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Por que Sylvia Plath se tornou musa dos millenials

Jovens adultos se indentificam com autora que antecipou temas como feminismo, depressão e inadequação social
Modelo com camiseta com imagem da autora Sylvia Plath Foto: Reprodução
Modelo com camiseta com imagem da autora Sylvia Plath Foto: Reprodução

Em agosto, a livreira Juliana Gomes, de 43 anos, tatuou em seu antebraço esquerdo uma referência a um famoso trecho de “A redoma de vidro” (1963), único romance de Sylvia Plath: “I am. I am. I am.” (“Eu sou. Eu sou. Eu sou.”). Antes mesmo de decidir o que iria eternizar, já sabia que sua primeira tatuagem deveria ter alguma relação com a escritora e poeta americana. Como muitos fãs, Juliana tem uma relação visceral com Plath (1932-1963). A leitura, diz, foi uma catarse. Como se a autora a “pegasse pela mão”.

— Ela era o que eu precisava naquele momento — lembra Juliana, que escreveu a orelha da última edição de “A redoma de vidro” no Brasil, lançada neste ano pela Biblioteca Azul.

Camiseta com imagem de Sylvia Plath Foto: reprodução
Camiseta com imagem de Sylvia Plath Foto: reprodução

Essa proximidade com os leitores fez de Sylvia Plath um fenômeno em todo o mundo. A maneira franca como ela se coloca em sua escrita, falando de fragilidade emocional e doença mental, permite identificação imediata. Sua vida também intriga e fascina: seu casamento problemático, sua luta diante da depressão, e até seu senso de estilo — ela já foi chamada de “Marilyn Monroe da literatura moderna” e apontada como ícone fashion.

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O “efeito Plath” é ainda mais significativo se levarmos em conta que sua obra é curta. Interrompida por seu suicídio, aos 30 anos, é composta por um diário, um romance, 50 contos e 287 poemas. Por isso, cada inédito que aparece é recebido como um acontecimento.

'Sylvialatria’

Em janeiro, o lançamento do conto “Mary Ventura e o Nono Reino” — escrito em 1952 e nunca publicado — foi tratado como “um dos eventos literários” de 2019, “e quiçá dos últimos 50 anos”, pela Harper Perennial, que o editou nos EUA. Agora, é a vez de o texto chegar ao Brasil, pela Biblioteca Azul com tradução da poeta Bruna Beber ( leia sobre o livro na página 3 ). A editora também lançará em 2020 uma inédita coletânea de contos, ainda sem título em português, com tradução da poeta Ana Guadalupe.

Entre os fiéis de Plath, é comum ouvir que a americana foi importante em momentos delicados de suas vidas. Editores falam de uma certa “Sylvialatria” — semelhante à chamada Fridolatria, que leva a imagem da pintora mexicana Frida Kahlo a paredes, almofadas e blocos de carnaval. São ambas artistas cultuadas pela relação entre vida e obra, que produziram a partir de dores pessoais.

Camiseta com citação de Sylvia Plath: "Out of the ash / I rise with my red hair / And I eat men like air" Foto: Reprodução
Camiseta com citação de Sylvia Plath: "Out of the ash / I rise with my red hair / And I eat men like air" Foto: Reprodução

Embora não sejam fenômeno de vendas, os livros de Plath são comercializados no longo prazo conforme descobertos por novas gerações. Um exemplo são seus “Diários”. Relançados em 2017 após dez anos fora de catálogo, tiveram a primeira tiragem esgotada em dez meses, algo acima das expectativas.

— Notamos que Sylvia Plath é um fenômeno de engajamento — diz o editor Lucas de Sena, da Globo Livros, do selo Biblioteca Azul. — Seus leitores são apaixonados, relatam como a autora consegue dar voz ao que sentem. Plath lida com dilemas do amadurecimento, a entrada na vida adulta. Fascina ver como esta geração de jovens a abraçou.

Autora dá voz a leitores

Autora de “Céu sem estrelas”, Íris Figueiredo, 27 anos, é uma millennial que abraçou Plath. Ao ler “A redoma de vidro” e os diários, Íris sentiu que a escritora colocava em palavras o que ela mesma “queria falar, mas não sabia exatamente”, como a cobrança para corresponder a expectativas socialmente impostas.

— Foi o que me fez voltar à terapia — conta. — No “Céu sem estrelas”, inclusive, o livro favorito da protagonista é “A redoma de vidro”. Quem conhece a obra percebe que isso diz muito sobre a personalidade dela. E eu acho muito legal que os leitores, após terminar meu livro, procurem o livro dela.

Arquiteta com mestrado em psicologia social na UFRGS, Janaína Ghiggi, 30 anos, citou uma frase dos diários de Plath (“Ter nascido mulher é minha tragédia horrorosa”) em sua pesquisa sobre os processos de subjetivação das mulheres no espaço urbano.

— Lembro que ela conseguiu descrever de uma maneira inédita para mim até então a angústia da depressão naquele livro (os diários) — diz Janaína. — Acho que eu precisava acessar esse diálogo, que nunca tinha sido tão claro como ela descreve

Camiseta com imagem de Sylvia Plath Foto: Divulgação
Camiseta com imagem de Sylvia Plath Foto: Divulgação

Plath também ganhou força com a nova onda feminista. Desde os anos 1970, ela já era desenhada como uma espécie de mártir do movimento. Mas cartas reveladas em 2017 trouxeram mais sinais do comportamento abusivo de seu marido, o poeta Ted Hughes — e muita gente passou a culpá-lo pelo suicídio da autora.

Para Juliana Gomes, há outro fator que liga Plath às novas gerações. Ela cita “A redoma de vidro”, cuja protagonista precisa lidar com uma doença mental quando chega ao auge profissional.

— É um livro que tem muito a ver com nossos tempos, em que a vida está nas redes e tudo parece colorido, mas nem sempre é assim — diz Juliana. — A dor por não ser o que esperam dela espelha a frustração de vários jovens hoje. Não sei se Sylvia era feminista, mas com certeza inspirou muitas feministas.