Cultura

Pequenas livrarias contam com redes sociais e lealdade de clientes para enfrentar a crise na pandemia

Livreiros recebem pedidos por WhatsApp e fazem entregas de carro e bicicleta; mapas interativos informam sobre lojas de rua funcionando on-line
Foto da Livraria Janela, no Rio, que abriu as portas pouco antes da imposição da quarentena Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Foto da Livraria Janela, no Rio, que abriu as portas pouco antes da imposição da quarentena Foto: Ana Branco / Agência O Globo

SÃO PAULO – No mercado editorial há 13 anos, Beatriz Alves , gerente de vendas internacionais da HarperCollins , é apaixonada por livrarias de rua. Desde que a quarentena obrigou as lojas a fecharem as portas, ela tem observado os livreiros do Bela Vista, bairro onde mora, na região central de São Paulo, correndo de lá para cá, de carro ou bicicleta, de máscara e luvas, para atender aos clientes que passaram a encomendar livros por telefone, redes sociais e WhatsApp. Para ajudar quem viu seu faturamento despencar, Beatriz criou um mapa colaborativo na internet onde é possível cadastrar livrarias que, apesar das portas fechadas, não pararam de vender.

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— Percebi, nas redes sociais, que muitos leitores queriam comprar de pequenas livrarias durante a quarentena, mas não sabiam como. Não foi nenhuma ideia revolucionária. Só quis plantar uma semente — conta. — Comecei com umas cinco livrarias aqui de São Paulo e agora já perdi a conta porque foram cadastradas lojas de 15 estados! O mapa já teve mais 10 mil acessos desde o fim de março.

Na internet, há outras listas colaborativas que informam sobre o funcionamento de livrarias durante a quarentena. Uma delas está no site da editora Todavia .

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A pandemia derrubou a venda de livros no Brasil. Segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) , a queda foi de 40% na segunda quinzena de março , quando o comércio fechou. Para socorrer o setor, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) apresentou na quinta-feira um projeto de lei para que bancos públicos e agências de fomento abram linhas de crédito a pequenas editoras e livrarias, com juros e condições camaradas enquanto durar a epidemia de Covid-19. O PL 2.149/2020 altera a Política Nacional do Livro, de 2003, e propõe também que os Correios subsidiem o envio de livros.

Desde os pedidos de recuperação judicial de Saraiva e Cultura, em 2018, as livrarias de rua voltaram a cair no gosto dos leitores por oferecerem boa curadoria de títulos e espaços agradáveis para cafés, encontros, cursos e troca de ideias — apesar dos preços mais altos do que os da Amazon e de outros sites. Como muitas não tinham experiência de venda on-line, contam com estoques limitados e dependem da circulação de pessoas e do papo dos livreiros para vender, as pequenas livrarias são mais ameaçadas pela crise e buscam maneiras criativas de migrar para internet e não perder clientes.

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Segundo Thiago Tizzot, proprietário da Arte & Letra, em Curitiba, o maior desafio é transportar a figura do livreiro para o mundo virtual. Não adianta disponibilizar todo o estoque on-line. É importante saber vender o livro e surpreender o leitor indicando bons títulos com os quais ele talvez não topasse num e-commerce qualquer.

— Simular virtualmente a figura do livreiro é chave para manter um volume de vendas razoável — diz Tizzot. — Sem um livreiro para apresentar o que o leitor não conhece não dá para competir com as grandes redes . O negócio não é só vender, mas fazer o cliente dar valor à experiência completa oferecida por uma livraria de rua, como a exposição não só de lançamentos, mas também de livros de editoras independentes e títulos pouco conhecidos e difíceis de encontrar.

Vem de zap

As livrarias ouvidas pelo GLOBO estão recebendo pedidos por telefone, WhatsApp, e-mail, redes sociais e também pelos sites que alguns não tinham antes da quarentena. O da Livraria Simples , de São Paulo, estreou duas semanas após o fechamento da loja e conta com uma seção para a troca de livros — prática já incentivada antes da quarentena. Aos sábados, as calçadas em frente à Simples eram ocupadas por uma feira de troca de livros. Quem quiser trocar pelo site paga R$ 2,95 de frete e se compromete a passar na livraria para deixar um livro usado quando a pandemia acabar. As portas da Simples estão fechadas, mas clientes podem retirar encomendas na janela da livraria.

— Nosso faturamento caiu 30%, mas estamos conseguindo segurar o rojão — afirma Beto Ribeiro, dono da Simples, que notou um aumento da venda de livros para presente e de títulos sobre a falência do neoliberalismo. — Está difícil lidar com a quantidade de mensagens que estamos recebendo de clientes, dos que pedem livros e dos que perguntam como estão nossa saúde e os negócios.

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Daniela Amendola e Roberta Paixão , donas de outra livraria paulistana, a Mandarina, também comemoram a solidariedade dos clientes. A loja abriu as portas em agosto de 2019 e, além de livros, oferece cursos (que passaram a ser virtuais) e café.

— Nos surpreendeu o apoio de nossos clientes. É quase como se estivessem aqui, presencialmente. Eles divulgam a Mandarina e pedem aos amigos para comprar em livrarias de rua — conta Daniela.

A quarentena obrigou a livraria a acelerar os planos digitais. Seu e-commerce deve começar a funcionar em maio. Enquanto isso, pedidos podem ser feitos por redes sociais, e-mail, telefone e WhatsApp. Se o cliente é de São Paulo, uma das sócias faz a entrega com o próprio carro. Se não é, elas apelam para os Correios.

— Já mandamos livro para o interior, para o Rio, Espírito Santo, Paraíba e Ceará — comemora Roberta, que percebeu o interesse dos clientes por distopias e livros sobre epidemias, como “A peste”, de Albert Camus , e “Nêmesis”, de Philip Roth.

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A Livraria Janela , no Rio, foi inaugurada em 13 de março. Três dias depois, entrou em quarentena. Continua ativa na redes sociais, mas não recebe pedidos por lá. Em breve, o estoque vai começar a ser vendido no site Bom de Livro, uma parceria com a distribuidora Catavento. As sócias da Janela, Leticia Bosisio e Martha Ribas , preferiram esperar um pouco para entrar de vez no comércio digital. Enquanto a epidemia não passa, a Janela corre para lançar seu site, mas quer reafirmar sua vocação analógica.

— Apesar de estarmos fechados e, é claro, precisando vender, queremos sempre lembrar que as livrarias de rua são lugares de encontro e de reflexão — diz Leticia.