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Cultura

Resenha: o pensamento feminista em versão verde e amarela

Compilação de textos organizada por Heloisa Buarque de Hollanda mostra como o movimento se estrutura e desenvolve no Brasil, tirando-o da sombra de estudos americanos e europeus
Mulheres participam de manifestação na Avenida Rio Branco e Cinelândia, centro do Rio; Brasil perde pontos em índice por previdência das mulheres. Foto: Antonio Nery / Agência O Globo Agência O Globo
Mulheres participam de manifestação na Avenida Rio Branco e Cinelândia, centro do Rio; Brasil perde pontos em índice por previdência das mulheres. Foto: Antonio Nery / Agência O Globo Agência O Globo

‘Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto”, organizado por Heloisa Buarque de Hollanda , traz uma seleção de textos de autoras brasileiras que se debruçaram e se debruçam sobre os estudos de gênero. Dar destaque a autoras nacionais parece ser fundamental para Hollanda, pois, como afirma, no Brasil as referências bibliográficas sobre o tema são, sobretudo, anglo-americanas e eurocêntricas. Aliás, prossegue a organizadora, “sofremos em praticamente todas as disciplinas acadêmicas uma quase colonização teórica”. Ela também organizou “Pensamento feminista — Conceitos fundamentais”, lançado ao mesmo tempo que o volume aqui analisado.

Heloísa Buarque de Holanda Foto: Divulgação
Heloísa Buarque de Holanda Foto: Divulgação

A respeito dos movimentos feministas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, sabe-se que eles foram muito diferentes. Nos anos 1960 e 1970, por exemplo, o nosso feminismo estava ligado à militância de esquerda em oposição ao regime autoritário vigente. Já nos Estados Unidos e na Europa, o movimento “se alimentava das utopias e dos sonhos de liberdade”, afirma Hollanda.

Quanto aos Women’s Studies, eles chegaram aqui, de forma branda, “deixando perigosamente naturalizadas as questões relativas ao saber masculino enquanto sinônimo de saber universal”, como ressalta a organizadora em seu prefácio. Além disso, também houve intelectuais que, como Heleieth Saffioti, um dos grandes nomes nessa área de estudos, se recusaram a identificar-se com o feminismo, preferindo ser identificadas apenas como mulheres interessadas na condição feminina.

‘Feia, nariguda, neurótica’

Talvez ainda hoje, ou melhor, sobretudo hoje, no Brasil, discutir questões feministas é fundamental, pois elas ainda esbarram nos clichês e preconceitos de décadas passadas. Hollanda conta que quando Betty Friedan veio ao Brasil, em 1971, para o lançamento de seu livro “A mística feminista”, diversas notas na imprensa a chamaram de “feia, nariguda, neurótica, machona e outras preciosidades”, sendo que esses ataques vinham tanto da esquerda quanto dos meios militares. Hoje, com tantas mulheres antifeministas no poder por aqui, a visita de Friedan certamente não passaria em branco. A propósito, parece uma ironia pensar que elas estão no poder graças em parte ao movimento feminista.

Capa do livro "O pensamenos feminista brasileiro" Foto: Reprodução
Capa do livro "O pensamenos feminista brasileiro" Foto: Reprodução

O fato é que, segundo Constância Lima Duarte, que assina o ensaio “Feminismo: uma história a ser contada”, “diferente do que ocorre em outros países, existe no Brasil uma forte resistência em torno da palavra ‘feminismo’”, que desconsidera as numerosas vitórias do movimento. Apesar das vitórias, afirma Constância, a grande derrota do feminismo foi ter “permitido que um forte preconceito isolasse o termo, sem conseguir se impor com orgulho para a maioria das mulheres”. Para que a concepção do termo mude, é preciso, portanto, que as mulheres conheçam as conquistas feministas, a luta das mulheres do passado.

Essa importante antologia destaca movimentos como “Quem ama não mata”, nascido nos anos 1970, que não aceitava mais que companheiros matassem suas companheiras e fossem absolvidos por “legítima defesa da honra”; ou “Nossos corpos nos pertencem”, slogan usado na luta das mulheres pela legitimação do aborto.

Difícil falar de um único movimento feminista no Brasil: aqui há o movimento das mulheres rurais, o das negras, o das sindicalistas... Essa divisão leva em conta, de acordo com Mary Garcia Castro, citada no ensaio de Heleieth Saffioti, “Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade”, as relações sociais de classe: nelas, “ser negro é ser pobre, já ser mulher (mesmo a feminista) pode também significar ser patroa, o outro polo da oposição”.

Dirce Waltrick do Amarante é professora de Artes Cênicas e Estudos da Tradução da UFSC

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