Exclusivo para Assinantes
Cultura

Renata Sorrah: 'Entrei logo no Instagram com meme da Nazaré para bombar’

No elenco da série ‘Filhas de Eva’, da Globo, musa dos memes lembra o teatro nos tempos da ditadura e diz que não consegue contracenar com quem não fica amigo: 'Vira mentira'
Renata Sorrah: série, filmes e peça em 2020 Foto: Pino Gomes
Renata Sorrah: série, filmes e peça em 2020 Foto: Pino Gomes

O sobrinho de Renata Sorrah vive na França e quase fez seu dentista cair da cadeira ao revelar que a mulher dos memes famosos por lá era... sua tia. Foi com um meme internacional da “Nazaré confusa” (inspirado na personagem da atriz na novela “Senhora do destino”), aliás, que ela fez o primeiro post em sua conta aberta do Instagram, em janeiro. Que a atriz teve sua imagem renovada por causa deles é inegável. Mas são os 50 anos de carreira que lhe dão orgulho.

O primeiro post de Renata Sorrah em sua conta aberta no Instagram foi com meme da Nazaré Foto: Reprodução
O primeiro post de Renata Sorrah em sua conta aberta no Instagram foi com meme da Nazaré Foto: Reprodução

Nascida no Rio, filha de industrial alemão com uma carioca diplomata, ela largou a psicologia para seguir o teatro com o diretor Amir Haddad. Antes, já tinha formado um grupo, que acabou nõa dando certo (“me achavam péssima”, diverte-se).

Nesta entrevista, em sua casa, no Jardim Botânico, a atriz de 73 anos fala de sua trajetória e da série “Filhas de Eva”, que acaba de rodar ao com Giovanna Antonelli e Vanessa Giácomo ("são ótimas atrizes, inteligentíssimas"). Conta ainda que voltará aos palcos com “A gaivota”, de Tchekhov, na Companhia Brasileira de Teatro, do diretor Marcio Abreu, e ao cinema, nos filmes “Medida provisória” (de Lázaro Ramos) e “Dentes” (de Julio Taubkin e Pedro Arantes).

Renata Sorrah estreou no Instagram com meme de Nazaré Foto: Pino Gomes
Renata Sorrah estreou no Instagram com meme de Nazaré Foto: Pino Gomes

Como é o seu personagem em “Medida provisória”?

Ela é horrível, uma vizinha dedo duro. O filme é sobre o Brasil quando diz: “negros, podem voltar para a África”. Nosso país é violento, né? Sempre pensamos “ah, o brasileiro é bonzinho”. Não é, não. Os movimentos de negros, mulheres e LGBTs me interessam muito. Se há 40 anos me perguntassem, eu diria que não era racista, mas não tinha consciência da dor do outro, de como é ser negro aqui. A gente é privilegiado, acha que a vida é assim. É bom aprender, não importa se temos 70 ou 100 anos.

Em “Filhas de Eva” sua personagem pede o divórcio nas bodas de ouro. Ela tem 70 anos e coragem de mudar...

Acho isso bem importante, principalmente, para as mulheres. Ela diz: “quero mudar, tô com saudades de mim”. Isso acontece, né? Mulheres abrem mão da carreira pelo casamento... Não dá mais. Acho horrível quando a pessoa diz “sou assim, não vou mudar”.

Já quis mudar tudo na sua vida?

O tempo todo. Se atores não fazem isso, param. Fiz Nina, personagem jovem de “A gaivota”, de Tchekhov, há 30 anos. Agora, vou fazer Arkadina, com ( o diretor ) Marcio Abreu. Aliás, o meu encontro com ele foi todo de reinvenção, recomeço. Trabalhei a vida toda, as coisas foram acontecendo e fui aprendendo. A ser mãe, avó, a ficar mais velha. É o presente que conta, o agora.

Você começou no Teatro Universitário Carioca, grupo de esquerda, nos anos 1970. Como foi com a censura?

Era o auge da ditadura, a censura ficava em cima. Por isso, o pânico que temos hoje. Estamos sentindo no ar algo que conhecemos bem. Nós artistas estamos atentos e de mãos dadas. Os censores diziam o que podíamos ou não fazer. E davam cada fora... Me lembro de uma atriz incrível fazendo Sófocles, e o censor dizendo: “Essa peça não pode, quero falar com esse Sófocles agora” ( risos ).

Você acha que a arte tem hoje o tratamento que merece?

Está difícil, mas há muita coisa boa sendo feita. Acho inadmissível não se fomentar a cultura. É o que faz um país ser vivo. Atores são preciosos, e me incluo aí. Damos o que temos de melhor às pessoas. Também acho que a arte tem que ser livre. Não se pode dizer como deve ser feita. Direcionar é o que faz o fascismo, o nazismo. As pessoas têm medo porque abre o horizonte.

Você já disse não conseguir contracenar com quem não vira seu amigo. Por que?

Acho esquisitíssimo. Você tem que ter um canal aberto com a pessoa. Eu fazia “As lágrimas amargas de Petra von Kant” com a Fernandona me cuspindo na cara todo dia. Batia no olho, na boca. Só tendo cumplicidade para levar numa boa. Se não, vira mentira. Se não se dá bem com aquela pessoa, se não a acha bacana, fica difícil. Como vai olhar no olho, trocar? Aí acessa outros lugares seus, que não é o da generosidade, da troca, da soma.

Você também disse “tenho 50 anos de carreira e virei a mulher dos memes”. Isso te incomoda?

É que eu estava no Festival de Curitiba com uma peça incrível ( “Preto” ), ganhando vários prêmios. Aí, passei num bar de jovens, que falaram “olha lá, a mulher dos memes”. Não era nem “a atriz” ( risos )... Mas acho interessante, os memes da Nazaré foram transformadores para mim. “Nazaré amarga” tem 8 milhões de seguidores! Entrei logo no Instagram com meme da Nazaré para bombar com os fãs. E o público é delicado comigo. Sabe das minhas posições políticas e nunca me atacou. Estava na porta do Municipal no “Ele não”. Todo dia é uma luta. É o índio, a árvore...

Renata Sorrah diz que até hoje a param na rua para falar sobre Heleninha, de Vale tudo Foto: Divulgação / Pino Gomes
Renata Sorrah diz que até hoje a param na rua para falar sobre Heleninha, de Vale tudo Foto: Divulgação / Pino Gomes

Fazendo Heleninha, alcoólatra de “Vale Tudo”, ou a vilã Nazaré, de “Senhora do destino”, você sempre leva humor à cena, né?

Sempre. Ainda hoje, as pessoas me dizem na rua “sabe que meu apelido é Heleninha?”. Respondo: “Ah, tá ótimo” ( risos ). Mas isso também tem que estar no autor, e era o Gilberto Braga. E tinha Regina ( Duarte ), Glorinha ( Pires ) Reginaldo ( Faria ), Cassia Kis e Fagundes fazendo lindamente...

É verdade que, nesta época, se apaixonou pelo Fagundes?

Me apaixonei profissionalmente... Mas essas coisas se misturam... ( gargalhada ).

Você foi casada com o Carlos Vereza. Vocês se falam? Como vê as posições políticas dele, que já apoiou Bolsonaro?

Eu tinha 20 anos. A gente não se fala há anos, não temos vínculo, não tivemos filhos. Agora, ele seguindo esse caminho, não o reconheço.

Se uma mulher mais velha namora um homem mais novo, isso vira assunto, o que não acontece quando é o contrário. Foi assim quando namorou André Gonçalves, 29 anos mais novo?

Tinha um pouco disso, sim. Mas era tão normal pra mim. Foi uma troca tão bacana que nem sentia a diferença de idade. Se se incomodaram, danem-se.

É difícil aparecer bons personagens depois dos 50?

Essa é uma profissão generosa. Se você é boa, ela te acompanha. Diferentemente de uma secretária que, depois dos 50, ninguém mais quer. Claro que há menos papéis excelentes de avós e bisavós. Atrizes, à medida em que ficam mais velhas, são insubstituíveis, trazem história. Fernandona, Marieta, são elas ali. Isso é lindo. Já vi a Meryl Streep reclamar disso, mas ela não para de trabalhar ( risos )! Desde que fiz Nazaré, não parei. Acho que hoje há a vontade de ver as mulheres como são, sem ficar no sonho americano plastificado.