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Cultura

Para além da 'Aquarela', Ary Barroso revive, com todas as suas facetas, em documentário nada ortodoxo

Com narração de Lima Duarte e atuações de Dira Paes e Stepan Nercessian, o diretor André Weller dá voz ao multiartista para que ele conte sua própria história
Os atores Dira Paes e Stepan Nercessian em de "Ary", filme sobre o compositor Ary Barroso, do diretor André Weller Foto: Divulgação
Os atores Dira Paes e Stepan Nercessian em de "Ary", filme sobre o compositor Ary Barroso, do diretor André Weller Foto: Divulgação

RIO - “Não é à toa que está chovendo em Ubá!”, ironizava na terça-feira o diretor André Weller ao chegar à cidade da Zona da Mata mineira a fim de colher cenas para a cinebiografia do mais dileto filho da terra: Ary Barroso (1903-1964). Não apenas o compositor de duas das canções brasileiras mais conhecidas no mundo — “Aquarela do Brasil” e “Na baixa do sapateiro” — e das imortais “No tabuleiro da baiana” e “Isto aqui, o que é?”, mas também um comunicador de avassaladora popularidade no rádio e na TV, seja como apresentador de programa de calouros, seja como narrador nada imparcial de jogos de futebol. Flamenguista, pianista, vereador, boêmio e frasista consagrado no folclore nacional, esse carioca de coração e alma volta para contar sua própria história em “Ary”.

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A ideia para o filme — um documentário nada ortodoxo, à base de imagens de arquivo, cenas ficcionais e narração do ator Lima Duarte , como se fosse o próprio Ary — surgiu há cerca de 12 anos. Pianista formado, com passagem pelo grupo Família Roitman, André tinha acabado de ganhar o prêmio de melhor curta-metragem no festival de documentários É Tudo Verdade (em 2009, por “No tempo de Miltinho”) quando foi apresentado por Sérgio Cabral, biógrafo do compositor, a sua viúva, Mariúza. Nasceu uma amizade que se estendeu por tardes a fio, passadas no piano de Ary, até a morte da mulher. Tardes em que o diretor pensava em como dar um palco à altura do personagem.

— Sou meio cavalo do Ary. Ele fala para fazer, eu vou e faço. Esse será um filme sacana, que tem a brincadeira, que está afinado com o diapasão do Ary, o cara de carne e osso, sem o Barroso e sem a “Aquarela” — define André Weller, que começou as filmagens na quinta da semana passada no apartamento em Ipanema onde permanece o piano vermelho com motivos orientais que o artista ganhou por ter composto “Aquarela do Brasil”. — É a cena mais difícil, a da abertura, em que eu toco. O piano é como uma caixinha de música que se abre e tudo revela

André Weller, diretor de docudrama sobre o compositor Ary Barroso, diante de busto do compositor Foto: Divulgação
André Weller, diretor de docudrama sobre o compositor Ary Barroso, diante de busto do compositor Foto: Divulgação

Diante da escassez de imagens em movimento de Ary Barroso, André optou pela narração de Lima Duarte (mineiro como o compositor, e que chegou a esbarrar com ele nos corredores da Rádio Tupi) e pelas cenas dramatizadas para estabelecer uma espécie de “conversa ao pé do ouvido” com o espectador.

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Nada cronológico, “Ary” parte da última noite de vida do artista, que morreu de cirrose hepática, num sábado de carnaval, no momento em que a Império Serrano iria iniciar um desfile em sua homenagem. Na sexta, foi filmada a cena do velório, na igreja onde ele de fato aconteceu — Santa Teresinha do Menino Jesus, em Botafogo, ao lado do shopping Rio Sul — com a participação de um sósia de Ary que, bem de acordo com o espírito do filme, simula falas de dentro do caixão.

Ao longo do fim de semana, André filmou (sempre com a câmera premiada de Lula Carvalho) as outras cenas de dramaturgia do filme. No domingo, os atores Felipe Rocha, Juliana Guimarães e Alan Rocha encarnaram os calouros que enfrentaram o rigoroso juiz Ary em seus programas de rádio — alguns que seguiram anônimos e outros como Luiz Gonzaga, Elizeth Cardoso e, mais notadamente, Elza Soares (que teria dito a Ary o memorável “eu vim do planeta fome!”).

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No sábado, no Colégio Sion, Dira Paes e Stepan Nercessian contaram a triste infância do compositor em forma de radionovela. Já Leo Jaime (como Antônio Maria) e Marcos Caruso (como o parceiro Luiz Peixoto) reencenaram algo que só poderia ter acontecido com Ary Barroso: passagens anedóticas no leito de morte.

— Relembrar a vida de Ary é mergulhar nesse universo por um viés único, de quem viveu intensamente sua brasilidade por meio da sua arte, e elevou seu país a um patamar internacional de reconhecimento — diz Dira Paes. — A nova geração precisa conhecê-lo. E nós, nunca esquecê-lo.

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André Weller parte agora para a finalização de “Ary”. O filme, ainda sem previsão de estreia, terá imagens inéditas do compositor, encontradas nos arquivos do Museu da Imagem e do Som (do casamento da filha Mariúza e de um fim de semana com os netos, no sítio em Araras) e mesmo em Hollywood — caso de um fragmento da pré-estreia de “Alô, amigos!”, no México, com um animado papo entre Ary, Walt Disney e as irmãs Carmen e Aurora Miranda.