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Cultura

Por que a Secretaria Especial da Cultura tem sido o papel mais difícil de Regina Duarte

Atriz foi desautorizada pelo Planalto diversas vezes e segue sem autonomia para trabalhar
A secretária especial da Cultura, Regina Duarte Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
A secretária especial da Cultura, Regina Duarte Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — Há apenas dois meses à frente da Secretaria Especial da Cultura, Regina Duarte , que se reúne com o presidente Jair Bolsonaro, para definir seu futuro no governo , coleciona uma série de derrotas e saias-justas em sua gestão. A primeira veio já na cerimônia de posse, no dia 4 de março. Ao discursar, Regina tentou arrancar do presidente uma confirmação de que teria autonomia para trabalhar, como ele lhe prometera ao chamá-la para o cargo.

— O convite que me trouxe até aqui falava em porteira fechada e carta branca. Não vou esquecer não, hein presidente — disse a atriz, que levou 47 dias entre o convite e a posse, ou o "namoro", o "noivado" e o "casamento", como ela e Bolsonaro batizaram a negociação .

Acabou ouvindo do chefe, em discurso após o dela, que a tal "carta branca" prometida para montar sua equipe não seria bem do jeito que ela imaginava.

— Regina, todos os meus ministros também receberam seus ministérios de porteira fechada. É o linguajar político, ou seja, eles têm liberdade para escolher seu time. Obviamente, em alguns momentos eu exerço poder de veto. Já o fiz em todos os ministérios, até para proteger a autoridade, que por vezes desconhece algo que chega ao nosso conhecimento — rebateu Bolsonaro .

O caso Mantovani

Logo na sequência, Regina já virou alvo de militantes bolsonaristas nas redes sociais, após demitir uma série de nomeados por Roberto Alvim , exonerado por plagiar um discurso do ministro da propaganda nazista , Joseph Goebbels . Entre os afastados pela atriz estavam integrantes da ala ideológica do governo seguidores do escritor Olavo de Carvalho . Um deles era justamente  o maestro Dante Mantovani , então presidente da Funarte, que nesta terça (5) foi renomeado para o cargo, pegando a secretária de supresa nas primeiras horas do dia. A nomeação foi cancelada pelo presidente no fim da tarde .

Desde que afastou Mantovani e outros, a atriz passou a sofrer sucessivos ataques públicos em redes sociais e começou a ser minada dentro do governo. A perseguição a  levou a afirmar, em sua primeira entrevista como secretária Especial da Cultura, que tinha virado alvo de “uma facção” que queria ocupar seu lugar no governo . Falando ao “Fantástico”, da TV Globo, no dia 8 de março,  ela disse esses grupos estavam fazendo pressão por sua demissão.

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As declarações repercutiram como uma bomba entre integrantes do governo. O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos , comentou o caso afirmando que " são seus ministros e secretários que devem se moldar aos princípios publicamente defendidos por Bolsonaro, não o contrário".

Choque com presidente da Palmares

Na mesma entrevista dada ao "Fantástico", Regina se referiu ao presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo , como "um problema". Ele havia sido afastado do cargo pela Justiça por suas declarações negando a existência de racismo, defendendo que a escravidão foi benéfica e pedindo o fim do movimento negro . A Advocacia Geral da União recorreu da decisão, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou derrubando a liminar que impedia a nomeação. Com o apoio de Bolsonaro, Camargo voltou ao cargo.

Regina havia pedido sua exoneração, porém o governo  optou por mantê-lo na entidade que é vinculada à Secretaria Especial da Cultura. O episódio iniciou uma série de ataques públcos de Camargo desafiando sua superior.

Em uma postagem na internet, ele escreveu: "bom dia a todos, exceto a quem chama apoiadores de Bolsonaro de facção e o negro que não se submete aos seus amigos da esquerda de 'problema que vai resolver'".

Chá de cadeira de Paulo Guedes

Desde o início da paralisação da Cultura por causa do coronavírus, Regina recebeu uma enxurrada de demandas da classe artística para amenizar a crise econômica do setor. Ainda em março, ela pediu para ser recebida pelo ministro da Economia , Paulo Guedes, para apresentar as necessidades do segmento cultural. Porém, nunca chegou a ser recebida por ele.

Rompimento de aliados

Tradicional defensor do governo e cotado para integrar a equipe da Secretaria Especial da Cultura, o ator Carlos Vereza afirmou recentemente que não apoia mais Jair Bolsonaro . O rompimento ocorreu após o presidente demitir o ministro Luiz Henrique Mandetta da Saúde, em meio à pandemia do novo coronavírus. Em um publicação na internet, Vereza resumiu seu sentimento em relação ao governo "não dá mais: tirei o time".

Diretor demitido após campanha difamatória

Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de Londres, o psicólogo e historiador Aquiles Brayner teve sua nomeação para o cargo de diretor do Departamento de Livro, Literatura e Bibliotecas anulada três dias  após ter sido feita. Apesar de ter trabalhado no gabinete pessoal do presidente Jair Bolsoanto anteriormente, sua nomeação na Cultura deu início a uma campanha difamatória movida por perfis bolsonaristas . Brayner foi alvo de ataques homofóbicos e acusações de que  seria um "esquedista infiltrado" no governo.

Limbo entre dois ministérios

Desde que assumiu a secretaria, Regina se viu em condições adversas para tocar seu plano de gestão. A pasta da Cultura segue com sua operação dividida entre os ministérios da Cidadania e do Turismo, apesar de ter sido transferida para este último em novembro do ano passado.

No entanto, a mudança completa da estrutura não foi concretizada. Ela depende de um novo decreto já  editado, mas não publicado pelo governo federal. Com a divisão entre as duas estruturas, a tramitação dos projetos de Regina precisam passar por todas etapas burocráticas dos dois ministérios. A divisão resultou na perda total de autonomia da secretária, que não assinou nenhum despacho desde que foi empossada.

Recado de Bolsonaro

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro reclamou da ausência da secretária em Brasília . Em entrevista na porta do Palácio da Alvorada, ele afirmou que não está prevista nenhuma troca no governo agora, mas não descarta alterações no futuro.

— Infelizmente a Regina está em São Paulo, trabalhando pela internet. Eu quero é que ela esteja mais próxima.

Ele afirmou ainda que ela tem tido problemas em lidar com questões que desagradam ao governo dentro da pasta

— ( A Secretaria tem ) muita gente de esquerda pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite. E ela tem dificuldade nesse sentido — justificou.

'Eu acho que ele está me dispensando'

Neste terça-feira, após a surpresa da renomeação de Dante Mantovani, áudio registrado pela revista "Crusóe" trouxe um diálogo entre Regina e uma assessora não identificada, no qual a atriz conta que achava que estava sendo dispensada e ouve que Edir Macedo já teria indicado seu substituto.

O "Jornal Nacional" reproduziu o áudio e procurou o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, que negou a indicação.