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Cultura

O que faz a Biblioteca Nacional e o que pode mudar com a nova gestão de Rafael Nogueira

Instituição é órgão de memória mais importante do país e pode ter mudanças em suas atividades culturais e de pesquisa
A fachada da Biblioteca Nacional após os oito anos de reforma Foto: Divulgação
A fachada da Biblioteca Nacional após os oito anos de reforma Foto: Divulgação

RIO — Considerada a instituição de memória mais importante do Brasil, a Biblioteca Nacional (BN) é uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo e é também a maior da América Latina, de acordo com a UNESCO. Além de preservar e reunir os registros biliográficos nacionais (pelo menos um exemplar de toda obra publicada no país é enviada para o instituto), a BN tem entre suas competências servir de banco de pesquisa (seu site possui 5,5 milhões de acessos por mês), fomentar prêmios literários como o Camões, e realizar exposições e editoração de livros próprios.

Esse importante equipamento público está agora sob a gestão de Rafael Nogueira, professor de história e seguidor do ideólogo Olavo de Carvalho, que foi indicado pelo Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim. Desconhecido de seus pares (" Não sei quem é, não sei de quem se trata", afirmou a ex-presidente da BN, Helena Severo), ele ainda não falou com a imprensa sobre seus planos para a instituição. Nogueira foi mais um dos nomes escolhidos por Alvim, para sua guinada conservadora no comando dos principais órgãos de cultura do país.

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Depósito legal

A Biblioteca Nacional é guardiã de um acervo de aproximadamente 9 milhões de itens (entre livros, documentos históricos e fotografias) que ficam em sua sede na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro, e em um prédio anexo na região portuária. Para preservar esse tesouro histórico, a fundação mantém uma estrutura de laboratórios de restauração e conservação de papel, oficina de encadernação, centro de microfilmagem, fotografia e um núcleo de digitalização do acervo (mais de 2,5 milhões de itens já podem ser consultados online).

Tapete na entrada da Biblioteca Nacional Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Tapete na entrada da Biblioteca Nacional Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Essa vocação para a preservação da memória nacional é garantida por um preceito da Constituição: o Depósito Legal. Segundo essa legislação, toda obra publicada no Brasil (seja livro, partitura ou periódico) deve ter uma cópia enviada obrigatóriamente para o acervo da BN.

Numa comparação feita pela ex-presidente da instituição, Helena Severo, a Biblioteca Nacional está para a cultura e memória do Brasil assim como a Fundação Oswaldo Cruz está para a ciência, tecnologia e pesquisa em saúde.

Exposições e prêmios

Além disso, a Biblioteca Nacional faz exposições, publica livros, realiza prêmios literários e financia bolsas de pesquisa que envolvam seu acervo. E é sobre essas atividades que a nova gestão do local poderá realizar as mudanças mais signicativas em relação ao funcionamento e papel da fundação.

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Todas as decisões de que livros serão publicados, que exposições serão montadas, e quem será o júri a eleger vencedores dos prêmios literários são feitas por corpos técnicos específicos da fundação. Após a decisão desse conjunto de servidores, cabe à presidência dar o aval sobre as escolhas. Na última gestão, por exemplo, as equipes foram montadas com servidores concursados que já trabalhavam na Biblioteca Nacional.

— Os cargos de chefia desses corpos técnicos sempre foram entregues aos mais experientes, muitos com 20 ou 30 anos de casa — diz a ex-presidente, Helena, ressaltando que sempre deu aval às decisões desses corpos técnicos.

O acervo da Biblioteca Nacional Foto: Ana Branco / Agência O Globo
O acervo da Biblioteca Nacional Foto: Ana Branco / Agência O Globo

O novo presidente da Biblioteca Nacional terá o poder de mudar essas equipes, escolhendo pessoas de sua confiança para os cargos de chefia. Além disso, pode optar por não acatar as decisões que os servidores fizeram sobre que livros serão publicados ou que exposições serão montadas pela BN.

Possibilidade de criar 'filtro'

Nos últimos anos, por exemplo, a casa montou exposições como "Saint Hilaire e as paisagens brasileiras", "1808 – 1818: A construção do reino no Brasil", "Euclides da Cunha: os sertões, testemunho e apocalipse" e "'Alma do Mundo' - Leonardo Da Vinci". Todas contavam com servidores da casa como parceiros da curadoria.

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Já entre os livros editados mais recentemente estão obras como "Juliano Moreira: estudos de um pioneiro da psiquiatria no Brasil", de Christianne Theodoro; "Lima Barreto: cronista do Rio", de Beatriz Rezende (edição com fotos exclusivas do acervo da BN) e "150 anos de música no Brasil (1800-1950)", de Luiz Heitor.

Há também publicações como o livro "Mapas do Reino de Portugal e suas conquistas: catálogo do atlas factício de Diogo Barbosa Machado", que organizaram e catalogaram acervo únicos e preciosos, com juntando mapas, plantas, vistas e gravuras do séculos XVI a meados de XVIII elaboradas por renomados desenhistas e gravadores europeus.

Setor de conservação de livros e documentos guarda preciosidades Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Setor de conservação de livros e documentos guarda preciosidades Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Acerca do controle desses atividades culturais e das bolsas de pesquisa realizadas pela instituição, Helena Severo afirmou em entrevista ao GLOBO que poderiam ser criados "filtros" já que o embate ideológico tem se mostrado como o eixo central de atuação na nova gestão da cultura no país.

Segurança de preciosidades

A nova gestão terá ainda o desafio de modernizar a segurança do prédio que guarda o acervo da BN. Quase cem itens novos chegam à fundação todos os dias, seguindo a lei do Depósito Legal. Além disso, há itens precisos e únicos sob a guarda da casa.

Entre os destaques do tesouro guardados pela BN está um pergaminho datado do século XI com manuscritos em grego sobre os quatro Evangelhos (exemplar mais antigo da Biblioteca Nacional e da América Latina); a primeira edição de "Os Lusíadas", de 1572; e a primeira edição da "Arte da gramática da língua portuguesa", escrita pelo Padre José de Anchieta em 1595.

Conservação do prédio

Ainda segundo a ex-presidente, a BN conseguiu R$ 22 milhões do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDDD), do Ministério da Justiça, para conservação do prédio. Com isso, foram homologadas licitações para projetos como um sistema de combate a incêndios na Biblioteca e a recuperação do prédio anexo da Fundação, no Porto.

O sistema de combate a incêndios, por exemplo, foi objeto de uma negociação de dois anos com o Corpo de Bombeiros e o Iphan, e agora será tocado pelo novo presidente. O anexo também é essencial, pois não há mais espaço para armazenar itens do acervo no  prédio principal.