Exclusivo para Assinantes
Cultura

Paulinho da Viola: 'O samba não vai morrer nunca porque o nosso povo não deixa'

Idealizador da Velha Guarda da Portela, que está completando 50 anos com agenda de shows escassa, afirma: 'Não embarco nessa de dizer que tudo acabou
Paulinho da Viola Foto: Jorge Bispo
Paulinho da Viola Foto: Jorge Bispo

Paulinho da Viola idealizou a Velha Guarda da Portela, que celebrará 50 anos em show com convidados ilustres dia 11 de abril, na quadra de Madureira. Foi ele o responsável pela organização do disco “Portela, passado de glória”, de 1970, que registrou sambas centenários compostos pelos mais antigos da azul e branco e é considerado pedra fundamental para sua fundação.

Diante da dificuldade do coletivo em viver de música (a maioria tem que fazer bico para completar o orçamento) e da falta de convites para shows, o músico pede apoio para que esta instituição, tão fundamental para a preservação da memória artística brasileira, continue mantendo a chama acesa. No entanto, afirma que, se o samba dependesse de tocar nas rádios, aparecer na TV ou mesmo de incentivo do poder público, já teria morrido.

O samba continua maltratado, como diz Monarco?

Eu também pensava assim. Mas se a gente lembrar que, no começo da década de 1980, não ouvíamos nas rádios nada de música brasileira... Até que começaram a fazer um investimento em grupos novos que estavam surgindo, como Os Paralamas do Sucesso e a Blitz. Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e Fundo de Quintal lotavam ginásios enormes e não tocavam em rádio. Vi vários produtores dizerem a frase “precisamos acabar com essa velharia”, se referindo ao samba. O fato é que o samba não morreu nem vai morrer nunca porque o nosso povo não deixa.

Sempre vai ter espaço para a História?

A cultura brasileira é tão rica que a gente não consegue dar conta dela. É uma quantidade enorme de artistas, é difícil ter espaço para todo mundo mostrar seu trabalho. E não é só a Velha Guarda que sofre com isso. Mas a História sempre será resgatada em algum momento. “Carinhoso” foi feita por Pixinguinha em 1917 e está aí, tocando em bloco de carnaval, com jovens e velhos cantando a letra. Temos a sensação de que tudo é efêmero. Uma hora dizem que o LP acabou, depois o CD, agora é só internet... À margem disso tem a História, que de vez em quando aflora. Como aconteceu com o choro em 1970. Hoje existe a Casa do Choro, escolas de choro na Holanda, no Japão. Não embarco nessa de dizer que tudo acabou. Acho que estamos atingindo um novo tempo que a gente não sabe muito bem o que é.

Como foi sua aproximação com a Velha Guarda da Portela naquele tempo?

Eu já frequentava a Portela, era muito novo, 22 anos. Tinha interesse em saber mais sobre a história. Sempre houve um grupo de antigos fundadores da escola que deram enorme contribuição para a primeira fase da Portela, lá nos anos 1950. Esse grupo foi sendo reduzido, e eu queria saber o que havia acontecido antes. Ia assistir aos ensaios, fui fazendo muitos amigos e fiquei próximo de compositores antigos como o Boaventura ( dos Santos ), o Ventura, uma das três vozes de ouro da Portela. Ele cantava muito bem e era um dos que ainda frequentavam os compositores mais jovens. Outros da geração dele já não iam mais. Eu jogava futebol no campo da Cedae, em São Cristóvão. Um dia, quando o jogo acabou, o João Araújo, pai do Cazuza, me falou: “Sou diretor artístico da RGE, se você tiver algum projeto, me fala”.

E aí você falou da Portela?

Eu tinha um fusca, voltei para a casa dirigindo e pensando naquilo. Comecei a escrever umas coisas e me veio a ideia de tentar algo com o pessoal mais antigo da Portela, aqueles da velha guarda. Boaventura os reuniu e eles deixaram vários sambas registrados numa fita. A ideia era fazer um registro da importância daquilo. Fiz tudo (o disco “Portela, passado de glória” ) sozinho, na Central do Brasil, com muita rapidez. Era algo bem simples. Não havia um grupo para acompanhar a velha guarda, e meu pai ( o violonista César Faria ) entrou na gravação para formar uma base. Na época, o disco teve uma repercussão muito grande, eu não esperava. Fizemos muitos shows pelo Brasil. Aí surgiu a Velha Guarda Show.