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Cultura

O que é bedroom pop, tipo de música que nasceu dentro do quarto

Da estrela americana Billie Eilish ao carioca Matheus Who, jovens investem em música onírica e íntima, feita caseiramente, para atrair os algoritmos do streaming
Matheus Who, musico carioca de bedroom pop Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Matheus Who, musico carioca de bedroom pop Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO - Não se trata exatamente de um gênero musical, mas de um conceito: bedroom pop . A música que jovens artistas compõem e gravam sozinhos em seus quartos, usando os recursos tecnológicos mais à mão, e que pode se utilizar de sons oitentistas de sintetizadores e de alguma leve psicodelia para chegar a um resultado com caráter íntimo e onírico.

É o que fez a americana Billie Eilish , de 17 anos, hoje uma das artistas mais populares do planeta, com 41 milhões de seguidores no Instagram e 21,8 milhões no YouTube. Em maio do ano que vem, ela leva para as multidões brasileiras suas sombrias canções gestadas no quartinho com o irmão Finneas (dia 30 no Allianz Parque paulistano e 31 na Jeunesse Arena carioca). Mas Billie é só a ponta do iceberg do bedroom pop.

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Duas outras estrelas desse quase-gênero (cujo nome se espalhou a partir de playlists criados por Spotify e Deezer para reunir músicas com um determinado mood ) desembarcam antes no Brasil, para shows. O primeiro é o norueguês Nicolas Pablo Muñoz, 19 anos, conhecido como Boy Pablo , que se apresenta com sua banda mês que vem, nos dias 14 (pelo Queremos!, no Circo Voador, Rio) e 15 (no Popload Festival, no Memorial da América Latina, São Paulo). Outro é o inglês Alexander O'Connor, de 21 , o Rex Orange County , que baixa em São Paulo em abril, no festival Lollapalooza, para mostrar o álbum “Pony”, lançado na última sexta-feira.

Garoto que começou a gravar em seu quarto na cidade de Bergen, Nicolas Pablo viralizou graças à canção “Everytime” — um suave, nostálgico e despretensioso dream pop, que embalou em um vídeo no qual ele e seus amigos dublam a música num dia de sol.

— Realmente não sei por que essa música se tornou tão popular. Tentamos fazer um vídeo sarcástico para uma música que eu achei legal, mas não esperávamos que o vídeo aumentasse nosso público — diz por e-mail o norueguês de ascendência chilena. — Eu acho que talvez a simplicidade das minhas músicas e o fato de eu escrever muito sobre cenários de amor identificáveis sejam algumas das razões pelas quais as pessoas gostam desse projeto.

Uma característica das mais admiráveis do bedroom pop é que, como um fenômeno nascido no seio da internet, ele tem representantes dos mais diversos países. Suas ramificações se espalham pelos Estados Unidos (Billie Eilish, Clairo , Cuco , Gus Dapperton , Denitia ), Reino Unido ( Puma Blue , Far Caspian ), Austrália ( Kllo ), Canadá ( MorMor ) e, como não poderia deixar de ser, o Brasil.

Orçamento reduzido

No streaming e no YouTube, aos poucos apareceram artistas como YMA , Gab Ferreira , Lau e Eu , Vivian Kuczynski , Uiu Lopes e o carioca Matheus Costa — o Matheus Who , de 21 anos. Depois de uma experiência com a banda Carmen, o rapaz voltou para o seu quarto e de lá saiu este ano com as canções solo “Deeply”, “My best lover” e “Boys are blue”.

— O bedroom pop é o jeito de os artistas novos fazerem com pouco orçamento o som em que acreditam — conta Matheus. — Sou muito comparado ao Boy Pablo. Minhas composições começaram no quarto, e foi aqui que gravei tudo, sozinho. A única ajuda que tive foi de um amigo que segurou o microfone. Estou gostando de ter esse projeto solo, posso tomar todas as decisões.

Duo que acabou de lançar o single “Back to you”, o australiano Kllo também louva a forma de produção do bedroom pop. Em e-mail redigido conjuntamente, Simon Lam e Chloe Kaul comentam:

— Acreditamos que é muito importante estabelecer nosso som e estética através de experiências que só podem ocorrer em um ambiente confortável. Ter nosso próprio estúdio pequeno nos permite fazer música com mais honestidade.

Já MorMor (nome artístico do cantor e compositor Seth Nyquist) observa, em entrevista por telefone:

— Se não houvesse essa tecnologia ( que permite gravar músicas em casa ), eu teria buscado uma outra forma de fazer o meu trabalho. Mas é complicado pensar como seria, porque até hoje só fiz desse jeito!

Um termo pouco preciso

Nem todos os artistas associados ao bedroom pop concordam com a denominação. Um deles é o próprio Boy Pablo.

— Ele começou como um termo com o qual muitos artistas poderiam se identificar, mas hoje não é mais tão preciso — opina o norueguês. — Muitas das novas músicas indie foram gravadas em grandes estúdios, enquanto que novas canções pop foram feitas em quartos. No entanto, você nunca chama essa música pop típica de bedroom pop.

A cantora e compositora paulistana Yasmin Mamedio, a YMA Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
A cantora e compositora paulistana Yasmin Mamedio, a YMA Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Um caso fora da curva é o de Yasmin Mamedio, a YMA, de 27 anos, que este ano lançou “Par de olhos”. O álbum, que foi gravado em um estúdio profissional, acabou encontrando seu caminho para o público na estrada do bedroom pop.

— Se fosse escolher um lugar para situar esse disco seria no meu quarto, por causa da intimidade das canções. No quarto tive a conexão com o imaginário e pude aprofundar as letras. Gosto do do-it-yourself, mas em geral o meu disco não é bedroom pop, a sonoridade é mais pesada — analisa a paulistana Yasmin. — Talvez uma canção como “Summer lover” se encaixe no estilo, ela é mais contemplativa, e eu comecei a fazê-la no Garage Band do meu celular. Se levar ao pé da letra, nem Clairo nem Cuco ( estrelas americanas ) se integram totalmente ao bedroom pop, mas aí entraram os algoritmos do streaming. De repente, alguém que estava ouvindo Clairo foi ouvir “Summer lover”.

Simon e Cloe, do Kllo, também creditam sua popularidade aos algoritmos, que buscam entre os lançamentos as músicas com sonoridades e climas afins, para montar playlists nas plataformas de streaming:

— Somos muito da era do streaming. Como nosso som é versátil, acabamos em diferentes listas de reprodução na internet. Esperamos que as pessoas entendam nossa música no futuro, mas muitas disseram que as fazemos se sentir nostálgicas.

Editor de música da Deezer no Brasil, Romar Sattler reconhece o papel que as plataformas de streaming tiveram na difusão do bedroom pop, “para além das barreiras geográficas”.

— O sucesso desse gênero se deve principalmente à internet e a democratização de tecnologias, que facilitam o acesso a ferramentas de mixagem, gravação e distribuição. Foi o que possibilitou que artistas independentes pudessem criar suas próprias músicas sem a necessidade de um produtor ou uma gravadora para lançar esse conteúdo. E nesse contexto a Deezer e outros serviços de streaming de música têm sido a peça-chave para a disseminação do bedroom pop.

Para Joel Johnston, líder do britânico Far Caspian, o que faz o sucesso dos artistas dos quartinhos não tem muita relação com a frieza dos algoritmos — é o coração que põem em suas canções:

— Disseram-me que algumas das nossas faixas ajudaram as pessoas a passar por momentos difíceis. Isso é a melhor coisa que eu já ouvi. Compus muitas músicas quando eu estava lidando com diferentes questões.

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E Matheus Who avança na discussão do tema.

— Tento sempre ser o mais honesto comigo mesmo que puder, não vou escrever sobre o que não passei, o que não senti. Uma parte importante do bedroom pop é ser verdadeiro com quem está ouvindo — aponta ele, que identifica seu público entre “os jovens de 13 a 27 anos que curtem o do-it-yourself, música alternativa e um pouco de Led Zeppelin, Guns N’Roses, 2Pac e Jay-Z”.

Dono do Lab 344, que lança no Brasil os discos de MorMor, Kllo, For Caspian e Denitia, Sérgio Martins diz ver nessa turma um espírito indie bem parecido com o que tinha dez anos atrás quando montou, em casa, o seu selo (“mais bedroom pop que isso, impossível!”):

— São artistas estudiosos, criativos, e que têm uma relação muito particular e, ao mesmo tempo, descompromissada com a música. Usam as redes sociais para divulgar sua arte apenas, e não como apelo midiático. Estão abertos a parcerias e loucos para trazer seus shows para o Brasil.