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Cultura

Rennan da Penha lamenta repressão a bailes: 'O funk está mais pop, mas a essência dele é a comunidade'

Vinte dias após deixar a prisão, DJ e produtor comemora acerto com gravadora e mira mercado internacional
O DJ e produtor Rennan da Penha, um dos grandes nomes do funk 150 bpm Foto: Divulgação
O DJ e produtor Rennan da Penha, um dos grandes nomes do funk 150 bpm Foto: Divulgação

RIO — Desde o último dia 23 de novembro, quando deixou a Penitenciária de Bangu, Zona Oeste do Rio , o DJ e produtor Rennan da Penha tinha usado apenas as redes sociais para fazer declarações públicas e compartilhar novidades com os fãs — entre elas, a assinatura de contrato com a gravadora Sony Music. Nesta quinta-feira, porém, Rennan voltou a dar entrevistas. Ele foi, inclusive, o convidado da noite no talk show "Conversa com Bial", da TV Globo.

Por orientação de seus advogados e staff, as conversas com os veículos de imprensa foram controladas. Cada jornalista poderia fazer apenas três perguntas, que seriam respondidas pelo produtor, grande estrela do funk 150 bpm , através de áudios compartilhados no WhatsApp.

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Ao GLOBO, Rennan mostrou-se animado com os próximos passos de sua carreira, dizendo que a meta agora é fazer com que suas músicas cheguem a outros países, aproveitando um movimento de internacionalização do funk nacional .

O produtor ainda lamentou as tragédias recentes em São Paulo (nos fluxos de Heliópolis e Paraisópolis) e no Rio (Morro do Dendê) causadas pela repressão policial. Para ele, "tem que haver uma forma de ter operação, mas não em horário de baile funk, quando tem um fluxo enorme de pessoas curtindo":

— Independentemente de estar mais pop hoje em dia, a essência do funk é a comunidade, e a maioria dos sucessos saiu de lá.

Abaixo, leia a entrevista com Rennan da Penha:

Ao mesmo tempo que em 2019 o funk ganhou maior reconhecimento internacional, tivemos a sua prisão e todas essas mortes no Dendê, em Heliópolis, Paraisópolis... Por que o funk avança em popularidade e reconhecimento, mas segue sendo perseguido em seu berço, os bailes?

É uma fatalidade imensa os casos que vêm acontecendo em bailes de comunidade. Acho que tem que ter uma forma de ter operação, mas não em horário de baile funk, quando tem um fluxo enorme de pessoas curtindo. Nenhuma outra festa no Rio de Janeiro teria operações policiais na hora que tivesse um fluxo enorme de gente como tem nas comunidades. No carnaval, que é uma festa na rua, não tem operação. O estado tinha que ver uma forma de ajudar os bailes funk a poderem seguir, porque é um evento cultural que todo mundo gosta, traz renda, produtividade para a comunidade, muitas pessoas vivem dele. Tinha que achar uma forma de o estado entrar, sim, mas sem ter essas fatalidades que aconteceram.

Nosso funk está quebrando muitas barreiras, Drake gravou funk, Anitta faz parcerias com vários artistas, Ludmilla também. Por ver que o funk está se tornando algo multinacional, rodando muitos países, eu acho que tinha que ter um olhar diferente para os bailes de comunidade, que são de onde o funk sai. Independentemente de estar mais pop hoje em dia, a essência do funk é a comunidade e a maioria dos sucessos saiu de lá.

Para muita gente, você foi preso como o DJ do Baile da Gaiola, mas muita coisa aconteceu desde então. Você recebeu prêmios, grandes artistas te defenderam publicamente, e hoje há um maior reconhecimento do seu trabalho enquanto um dos grandes produtores do país. O que você pretende fazer com esse novo status? Já tem trabalhado em novas músicas, novas parcerias?

Eu agradeço pelo prêmio, pelo apoio dessas pessoas maravilhosas, artistas que estiveram ao meu lado nesse tempo, mas especialmente aos meus fãs. Agora eu pretendo levar meu trabalho a um outro patamar. Achei que nunca ia chegar a esse patamar que estou, então agora pretendo me superar, fazer coisas que eu nunca fiz, novas parcerias. O contrato com a Sony de cinco anos, acho que com ele vai surgir muita coisa boa, parcerias ótimas. Pretendo elevar meu trabalho mais e mais para outros horizontes, quem sabe até outros países. Eu já estava fazendo outros estados, acho que agora a meta é atingir outros países.

O 150 bpm veio do Baile da Gaiola e todos os seus principais sucessos remetem ou mencionam a festa. Nesse sentido, como fica o 150 bpm sem a possibilidade de fazer o baile, pelo menos não na maneira como era? Existe renovação estética do funk sem baile?

Hoje em dia, o ritmo que pega é o 150 bpm. Mas o funk sempre se renova, tendo baile de comunidade ou não. Porque vai ter sempre um DJ ali na frente do computador, um produtor querendo inovar o funk. Acho que não necessariamente o funk se resume a um único baile, e sim a um ritmo. Existem vários outros bailes no Rio, não só a Gaiola. Então, acho que vai surgir muita coisa boa e o ritmo vai se manter.

Relembre o caso

Em março, Renan Santos da Silva foi condenado 6 anos e 8 meses em regime fechado por associação para o tráfico. Ele havia sido absolvido das acusações em primeira instância por ausência de provas, mas, após recurso do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) acatou o pedido e o condenou em segunda instância.

No acórdão, o desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado afirma que o DJ atuava como "olheiro" do tráfico, além de organizar bailes e produzir músicas que enalteciam traficantes.

Ainda segundo a decisão, a polícia chegou até o nome de Rennan a partir de declarações de uma testemunha menor de idade. "O adolescente disse que Rennan 'é conhecido como DJ dos bandidos, sendo responsável pela organização de bailes funks proibidos nas comunidades de uma facção, para atrair maior quantidade de pessoas e aumentar as vendas'", diz o documento. Ainda de acordo com a testemunha, a atuação de Rennan nos bailes funks seria "deliberadamente orientada ao incremento do tráfico de entorpecentes, em associação a uma facção".

Outra testemunha afirmou que o DJ atuava "na área de vigilância" e destacou que sua atuação dentro da organização criminosa consistia em "informar a movimentação dos policiais através de redes sociais e contatos no aplicativo 'Whatsapp'". De acordo com esse relato, o teor das informações eram frases como "o Caveirão está subindo pela Rua X" ou "a equipe está perto do ponto tal". Já um delegado da Polícia Civil testemunhou que constavam nos autos fotos do DJ ostentando armas "de grosso calibre".

Dois policiais militares que atuavam na UPP da comunidade à época não citaram Rennan em seus depoimentos. Um deles disse que a UPP sempre recebia reclamações sobre drogas e armas nos bailes, mas não conseguia verificá-las porque era recebida a tiros e não era possível chegar ao local. O agente declarou não conhecer Renan, nem ter informações de sua atuação na organização dos eventos.

Versão da defesa

As testemunhas de defesa, um ativista e um empresário do DJ, argumentaram que alertas sobre a movimentação policial são comuns entre moradores de comunidades, na tentativa de se proteger de possíveis tiroteios ou de danos aos carros causados pela entrada do caveirão em ruas estreitas. O empresário ressaltou que as músicas tocadas pelo DJ nos bailes retratam a realidade das favelas e não enaltecem os criminosos.

Ao ser interrogado, o próprio Rennan declarou que "não tem tempo disponível nem necessidade financeira de exercer a atividade de 'olheiro'", pois realiza em média 15 (quinze) bailes por semana". Ele negou que financiasse os bailes ou que já houvesse recebido dinheiro do tráfico, explicando que quem custeia os eventos são os comerciantes da região, que instalam barracas para venda de bebida e reúnem dinheiro para pagar os músicos e o equipamento de som. Sobre a foto com a arma, alegou que havia sido tirada no carnaval e que a réplica era feita de madeira e fita isolante.