Cultura

Procuradoria-Geral da República vai investigar declarações de Kim Kataguiri e Monark sobre nazismo; MPSP instaura inquérito

Locutor Bruno Aiub foi desligado do podcast após dizer ser favorável à existência de partido nazista no país; deputado federal do Podemos também criou polêmica ao concordar que apologia ao nazismo não deveria ser crime na Alemanha
Bruno Aiub, conhecido como Monark Foto: Divulgação
Bruno Aiub, conhecido como Monark Foto: Divulgação

RIO — O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou nesta terça-feira, dia 8, a instauração de procedimento para que seja apurada a prática de eventual crime de apologia ao nazismo tanto pelo deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP) quanto pelo até então apresentador do Flow Podcast, Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark . Em razão disso, o locutor foi desligado do programa . A investigação foi motivada por representações enviadas ao Ministério Público Federal (MPF).

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Além disso, o Ministério Público de São Paulo também afirmou ter sido instaurado inquérito civil pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, área de Inclusão Social, contra o influenciador digital e o podcast. O documento pede informações, dentro de 30 dias, ao Flow Podcast e ao locutor Monark e solicita, ainda, abertura de inquérito policial à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI). Ao YouTube, a demanda envolveu a retirada do vídeo contendo a declaração sobre nazismo, bem como o envio ao MPSP da relação de todos os comentários realizados durante o programa. O episódio, já excluído do canal oficial, havia ultrapassado 400 mil visualizações, gerando repercussão com trechos do vídeo em outras redes sociais, de forma que, no Twitter, o assunto ficou entre os mais comentados nesta terça-feira.

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'Conteúdo nazista e antissemita é inquestionável', diz MPSP

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Nesta segunda-feira, dia 7, o apresentador Monark mostrou-se favorável à existência legal de partido nazista no Brasil. Já o parlamentar disse que foi um erro a Alemanha ter criminalizado o partido nazista, responsável pelo Holocausto. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes usaram seus perfis no Twitter para enfatizar que apologia ao nazismo é crime no Brasil.

— A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical, na minha opinião. Eu sou muito mais louco que todos vocês. Acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido — disse Bruno.

Quanto a isso, o MPSP — na portaria assinada por Anna Trotta Yaryd, da 1ª Promotora de Justiça de Direitos Humanos; Reynaldo Mapelli Júnior, 2º Promotor de Justiça de Direitos Humanos; e Lucas Martins Bergamini, analista jurídico — afirmou: "Pois bem. O conteúdo nazista e antissemita é inquestionável".

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"Houve expressa defesa da criação de um partido nazista, como se este partido fosse decorrência do direito à liberdade de expressão. Não é. A criação de um partido nazista representa, em síntese, a criação de um partido político feito para perseguir e exterminar pessoas, notadamente judeus, mas também pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e outras minorias", avaliou, ressaltando que "o discurso discriminatório contra judeus excede os limites da liberdade de expressão".

'Crescimento significativo de células neonazistas no Brasil'

O Ministério Público considerou ainda o "crescimento significativo de células neonazistas no Brasil, citando um estudo da antropóloga Alessandra Dias, segundo o qual havia 334 grupos de inspiração neonazista em atividade no país em 2019, "incluindo hitleristas (maioria), supremacistas brancos, separatistas, negacionistas do Holocausto, Klu Klux Klan, entre outros".

"Em dois anos, este número cresceu em 270,6% no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021, contando hoje com pelo menos 530 núcleos extremistas, com cerca de 10 mil pessoas ativas que propagam ódio contra feministas, judeus, negros e a população LGBTQIA+", acrescentou.

O MPSP lembrou que o direito à liberdade de expressão não é absoluto e deve ser exercido sob limites estabelecidos pela Constituição Federal, que não dá abertura para discurso de ódio, manifestação de racismo ou a prática de discriminação contra grupos sociais específicos, uma vez que a Constituição Federal reconhece que todos são iguais perante a lei, sendo proibidas discriminações.

Apresentador pediu desculpas

A deputada Tabata Amaral (PSB), que também participou da gravação do episódio desta segunda-feira, que já foi excluído das plataformas oficiais do Flow, se colocou contrária ao posicionamento de Monark, afirmando que a liberdade individual termina quando começa a do outro. Durante o programa, Bruno retrucou a deputada, perguntando: "As pessoas não têm o direito de ser idiotas?"

"A nossa liberdade termina quando começa a do outro. Ponto final. O nazismo e outras ideologias que ameaçam a existência e integridade de pessoas ou grupos, sejam judeus, PCD, negros ou LGBTQIA+, são intoleráveis e devem ser banidas. Isso sempre foi e será inegociável para mim", escreveu Tabata no Twitter, ao compartilhar postagem do coletivo Judeus pela Democracia, uma das várias entidades judaicas que repudiaram a declaração de Monark, como o Museu do Holocausto , em Curitiba, a Federação Islaelita em São Paulo e a Confederação Israelita do Brasi (Conib). A Embaixada da Alemanha também lamentou o episódio .

O locutor, por sua vez, postou um vídeo no Instagram em que explicou seu posicionamento em apoiar a legalidade de um partido nazista no Brasil, disse que estava bêbado durante a conversa com os deputados e pediu desculpas.

Segundo o MPSP, o objetivo do inquérito civil é "investigar a conduta de Bruno Aiub e do Flow Podcast na defesa da criação de um partido nazista e da divulgação de pensamento antissemita e a possível existência de dano moral coletivo ou difuso ou mesmo dano social".

O que diz a Procuradoria-Geral da República

Já para a a PGR, "o teor das declarações será analisado pela assessoria criminal de Augusto Aras em função de o caso envolver parlamentar com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal (STF)".

"A mensagem veiculada no programa repercutiu tanto na imprensa quanto no meio jurídico. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), por exemplo, lembrou que 'o direito à liberdade de expressão não é absoluto e repudiar o nazismo é uma tarefa permanente, que deve ser reiterada por todos'", destacou a PGR em comunicado, e lembrou:

"Embora não possa se posicionar sobre o caso específico — que será devidamente apurado —, a PGR reitera posição contra o discurso de ódio já externada em mais de uma oportunidade. A mais recente, na abertura do ano judiciário, afirmou ser imprescindível a união das instituições para 'repudiar veementemente' o discurso de ódio, lembrando que a Constituição reconhece e preconiza o respeito às diferenças, ao pluralismo e ao multiculturalismo. 'Todo discurso de ódio deve ser rejeitado com a deflagração permanente de campanhas de respeito a diversidade como fazemos no Ministério Público brasileiro para que a tolerância gere paz e afaste a violência do cotidiano', frisou na oportunidade".