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Cultura

‘Precisamos reaprender a discutir ideias, sem agressões’, diz Antonio Fagundes

Ator lança seu primeiro longa como produtor, o thriller ‘Contra a parede'
Antonio Fagundes interpreta o jornalista Caca Viana no filme “Contra a parde” Foto: Divulgação
Antonio Fagundes interpreta o jornalista Caca Viana no filme “Contra a parde” Foto: Divulgação

“A minha premissa, para teatro e cinema, é a independência, porque submeter seu produto a uma avaliação sem que ele tenha sido finalizado tira a autonomia”

Antonio Fagundes
Ator e produtor

RIO — Antonio Fagundes lançará neste sábado a sua primeira investida como produtor de cinema, o longa “Contra a parede”. Filmado em 2017, com roteiro e direção de Paulo Pons, será o primeiro filme da nova produtora de Fagundes, a Fafilmes. Assim como em suas recentes produções teatrais, o projeto não tem patrocínio da iniciativa privada e nem recursos de lei de incentivo. Produzido com dinheiro próprio — o orçamento não foi divulgado —, o filme é resultado de um ator-produtor em busca de “independência”, ele diz.

— Há décadas produzo teatro de modo independente, sem patrocínio. Não havia tentado o cinema porque os caminhos são mais complicados para fazer com autonomia — diz. — A minha premissa, para ambos, é a independência, porque submeter seu produto a uma avaliação sem que ele tenha sido finalizado tira a autonomia. Tem funcionando no teatro, espero que no cinema também.

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Fagundes busca independência não só para produzir, como para tratar, em seu filme, de temas como ética e corrupção, isenção e conflito de interesses, tanto no jogo político como no campo da mídia. “Contra a parede” narra uma história que, fora da ficção, será vivida por todo brasileiro pelos próximos meses: a corrida das eleições presidenciais.

Protagonizado por Fagundes — no papel de Cacá Viana, âncora do maior telejornal do país —, o filme se passa a três meses das eleições, e projeta na tela uma radiografia das entranhas de um país em convulsão. O timing para a trama é perfeito, e para alcançar o seu “eleitorado”, os espectadores, Fagundes também elaborou a sua estratégia de “campanha” para o filme. Em vez dos cinemas, “Contra a parede” aposta na difusão pela TV e internet, e chegará às telas da TV Globo (Supercine) e do Globo Play simultaneamente.

“O objetivo era colocar os personagens vivendo o que nós estamos vivendo agora. Ele espelha a atualidade e, também, a história do país. ”

Antonio Fagundes
Ator e produtor

— O gargalo do nosso cinema não é nem a produção, mas a exibição, pela competição desigual com filmes de fora, e porque muitos cinemas se interessam mais por pipoca do que por filmes. Além disso, o processo de distribuição, exibição e lançamento é muito custoso — diz Fagundes.

Ele acredita que, ao lançar na TV e na internet, pode “alcançar o maior número de pessoas nesse momento”.

— Começamos a filmá-lo sabendo que teria de ser lançado nessa data. O objetivo era colocar os personagens vivendo o que nós estamos vivendo agora. Ele espelha a atualidade e, também, a história do país. Mas do mesmo jeito que não sabemos o que acontece com o país após o fim do filme, também não sabemos o que acontecerá após essas eleições. Filme e realidade continuarão em aberto.

AQUELAS INFRAÇÕES DIÁRIAS

Em “Contra a parede”, Fagundes interpreta um jornalista em crise, entre dilemas profissionais e pessoais. Amigo íntimo de dois pré-candidatos à Presidência — Roberto Menezes (Marcos Caruso) e Igor Marin (Emílio de Melo) —, Cacá espelha isenção diante das câmeras e tensão nos bastidores. Decidido a encerrar a sua carreira pelo “tédio da audiência, o cansaço e o sentimento de irrelevância” num país que o faz se sentir “como um idiota há 30 anos”, ele prepara sua despedida resignado, até que se vê diante de um acidente de trânsito fatal, que tira a vida de uma mulher, ameaça tirar da corrida eleitoral um dos candidatos e, claro, muda os rumos do filme e de seu personagem.

Entre situações que embaralham verdade e mentira, testemunhos reais e depoimentos comprados, interesses públicos e privados, “Contra parede” coloca um renomado jornalista sob a lâmina de uma faca — após o corte do tal acidente, ele pode tanto encerrar a carreira como exemplo de isenção, como perder sua reputação num escândalo capaz de tomar as redes. Tudo depende de uma série de escolhas, inclusive sobre o que dizer ou não diante de outro jornalista (Caio Blat), que o entrevista e o confronta a fim de testar seu pacto com a verdade.

“É um filme que abre discussões sem encerrá-las, pois acho que o debate público no Brasil precisa ser resgatado. Estamos sendo carregados por palavras de ordem. ”

Antonio Fagundes
Ator e produtor

— O filme, por suas muitas reviravoltas, nos faz perguntar quem são essas pessoas — diz Fagundes. — O Cacá é o herói que ele quer parecer? Mas ele também mente, erra, ou seja: evidenciamos a humanidade dos personagens. Mostramos as pequenas infrações diárias que cometemos sem pensar, e são essas infrações que resultam no quadro que vivemos agora. É um filme que abre discussões sem encerrá-las, pois acho que o debate público no Brasil precisa ser resgatado. Estamos sendo carregados por palavras de ordem. Precisamos reaprender a discutir ideias, sem agressões.

LIVRO ANALISA A TRAJETÓRIA DO ATOR

Capa do livro “Antonio Fagunes — No palco da história: um ator”, de Rosangela Patriota Foto: Divulgação
Capa do livro “Antonio Fagunes — No palco da história: um ator”, de Rosangela Patriota Foto: Divulgação

O filme e a produtora de Antonio Fagundes estão sendo lançados no momento em que o ator celebra 50 anos de sua estreia na TV e no cinema, em 1968. Se o aniversário, por um lado, marca o início de uma nova etapa, por outro também possibilita uma retrospectiva da sua trajetória. Esse é o objeto do livro “Antonio Fagundes — No palco da história: um ator” (Perspectiva), de Rosangela Patriota, que chega às livrarias nesta semana.

— O livro é resultado de uma pesquisa séria e que não conta só a minha história. A partir da minha trajetória, a obra contextualiza importantes temas sobre as condições de criação e produção cultural no país — diz Fagundes

“Antonio Fagundes — No palco da história: um ator”

Autor: Rosangela Patriota.

Editora: Perspectiva.

Páginas: 488.

Preço: R$ 84,90.