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Cultura

Osgemeos abrem na Pinacoteca mostra adiada por sete meses pela pandemia

Primeira grande exposição inaugurada na capital paulista desde o começo da crise do coronavírus já tem ingressos esgotados para os primeiros 11 dias
Osgemeos na instalação "Portal", criada para o octógono da Pinacoteca, em São Paulo; obra é uma das inéditas da exposição "Osgemeos: Segredos" Foto: Levi Fanan / Divulgação
Osgemeos na instalação "Portal", criada para o octógono da Pinacoteca, em São Paulo; obra é uma das inéditas da exposição "Osgemeos: Segredos" Foto: Levi Fanan / Divulgação

SÃO PAULO - Após sete meses de museus fechados, quem escolher a Pinacoteca de São Paulo para voltar a circular por exposições pode se sentir mesmo em outro mundo. As máscaras, de uso obrigatório, os totens de álcool em gel e as orientações de manter o distanciamento — não só das obras, como é tradicional, mas também dos demais visitantes — já bastariam para causar estranheza. Só que no caso da mostra “Osgemeos: Segredos” o mergulho é mais fundo.

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A exposição inédita da dupla Gustavo e Otávio Pandolfo, que é inaugurada nesta quinta-feira, nos leva a um mundo de seres amarelos que circulam em paisagens lúdicas e, muitas vezes, surreais. Esse lugar, para quem não sabe, tem nome: Tritrez, o universo paralelo desses dois irmãos já externado em grafites gigantes mundo afora.

— Você sai ( de casa ) e já entra em outro universo. É como abrir uma janela para um novo horizonte, em que você pode se distrair, se divertir, sonhar um pouco — convida Gustavo. — Acho que a mostra dá oportunidade de as pessoas alegrarem o dia a dia delas. É importante porque todo mundo tem passado por momentos difíceis.

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Alta procura por ingressos

E o público parece estar mesmo disposto a essa evasão. Na noite da véspera da abertura, o site de reserva de ingressos (é necessário garantir o tíquete on-line e agendar um horário, já que, pelo protocolo de reabertura, a bilheteria física precisa ficar fechada) mostrava todos os períodos esgotados até o dia 25 de outubro. As entradas são gratuitas até o dia 23 e, após, custam R$ 25 por pessoa, com exceção dos sábados, em que são sempre sem custo. A programação fica em cartaz até 22 de fevereiro de 2021.

Primeira exposição panorâmica dos paulistanos no Brasil, ela deveria ter sido aberta em 28 de março. Com os planos paralisados pela pandemia, os Pandolfo contam ter ficado entre a casa e o ateliê nos últimos meses, dividindo o espaço normalmente usado para as obras com cestas básicas e kits de máscaras para doação — só para Norte e Nordeste foram enviadas mais de 80 mil dessas proteções feitas com uma estampa de personagens deles. Os meses também foram ocupados com o acompanhamento a distância das montagens de outras duas exposições, em Seul e em Nova York, e com a pesquisa e a coleta de mais itens para expor na Pinacoteca narrando sua trajetória.

O tempo a mais deu a chance de reunir outros materiais antigos, muitos vindos de amigos, que registram em foto, vídeo, desenho como eles começaram a trabalhar e a criar seu estilo. Assim, ao todo, a mostra da Pinacoteca encerrou a montagem com mais de mil itens que narram sua história. As obras em si são cerca de 60, das quais aproximadamente 50 são inéditas ou nunca vistas antes no Brasil.

Segredos

Entre as novidades está “Portal”, instalação feita especialmente para o chamado octógono da Pinacoteca, espaço de pé-direito alto, no qual painéis multicoloridos, com nichos de onde saem figuras de ar transcendental, ladeiam uma grande cabeça amarela disposta no centro. De traços femininos, ela tem o crânio aberto, com espaço para guardar em si incontáveis objetos vintage e instrumentos musicais. Ao seu redor, como guardiãs, cabeças iluminadas saltam do chão.

Já entre as inéditas no Brasil, mas expostas fora anteriormente, estão, por exemplo, obras em parceria com Banksy, o famoso artista de rua britânico que esconde sua real identidade, e uma escultura gigante já usada na Alemanha em um espetáculo do grupo de break dance Flying Steps. A figura vai do chão ao teto de um dos pátios do prédio.

Mas as grandes descobertas mesmo sobre Osgemeos, que justificam o título “Segredos”, prometem estar nas salas que explicam como eles evoluíram de crianças que amavam desenhar aos artistas de renome internacional que são hoje, aos 46 anos. Segundo eles, autodidatas, seu processo está todo contado ali: escancarado desde em desenhos mais primários, quando ainda buscavam um estilo, até quando sua identidade vai ganhando corpo.

— É uma história de aprendizado, de muito trabalho. Eles abriram “a cozinha”. Tiveram vontade de mostrar isso — explica Jochen Volz, curador da mostra e diretor-geral da Pinacoteca, responsável por fazer o convite aos irmãos.

Esse desejo, diz a dupla, tem uma intenção educativa.

— É para as pessoas entenderem como a gente fazia, como a gente improvisava com o que a gente tinha — afirma Otávio. —  Quisemos mostrar o nosso processo criativo, que nunca parou, e qual foi a maneira que a gente encontrou de realizar o nosso sonho, que era ter um estilo de desenho.

Retribuição

Mostrar esse caminho das pedras na Pinacoteca, contam, tem um gosto especial porque parte dessa jornada passou por ali. Em 1983, aos 9 anos, fizeram por lá um curso de arte para crianças.

— Era um curso do ( artista plástico ) Paulo Portella Filho. Nossos pais descobriram isso e resolveram colocar a gente nesse curso — lembra Otávio. — Foi a primeira vez que a gente teve contato com lata de spray. A gente já tinha visto alguns grafites no bairro ( Cambuci, na região central, onde cresceram e têm o ateliê até hoje ), mas a gente era muito pequeno, não entendia direito o que era aquilo — completa Gustavo.

O primeiro contato rendeu encantamento e também uma bronca. Recordam ter agarrado uma lata e ido em direção a uma parede da Pinacoteca. O professor, claro, não deixou que continuassem, mas nascia ali um gesto que fariam juntos nos anos seguintes. Os grafites, aliás, não são o centro da exposição. Aparecem apenas registrados em fotos, porque pertencem às ruas e não aos museus, como defendem os irmãos.

— Para nós, o grafite é só uma vertente do que a gente faz. E aí entram escultura, animação, instalação... — diz Gustavo.

Nem por isso, destacam, deixaram para trás o hábito de sair por São Paulo para pintar paredes das ruas. O que também não muda é que seus trabalhos continuam sendo recobertos de tinta.

— Nunca deixaram de apagar. E a gente também nunca desiste — conclui Otávio.