Cultura

Presente? Regina Duarte irá assumir Cinemateca Brasileira com salários atrasados e acervo ameaçado

Maior guardiã da memória audiovisual do país, instituição está sem verbas para manutenção e pode ter a luz cortada a qualquer momento por burocracia do próprio governo
A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, tem um acervo de mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que contam a história do audiovisual no país Foto: Divulgação
A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, tem um acervo de mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que contam a história do audiovisual no país Foto: Divulgação

RIO — Responsável pela gestão de mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que contam a história do audiovisual brasileiro, a Cinemateca Brasileira, que Regina Duarte diz ter ganhado de presente após deixar a Secretaria Especial da Cultura , vive uma crise que já coloca em risco a manutenção de seu acervo. Com seu contrato vencido em dezembro, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que gere a Cinemateca, parou de receber recursos do governo federal. Desde então, a Acerp vem tentando negociar a renovação do contrato.

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A classe artística reagiu à nova mudança com críticas à apatia da gestão de Regina à frente da Secretaria, preocupação com o futuro da Cinemateca e descrença quanto ao trabalho do próximo secretário: " Não importa, será mais um fantoche ", disse Maitê Proença.

Com as sucessivas mudanças na Cultura , as negociações pela manutenção da Cinemateca foram avançando e voltando à estaca zero. Enquanto isso, segundo funcionários da instituição, os custos operacionais vinham sendo mantidos pelo caixa da associação. No fim do mês, porém, os funcionários foram comunicados que, devido à pandemia do novo coronavírus, o trâmite burocrático estava demorando mais do que o previsto, e haveria atraso no pagamento dos salários referentes ao mês de abril.

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A expectativa era que a situação se normalizasse já na primeira semana de maio. Até agora, no entanto, os salários ainda não foram pagos. A reportagem apurou que a falta de recursos prejudicou também outros pagamentos, como a conta de luz, que vem sendo negociada. Em um eventual corte de energia, todo o acervo corre risco, uma vez que a preservação requer condições específicas de temperatura e umidade.

Procurada, a Secretaria Especial da Cultura, à qual a Cinemateca está subordinada, respondeu, em nota, que “o processo de chamamento público, que visa selecionar a Organização Social Federal que manterá e gerenciará a Cinemateca, encontra-se em andamento”. Sobre o risco ao acervo, afirmou, na mesma nota, que “foram tomadas precauções para salvaguardar a memória do cinema brasileiro nesse período”. Mas não detalhou que precauções seriam essas. A Acerp não respondeu aos pedidos de entrevista.

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Vice-presidente da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), Débora Butruce lembra que é da natureza dos materiais fotoquímicos se deteriorarem ao longo do tempo. Por isso, é fundamental que haja espaços de conservação em que a temperatura e a umidade se mantenham estáveis.

— A variação acelera o processo de deterioração dos materiais. Para conservá-los, é preciso uma boa manutenção dos equipamentos e monitoramento contínuo dos espaços de guarda e dos parâmetros de climatização — ela diz.

Segundo Butruce, a estabilidade climática é de suma importância sobretudo para os materiais mais antigos, que compõem boa parte do acervo da Cinemateca.

— Quanto mais deteriorado o material, mais baixos têm que ser os parâmetros de temperatura e umidade para a gente conseguir retardar o processo de deterioração. Sem a estabilidade climática, o risco é você intensificar o processo de deterioração desse material. E, dependendo do estado de conservação, você pode estar selando a sua morte. Ele não vai conseguir resistir por muito tempo, em condições de ser duplicado de forma minimamente adequada, numa situação climática desfavorável.

Sem contrato com o governo federal, a Cinemateca tampouco pode fazer contratações. Por enquanto, serviços essenciais, como o de segurança, ainda estão sendo prestados. O temor de parte dos funcionários da Cinemateca é  com a falta de um horizonte para a resolução do problema. O novo contrato de gestão dependia justamente da aprovação da então secretária especial da Cultura, Regina Duarte.

A Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto administra a Cinemateca Brasileira desde 2018, graças a um anexo ao contrato que a Acerp mantinha com o Ministério da Educação para a gestão da TV Escola. Com o fim desse contrato com a Educação, em dezembro, criou-se um limbo. Na ocasião, a Acerp afirmou estar “alinhada com o governo Bolsonaro e defender os valores do povo brasileiro, inclusive ao buscar levar uma nova programação que atenda as expectativas e os sentimentos da nação brasileira.”

Segundo uma fonte, ainda em dezembro o cineasta André Sturm, indicado para assumir a Secretaria do Audiovisual, reuniu-se, em mais de uma ocasião, com representantes da Acerp para resolver a situação. O plano inicial era criar um termo de parceria emergencial e fazer um chamamento público, a partir de fevereiro, para a realização de um novo contrato de gestão da Cinemateca, a ser iniciado em julho.

Sem nunca ser oficialmente nomeado, Sturm deixou de ir a Brasília no fim de janeiro. Nessa época, com a demissão do então secretário especial da Cultura Roberto Alvim, iniciou-se a longa negociação de Regina Duarte até assumir o cargo, em março. A secretaria do Audiovisual só ganhou titular no mês passado, com a nomeação de Heber Trigueiro.