Exclusivo para Assinantes
Cultura

O que é 'iliberalismo', termo citado na carta de intelectuais contra a cultura do cancelamento?

"Iliberal" é líder democraticamente eleito que trabalha para dinamitar a democracia; para signatário da carta contra a cultura do cancelamento, "censura informal ou pressão ideológica" também são manifestações de "iliberalismo"
O presidente da Polônia e candidato à reeleição Andrzej Duda, um representante das "forças do iliberalismo" Foto: Kacper Pempel / REUTERS 28-6-20
O presidente da Polônia e candidato à reeleição Andrzej Duda, um representante das "forças do iliberalismo" Foto: Kacper Pempel / REUTERS 28-6-20

SÃO PAULO – Na carta aberta em que pediam mais tolerância à esquerda , mais de 150 intelectuais denunciaram que "as forças do iliberalismo estão ganhando vigor no mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma ameaça real à democracia". Mas o que, afinal, são as "forças do illiberalismo"? Se você não sabe direito, não se preocupe: o conceito é relativamente novo para o público comum e, inclusive, saiu errado na edição impressa do GLOBO de 8 de julho por um erro de revisão.

Segundo o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), termos como "iliberal" e "iliberalismo" são, de fato, escorregadios e ainda não totalmente estabelecidos.

– O conceito de “iliberalismo” apareceu como crítica a partidos e movimentos que combatem a democracia representativa por dentro. Ou seja: disputam eleições segundo as regras do jogo e, no poder, atuam de modo a dinamitar as instituições – explica Nogueira. – Os iliberais combatem os valores básicos da democracia, como a liberdade de expressão e os direitos humanos e sociais.

Sem trégua: Manifesto contra cultura do cancelamento é recebido com desconfiança

A expressão “democracia iliberal” (“illiberal democracy”, em inglês) apareceu pela primeira vez em 1997, em um ensaio publicado na revista “Foreign Affairs” pelo jornalista e cientista político americano Farred Zakaria, um dos signatários da carta aberta que pede o fim da cultura do cancelamento na esquerda. No ensaio, Zakaria chamou de democracias iliberais os “regimes democraticamente eleitos e com frequência reeleitos ou mantidos no poder por meio de plebiscitos, que ignoram que seus poderes são limitados constitucionalmente e que destituem seus cidadãos de seus direitos e liberdades básicos”.

Nos países "iliberais", persiste uma aparência democrática. Há eleições livres e (até que se prove o contrário) limpas, mas os líderes populistas na chefia do executivo atentam contra as instituições independentes cuja função é preservar a democracia e impedir arroubos autoritários, como o parlamento, a Suprema Corte, os tribunais, as agências reguladoras, as universidades e a imprensa.

Nas redes: Depois da lacração e do cancelamento, 'exposed' é a moda da vez

No livro “O povo contra a democracia”, publicado no ano passado pela Companhia das Letras, o cientista político alemão Yascha Mounk (outro signatário da carta), definiu “democracia liberal” como “essa mistura de direitos individuais e governo popular que há muito tempo tem caracterizado a maioria dos governos na América do Norte e da Europa Ocidental”. O que separa as democracias iliberais das liberais, argumenta Mounk, não é falta de democracia (ou seja, de eleições regulares), mas “a falta de de respeito pelas instituições independentes e pelos direitos individuais”.

O cientista político e historiador americano Mark Lilla , também signatário da carta aberta, oferece uma definição dupla de forças iliberais – uma delas, aliás, parece descrever a "intolerância" à divergência presente também, segundo a carta, na militância progressista.

– Chamamos “iliberal” uma atmosfera na qual os princípios liberais de debate livre e aberto e respeito pela opinião alheia tem sido atacado ou ignorado – diz Mark Lilla em e-mail ao GLOBO para esclarecer o que queriam dizer com “forças do iliberalismo”. – Há países explicitamente pisoteando os principais liberais ao corromper a Justiça e as eleições, como a Hungria, a Polônia e Turquia. E há países democráticos onde um tipo de censura informal ou pressão ideológica são impostas desde as redes sociais. Ambas as formas de iliberalismo enfraquecem a democracia.