquiteta chegou a se definir como “antifeminista, militarista e stalinista”. Perrotta-Bosch, porém, afirma que é preciso tomar cuidado ao interpretar essa declaração de sua biografada, que, indiscutivelmente, era comunista, como muitos dos intelectuais de sua geração. Em 1971, ela chegou a responder a um inquérito militar durante a ditadura, porque emprestou sua Casa de Vidro, em São Paulo, para a reunião de um grupo da esquerda armada. Lina não sabia, mas até Carlos Marighella, um dos guerrilheiros mais procurados pelo regime, compareceu.

Segundo o biógrafo, ao se afirmar “stalinista”, Lina não relevava simpatias pelo totalitarismo soviético, mas reconhecia o papel do Exército Vermelho na libertação da Itália do nazifascismo. Seu antifeminismo, na verdade, era uma crítica ao caráter excessivamente burguês do movimento, nos anos 1960 e 1970.

Capa do livro 'Lina: uma biografia', de Francesco Perrotta-Bosch Foto: Divulgação
Capa do livro 'Lina: uma biografia', de Francesco Perrotta-Bosch Foto: Divulgação

— Lina se interessava pela cultura e pelas classes populares e tinha aversão aos debates da elite — diz Perrotta-Bosch, para explicar a recusa de sua biografia do "feminismo burguês". — Ela também foi responsável por grandes obras, como o MASP e o Sesc Pompeia, onde tinha que gerenciar cerca de 250 operários. Para trabalhar nesses ambientes extremamente machistas, ela talvez tenha criado um personagem antifeminista. São hipóteses, porque ela nunca explicou o que quis dizer quando se declarou antifeminista.

No entanto, é o que Lina quis dizer como “militarista” que segue como um dos maiores enigmas de sua biografia.

— Talvez tenha a ver com uma memória afetiva que ela tinha de um soldado que era guarda da primeira escola que ela frequentou, quando era criança, em Roma — arrisca o biógrafo.