RIO — Em 2019 , na literatura de ficção, narrativas atuais que abordam temas urgentes se destacaram entre as boas leituras do ano, ao lado de clássicos que só agora ganharam edições brasileiras.
Abaixo, a lista dos melhores livros de ficção lançados em 2019. As escolhas foram feitas por Bolívar Torres, Emiliano Urbim, Mànya Millen e Ruan de Sousa Gabriel — confira também os destaques de não ficção .
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‘Cancún’
Miguel Del Castillo
Estreia de Miguel Del Castillo no romance, em rara ficção brasileira com personagens evangélicos, “Cancún” (Companhia das Letras) narra a conflituosa relação de Joel com o pai, o sexo e a religião. Nos capítulos ímpares, Joel é um adolescente que não entende a distância do pai e encontra abrigo em uma igreja. Nos pares, já adulto, ele espera o primeiro filho e tenta acertar as contas com o passado.
‘Os anos’
Annie Ernaux
Dona de um projeto literário único, a francesa Annie Ernaux, 79 anos, chegou enfim ao Brasil: em 2019, a Três Estrelas publicou “Os anos”, justamente um de seus livros mais festejados. Esta falsa obra biográfica (já chamada de “uma autobiografia impessoal”) mapeia as mudanças sociais e culturais da França através da memória coletiva, no qual o “eu” se mescla à História.
‘Meu ano de descanso e relaxamento’
Ottessa Moshfegh
A narradora de “Meu ano de descanso e relaxamento” (Todavia) é “alta, magra, loira, bonita e jovem” (e rica), mas, para apaziguar o desespero que sente, prefere tomar um punhado de remédios psiquiátricos e dormir — ou melhor: hibernar. Em uma época em que muitos dormiriam meses a fio para não ver o noticiário, Ottessa arriscou uma crítica irônica a uma sociedade medicada.
‘O livro dos jardins’
Ana Martins Marques
“Mais valia, você sabe, plantar um jardim / do que escrever poemas sobre jardins”. Os 21 poemas de “O livro dos jardins” (Quelônio), da poeta mineira Ana Martins Marques, falam de cactos, rosas e dentes-de-leão. Os versos refletem também sobre o tempo e homenageiam poetas como Orides Fontela, Sylvia Plath e Wislawa Szymborska. A tiragem de 400 exemplares numerados foi costurada à mão.
‘Torto arado’
Itamar Vieira Júnior
Vencedor do Prêmio LeYa e publicado primeiro em Portugal (aqui, pela Todavia), o romance do baiano Itamar Vieira Junior descreve o trabalho análogo à escravidão e as lutas das famílias de Água Negra, uma fazenda sertaneja. O romance é narrado, com linguagem elaborada e melódica, por duas irmãs (uma das quais perdeu a língua na infância) e por uma entidade da religião afro-brasileira jarê.
‘A morte e o meteoro’
Joca Reiners Terron
A Amazônia foi reduzida a um punhado de árvores e, para sobreviver, os 50 remanescentes da tribo kaajapukugi precisam se exilar no México. E Boaventura, o indigenista que articulou a fuga, acaba assassinado. Em trama policial lançada pela Todavia, Terron recorre aos saberes indígenas para alertar contra a perda do sentimento comunitário.
‘A fúria’
Silvina Ocampo
Há sempre algo fora de lugar nos contos da argentina Silvina Ocampo. O grotesco ou o risível podem irromper de repente. O próprio Jorge Luis Borges, que sugeriu o título “A fúria”, se impressionava com a “crueldade inocente e oblíqua” das histórias da mulher de seu amigo Adolfo Bioy Casares. Publicada em 1959, a coletânea marcou a estreia de Silvina no mercado editorial brasileiro, pela Companhia das Letras.
‘Não leiam delicados este livro’
Jorge de Sena
O poeta português Jorge de Sena (1919-1978) completaria 100 anos em 2019. A edição de “Não leiam delicados este livro”, com organização de Gilda Santos para a editora Bazar do Tempo, comemorou o centenário com 100 poemas representativos do modernista — que desconfiava do lirismo, mas recorreu à poesia para confrontar a ditadura salazarista que o forçou ao exílio no Brasil e nos EUA.
‘A ordem do dia’
Éric Vuillard
Vencedor do prêmio Goncourt, “A ordem do dia” (Tusquets) mescla história e ficção para narrar como industriais alemães financiaram a ascensão do nazismo em nome da “calma e firmeza” exigidas pela economia. Com uma escrita fria e sarcástica, Vuillard investiga como um partido de discurso agressivo, tido como piada pelas democracias europeias, angariou milhões de adeptos e causou o mais sangrento conflito armado da História.
‘Marrom e amarelo’
Paulo Scott
Lourenço tem pele retinta, mas o militante antirracista da família é seu irmão um ano mais velho, Federico, que passa facilmente por branco e é convocado pelo governo para discutir o sistema de cotas raciais nas universidades. Para discutir a chamada “hierarquia cromática” brasileira, “Marrom e amarelo” (Alfaguara) escala estes personagens contraditórios e complexos e viaja da confusão política do presente para a Porto Alegre dos anos 1980, nas ladeiras do bairro Partenon, onde cresceu o autor.