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Séries nacionais de terror e thrillers psicológicos são a aposta da vez das plataformas de streaming

Globoplay programa segunda temporada da história de bruxas 'Desalma' para 2022; Carol Castro é estrela de série do Star+ que flerta com o horror; HBO Max já grava produções locais inéditas
Carol Castro em cena de "Insânia", do Star+ Foto: PEDRO F RODRIGUEZ / Divulgação
Carol Castro em cena de "Insânia", do Star+ Foto: PEDRO F RODRIGUEZ / Divulgação

Paula, a personagem da atriz Carol Castro, e Camila, a de Rafaela Mandelli, duas peritas criminais da série “Insânia”, que estreia no dia 3 de dezembro no Star+ , deslocam-se com naturalidade numa espécie de “açougue” de carne humana. A luz é sombria, e a câmera passa rente a panelas com sangue e a corpos dilacerados e pendurados. Paula remexe no cadáver mais fresco, o de uma mulher, e chega à conclusão de que “ela estava viva quando foi cortada”.

Assustador? Este é o intuito. Não somente de “Insânia”, como de várias outras séries nacionais que estrearam nos últimos meses e de algumas ainda em produção. O terror é uma tendência em alta nas ficções seriadas brasileiras. Todos os grandes players estão na corrida para ver quem assusta mais (e melhor) o assinante.

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O Globoplay encerrou as gravações da segunda temporada da história de bruxas “Desalma” e programa a estreia para o ano que vem. A primeira temporada, aliás, foi exibida na semana passada na TV aberta. A Netflix grava neste momento uma nova leva de episódios do thriller psicológico “Bom dia, Verônica”. Enquanto isso, a HBO Max filma “O vale sereno”, uma série sobre jovens que se perdem numa trilha e acabam num vilarejo onde acontecem fenômenos sobrenaturais. Uma produção de horror no Nordeste também está nos planos.

— Como o streaming permite essa internacionalização de conteúdo, produções estrangeiras policiais e de terror saíram aqui, e o público brasileiro respondeu ao estímulo— diz o escritor Raphael Montes, autor do livro e da série “Bom dia, Verônica”. — Quanto mais a aceitação da audiência cresce, mais os executivos se interessam. Estávamos acostumados a assistir a essas histórias no fog londrino, agora estamos vendo em Copacabana.

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Histórias distintas

É bem por aí que segue a WarnerMedia no Brasil, controladora da HBO Max. A partir da análise de consumo do conteúdo internacional por assinantes brasileiros, eles começaram a traçar a estratégia de produção local. Chegaram à conclusão de que “O vale sereno” precisava entrar logo na fila.

—Na plataforma, temos um catálogo grande e diverso dentro dos gêneros terror e suspense, e analisamos o consumo dos filmes. Se o público brasileiro gosta de ver essas produções estrangeiras, então por que não fazermos as nossas? — diz Silvia Elias, diretora de conteúdo da WarnerMedia.

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Esta foi uma das razões pelas quais o diretor Gustavo Bonafé embarcou no projeto de “Insânia”: adentrar um mundo em que o audiovisual nacional ainda está desbravando.

— Uma das coisas que mais me interessaram no projeto foi poder contar histórias distintas daquelas com que estávamos acostumados. E a gente sabia que tinha público para isso — diz ele sobre a obra, que acompanha o desenrolar do trauma que Paula sofre depois da tal cena no “açougue”.

Ela acaba sendo internada num hospital psiquiátrico onde realidade se mistura com a imaginação e coisas bem estranhas acontecem.

Doutora em comunicação pela UFF e especialista em ficção seriada televisiva, Melina Meimaridis salienta que o gênero atrai as distribuidoras também por ser perfeito para o binge watching (o hábito de maratonar séries), o que leva a audiência a ficar conectada por horas a fio.

Segunda temporada de "Desalma", em cena de Haia (Cássia Kis) e Halyna (Ana Mello) Foto: Andre Hawk / Divulgação
Segunda temporada de "Desalma", em cena de Haia (Cássia Kis) e Halyna (Ana Mello) Foto: Andre Hawk / Divulgação

— Quando se aposta num mercado emergente como o nosso, é preciso arriscar em algo mais certeiro. É o caso de thrillers policiais que conversam com horror, com o sobrenatural, e reality shows — diz Melina.

Sem medo do medo

Se no século passado as produções de terror acabavam arrancando alguma risada, seja por estilo, seja pelo baixo orçamento ou pela falta de profundidade nos roteiros, hoje gasta-se muito dinheiro e esforço intelectual para que isso não aconteça. No que diz respeito a efeitos visuais, o investimento é forte para se desvincular do trash .

— O público precisa de uma excelente história e de uma fotografia e efeitos especiais de qualidade. Então, o investimento financeiro ajuda a desassociar thriller da (ideia de) cinema B — acredita Silvia Elias, da WarnerMedia.

De fato, os autores têm se esforçado para tornar as obras cada vez mais relevantes socialmente e para garantir discussões com o que é mostrado na tela.

— Não é só sobre um zumbi com uma máscara e uma faca na mão. As coisas vão para graus mais profundos, questões ligadas à alma, atitudes, preconceitos. Levamos o terror para todos os lugares — diz Ana Paula Maia, autora de “Desalma”, admitindo ter demorado a escrever histórias desse tipo. — É um gênero muito difícil. A linha para cair numa bagaceira é tênue.

Angústias

Ana Carolina Lima, head de conteúdo do Globoplay, frisa que o sucesso de “Desalma” ajuda a pôr o gênero em outro patamar:

— Entendemos que tem um público que gosta desse tipo de conteúdo.

Para Ana Paula, duas vezes vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura e que lançou em agosto “Cada quinhentos uma alma”, de temática sobrenatural, séries de horror nacionais têm feito sucesso porque “vivemos a era do medo”:

— Reflete as angústias do nosso tempo. O terror lida com medos em várias camadas, nem sempre a do sobrenatural. Para somar, vem uma pandemia. Mais medo, mais terror e mais desesperança. ( Talita Duvanel )