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Cultura literatura

Representatividade importa: literatura jovem faz sucesso ao escalar personagens LGBTQIAP+

‘Tenho que produzir uma literatura a mais ampla possível’, diz Vitor Martins, autor de ‘Quinze dias’, livro em torno de um protagonista para quem o fato de ser gay não é uma questão
Os escritores Elayne Baeta e Vitor Martins, expoentes da literatura jovem escala protagonistas LGBTQIAP+ Foto: Divulgação
Os escritores Elayne Baeta e Vitor Martins, expoentes da literatura jovem escala protagonistas LGBTQIAP+ Foto: Divulgação

Ao longo da última década, a literatura juvenil caiu no gosto de uma comunidade de leitores que quer se ver representada nos livros e não hesita em cobrar diversidade das editoras . O primeiro título do segmento (hoje chamado de Young Adult ou YA) com protagonistas LGBTQIAP+ a chegar ao Brasil foi “Will & Will”, dos americanos David Levithan e John Green (de “A culpa é das estrelas”), lançado pela Galera, selo jovem da Record, em 2012. E o primeiro título brasileiro com essas características apareceu em maio de 2017: “Quinze dias", de Vitor Martins, publicado pela Alt, selo jovem da Globo Livros. Em junho do mesmo ano, saiu "Ninguém nasce herói", de Eric Novello, pela Seguinte (Companhia das Letras). No livro, o Brasil é governado por um lider religioso que dissemina o ódio pelas minorias e os livros. Um dos marcos da literatura jovem LGBTQIAP+ brasilleira foi "Você tem a vida inteira", de Lucas Rocha, publicado pela Galera. O romance acompanha três rapazes, dois deles soropositivos e um que teme que a ameaça da Aids atrapalhe seu namoro, e já foi traduzido para o inglês.

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No segundo semestre, o Galera lança “O primeiro beijo de Romeu”, de Felipe Cabral, que se passa durante a Bienal do Livro do Rio de 2019 , quando o então prefeito Marcelo Crivella quis que fossem recolhidos exemplares de uma graphic novel que estampava um beijo gay na capa. Em 2013, uma rede de livrarias sulista havia se recusado a expor “Dois garotos se beijando”, de David Levithan.

— Ao se verem representados nesses livros, muitos jovens aprendem a se aceitar — diz Rafaela Machado, editora da Galera Record.

Boa parte dos autores de literatura jovem LGBTQIAP+ começa escrevendo em plataformas de autopublicação. Às vezes, os próprios leitores sugerem nomes às editoras. A Galera lançou “O amor não é óbvio”, da baiana Elayne Baeta, quando leitoras começaram a inundar as redes sociais da editora implorando pela publicação do livro, no qual Íris tenta entender por que a ex-namorada de seu amor platônico o trocou por uma menina.

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Baeta acumulou mais de 400 mil leitores no Wattpad. Na adolescência, ela perguntava aos livreiros de Salvador por histórias de amor entre duas meninas; nunca havia nada. Elayne Baeta lia romances héteros e, em sua cabeça, mudava o gênero do personagem. “O amor não é óbvio” é o primeiro best-seller lésbico brasileiro: vendeu 15 mil exemplares. Mas ela lamenta que romances como esse ainda sejam pouco lidos por homens e mulheres heterossexuais.

— Para ler meu livro só precisa se interessar por amor. Se a leitora gostar de meninas, as borboletas no estômago dela vão ficar mais agitadas. Eu própria cresci lendo romances héteros e beijo meninas — diz Elayne Baeta, que, em agosto, lança seu primeiro livro de poesia: “Oxe, baby!”.

Capa de "O amor não é óbvio", best-seller lésbico da escritora baiana Elayne Baeta Foto: Reprodução / Divulgação
Capa de "O amor não é óbvio", best-seller lésbico da escritora baiana Elayne Baeta Foto: Reprodução / Divulgação

Vitor Martins também começou escrevendo “histórias heteronormativas” na internet quando adolescente, lá pelo final dos anos 2000. Seu livro de estreia, “Quinze dias” conta a história de Felipe, adolescente forçado a enfrentar um aspecto de sua vida que sempre lhe doeu: seu peso. Felipe é gordo. Ele também é gay, mas isso não é uma questão. “Quinze dias” já foi traduzido para o inglês e, em breve, será publicado na Rússia. Em 2018, Martins publicou “Um milhão de finais felizes”, no qual um adolescente é expulso de casa por ser gay, mas encontra sua “família do coração”.

— A literatura YA é sobre comunidade — diz Martins — Não adianta escrever só sobre gays. Tenho que olhar para a minha comunidade e pensar quem é que está ao meu lado, mas não nos meus livros, e produzir uma literatura a mais ampla possível.

Capa de "Quinze dias", romance de Vitor Martins já traduzido para o inglês e que, em breve, sairá na Rússia Foto: Reprodução / Divulgação
Capa de "Quinze dias", romance de Vitor Martins já traduzido para o inglês e que, em breve, sairá na Rússia Foto: Reprodução / Divulgação

Representatividade e mais

Jovens leitores estão atrás de protagonistas que não sejam apenas LGBTQIAP+, mas negros, gordos e pessoas com deficiência que passem pelas mais diversas experiências. Segundo Antonio Castro, editor da Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras, o leitor de YA procura representatividade, mas não quer mais que a sexualidade dos personagens seja a questão principal.

— Claro que há preconceito e é difícil se assumir, mas os jovens querem ler sobre personagens que têm problemas com o chefe ou na escola que não têm nada a ver com o fato de serem LGBT — diz.

A Seguinte tem uma autora não binária: Casey McQuiston, autora do best-seller “Vermelho, branco, sangue azul”, no qual um principezinho se apaixona pelo filho da presidente dos EUA. A Galera vai lançar “Os garotos do cemitério”, de Aiden Thomas, sobre um menino trans e bruxo.