Cultura

Primeira roadie do show business, Tana Douglas reúne suas histórias com astros do rock em livro

Australiana começou nos anos 70 com AC/DC e esteve na estrada com astros como Rolling Stones, Elton John e Michael Jackson
Tana Douglas no show do programa 'Rockpalast', nos anos 80 Foto: Agência O Globo
Tana Douglas no show do programa 'Rockpalast', nos anos 80 Foto: Agência O Globo

“O que quer dizer quando o vocalista fica apontando pra orelha dele?” A garota tinha 15 anos e entrara sem ingresso, com duas amigas, pela porta de serviço da casa noturna mais badalada de Sydney, na Austrália, a versão local do badalado Whisky A Go Go de Los Angeles. As amigas, extrovertidas, tinham se aboletado em frente ao palco, dançando e jogando beijos para a banda The Foxes, da própria cidade. A garota tímida estava ao lado da mesa de som, maravilhada.

Muitos anos depois, Tana Douglas registraria aquela noite que mudou sua vida no livro de memória “Loud — A life in rock’n’roll by the world’s first female roadie”: “As pessoas que vivem para a música e da música são um povo à parte. A música que a plateia ouve é em grande parte o trabalho de uma multidão de pessoas que ninguém vê”.

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Lançado este mês nos Estados Unidos, o livro mostra como Tana se tornou a primeira mulher roadie da indústria do espetáculo. Uma história que começou naquela noite de 1971, quando teve a sorte de ser uma garota tímida. Encostada num canto do Whisky, ela despertou a curiosidade de Wane “Swampy” Jarvis, um experiente produtor de shows na Austrália dos anos 70.

— Ele notou imediatamente minha curiosidade, o fato de eu ter um monte de perguntas. “Quem é o cara que entra no palco a toda hora? Quem é o outro que carrega um monte de guitarras, mas não toca?” A resposta para todas as suas perguntas era uma só: “eles são roadies” — ela lembra, 50 anos depois, via Zoom, do escritório doméstico de onde administra sua empresa de eventos, em Los Angeles.

Tana Douglas, autora do livro 'Loud' Foto: Lisa Johnson / Divulgação / Agência O Globo
Tana Douglas, autora do livro 'Loud' Foto: Lisa Johnson / Divulgação / Agência O Globo

Naquele momento, Tana decidiu o que seria na vida.

—Eu fiz todas as perguntas, e ele me deu todas as respostas. Não sabia que aquilo era um trabalho, algo que eu podia fazer, algo que eu sempre tinha sonhado: viver na música. E, ao mesmo tempo, ganhar meu sustento.

Em 1974, depois de ter trabalhado com o Foxes, Tana já era uma roadie no tour do AC/DC pela Austrália, tarefa que a tornou oficialmente a primeira roadie da indústria do espetáculo.

— É uma coisa engraçada de dizer, mas eu nunca gostei muito da música deles, embora sempre tenham sido a minha banda favorita — ela diz. — Porque, de todo mundo com quem eu trabalhei, eles sempre foram os mais simpáticos, os mais gente boa, sempre trataram todos os roadies muito bem. Eu os vejo como amigos.

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A opção de uma vida itinerante no mundo da música foi, nas palavras de Tana, “uma saída mágica” para quem, aos 15 anos, já tinha passado por muitas provações — a mãe com problemas mentais que abandonou Tana e sua irmã, o pai distante que a mandou para um colégio interno. O internato não durou muito tempo. Tana fugiu para se juntar, nas palavras dela, “a um bando de hippies” que iam de carona pela Austrália, de festival a festival.

— Desde os meus 10, 11 anos eu era louca por música — Tana recorda. — Meu sonho era ir a Woodstock ver Janis Joplin. Claro que não fui. Mas aos 15 anos dei um basta. Eu queria viver minha vida, e minha vida era a música. E não era só a música como algo que se escuta. Eu queria viver a música.

Com a turnê do AC/DC, Tana Douglas descobriu que sua vida não seria fácil, pelo menos no começo.

— Era uma época muito machista, ainda mais na Austrália, que tem um lado bruto. A equipe em que eu trabalhava era movida a testosterona pura, não havia espaço para coisa alguma que fosse feminina — conta ela, que também diz ter encontrado a solução. — Decidi que ia agir exatamente como eles. Sabia ser durona e não levava desaforo para casa. Meu palavreado era igual ao deles. Eu sabia que estava passando por um teste, mas era valente. Já tinha aprendido muita coisa na vida.

Em pouco tempo, Tana tinha se tornado, nas palavras dela, “a irmã caçula” da turma.

— Eram todos muito protetores, não deixavam ninguém me agredir ou coisa parecida. Bares e festivais eram os piores, muita gente bêbada e doida, querendo criar caso. Meus colegas roadies eram meus anjos da guarda nessa hora.

Nas quatro décadas seguintes, Tana rodou o mundo como roadie de turnês de praticamente todos os grandes astros do rock.

— Todo mundo! — ela frisa, rindo. — Mas, para nós, o trabalho é o mesmo. Algumas bandas precisam de mais luz, outras de mais poder de som. Para nós é isso, trabalho.

Susto com choque

Tana vai lembrando de alguns dos artistas com os quais trabalhou. Suzi Quatro “é um doce, uma pessoa ótima”. Elton John “um perfeccionista, mas, se ele está num dia ruim, melhor ficar bem longe”. Os Rolling Stones? São “o melhor show, sempre”, mas não dão a menor atenção à equipe, conta.

— Michael Jackson era brilhante no palco, mas fazia todo mundo ficar em fila para que ele pudesse “passar em revista”, e ninguém podia olhar para ele. Cada estrela é uma pessoa também, e cada um é diferente.

Ela também fala da profissão como um trabalho árduo, brutal e perigoso, no qual um palco pode desmoronar, um jogo pesadíssimo de luzes despenca, acontecem panes, curtos-circuitos.

— E os roadies fazem de tudo para que o espetáculo continue e aconteça como se nada tivesse acontecido. Acho que os artistas nem notam que tudo isso pode acontecer. E acontece.

Como exemplo, ela lembra que quase foi eletrocutada durante um show de Elton John na Inglaterra, por um um erro do eletricista, e só não foi fatal porque seu tênis tinha sola de borracha. Ela desmaiou, e tremeu durante dois dias.

Estar sempre no mundo da música era e ainda é a alegria de Tana, agora a presidente de sua empresa de espetáculos, e diretora de duas ONGs de apoio aos roadies, Crewcare e Support Act. Ela ainda ama ouvir música “nas coxias, o som é completamente diferente”, e permanece roqueira como a menina que caiu na estrada.

— Continuo produzindo as grandes bandas dos anos 70 80 e 90. O rock não vai morrer nunca. As plateias mais jovens é que têm que se informar melhor.