Cultura

Paulo Gustavo foi um artista popular por excelência

O ator se impôs como exceção sempre que o assunto era a diminuição de público sofrida no teatro, no cinema e até na televisão
Paulo Gustavo em 'Minha mãe é uma peça' Foto: Páprica Fotografia
Paulo Gustavo em 'Minha mãe é uma peça' Foto: Páprica Fotografia

O Brasil perde, precocemente, um dos seus grandes comediantes: Paulo Gustavo. Num século XXI repleto de reviravoltas, muitas delas amargas e dolorosas, o ator se impôs como exceção sempre que o assunto era a diminuição de público sofrida no teatro, no cinema e até na televisão. Capaz de superar qualquer crise no veículo que fosse, Paulo conquistou uma enorme e fiel legião de fãs. Foi celebrado, com justiça, como um artista popular por excelência.

Seu trabalho mais conhecido continua sendo “Minha mãe é uma peça” . A composição da verborrágica e passional dona de casa Hermínia, em constantes embates com os dois filhos e o ex-marido, nasceu no pequeno e aconchegante palco do Teatro Candido Mendes — espaço com tradição no terreno do humor, sede informal do saudoso besteirol ao longo dos anos 1980.

A montagem dirigida por João Fonseca não demorou a estourar. Sucesso absoluto no teatro, “Minha mãe é uma peça” migrou para o cinema. As gargalhadas dos espectadores, proporcionadas pelo timing irretocável de Paulo Gustavo, determinaram a realização de duas sequências. Os sucessivos recordes de bilheteria resgataram a expressão “cinema é a maior diversão”.

Inspirada na mãe do ator, Déa Lúcia , e reconhecível de imediato pelo público, Hermínia traz à tona outra personagem da dramaturgia brasileira: Aspázia, a mãe tomada por arroubos catárticos das peças autobiográficas de Mauro Rasi. A referência na construção de Hermínia pode não ter sido direta, mas Paulo Gustavo se preocupou com a formação artística, ao invés de repousar no carisma de comediante intuitivo, percepção evidenciada durante o período em que cursou a Casa das Artes de Laranjeiras (CAL).

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Nesse instante, assumo a primeira pessoa para lembrar de Paulo Gustavo em minhas aulas de história do teatro na CAL, principalmente no que diz respeito à habilidade de conciliar o perfil irrequieto com o interesse pelas jornadas de artistas do passado que marcaram a cena brasileira. A mesma abertura para o desconhecido caracterizou sua atuação na parte prática do curso, a julgar pela proximidade que estabeleceu com os fundamentos de Stanislavski e Grotowski nas aulas ministradas por Celina Sodré.

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Parcerias importantes

Paulo Gustavo concluiu a CAL no primeiro semestre de 2005 com “João Ternura”, livre adaptação da obra de Aníbal Machado, em montagem dirigida por Marcus Alvisi. Dentro do curso, firmou parcerias importantes que atravessariam sua carreira — particularmente com Fábio Porchat e Marcus Majella. Ao lado de Porchat, estreou, antes de “Minha mãe é uma peça”, no Teatro Candido Mendes, “Infraturas”, encenação assinada por Malu Valle, que revelava o entrosamento cênico e o talento dos dois atores. Já Majella esteve em projetos de repercussão na TV como “220 volts” e “Vai que cola”, ambos no canal Multishow.

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Como se pode notar, a trajetória de Paulo Gustavo não se resumiu a “Minha mãe é uma peça”. No teatro apresentou “Hiperativo”, espetáculo dirigido por Fernando Caruso, no qual externou seus medos e inseguranças, abordados a partir de um humor contagiante. Em “On line”, como o próprio título indica, se debruçou sobre as mudanças comportamentais decorrentes da guinada para o virtual. E no mencionado “220 volts” levou para o palco as personagens femininas do programa de TV — entre elas, cabe evocar a impagável Senhora dos Absurdos, aristocrata que não hesita em expor seus preconceitos.

A aclamação fez com que alguns trabalhos de Paulo Gustavo transitassem entre diferentes veículos artísticos — casos de “Minha mãe é uma peça”, “220 volts” e “Vai que cola”, sitcom exibida no Multishow, com plateia ao vivo, que chegou ao cinema em 2015, sob a direção de César Rodrigues. Paulo Gustavo ainda dominou a tela em “Divã” (2009), filme de José Alvarenga Jr., em que se destacou em rápida participação como o cabelereiro Renée (a produção rendeu série na Globo), “Os homens são de Marte... e é pra lá que eu vou” (2014), de Marcus Baldini, e “Minha vida em Marte” (2018), de Susana Garcia — nos dois últimos frisando a conexão com Mônica Martelli.

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O ritmo de trabalho e a projeção alcançada provam que Paulo Gustavo ganhou o mundo. Mas, em momento nenhum, ele perdeu de vista os vínculos afetivos. Aproximou-os de seu cotidiano incessante, a exemplo das presenças do marido, Thales Bretas, e dos filhos, Gael e Romeu, no filme “Minha mãe é uma peça 3” (2019), de Susana Garcia, e do show que fez ao lado de Déa Lúcia, “O filho da mãe”, forma de valorizar a faceta artística da cantora da noite no passado e sua eterna fonte de inspiração.

*Daniel Schenker é crítico de teatro e cinema