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'A amiga genial': visitamos os bastidores da série inspirada nos livros de Elena Ferrante

Numa Nápoles solar, na nova temporafa de 'My brilliant friend' mostra Lila e Lenu evoluindo para a vida adulta
Lila (Gaia Girace) e Lenu (Margherita Mazzucco) numa cena de “My brilliant friend" Foto: Divulgação/HBO
Lila (Gaia Girace) e Lenu (Margherita Mazzucco) numa cena de “My brilliant friend" Foto: Divulgação/HBO

NÁPOLES — A Piazza dei Martiri, no coração de Nápoles, está cenografada para receber Lila e Lenu. Carros e lambretas dos anos 1960 circulam entre uma figuração numerosa que usa roupas à moda da época. A banca de jornal da vida real acomoda edições antigas de “Oggi”, do “Corriere della Sera” e do “Il Mattino”, que se misturam até a uma capa de revista com uma foto do Pão de Açúcar. Aos gritos de “Via! Via!”, a equipe de produção da segunda temporada de “My brilliant friend”, da HBO, tenta organizar a movimentação para que os curiosos deixem o lugar. O cenário da primeira temporada era a região pobre onde as protagonistas nasceram e passaram a infância. Desta vez, as gravações se concentram nessa área nobre, a dois passos do Mar Tirreno.

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Adaptação da tetralogia de Elena Ferrante (lançada no Brasil pela Biblioteca Azul, onde vendeu 200 mil exemplares), a série volta-se agora para a geografia do livro que vem após “A amiga genial”. Em “História do novo sobrenome”, a dupla de protagonistas evolui para a vida adulta. Elena Greco (Margherita Mazzucco), a Lenu, se vê prestes a ingressar na universidade. Rafaella Cerullo, a Lila (Gaia Girace), está casada com o herdeiro da charcutaria.

A equipe também gravou sequências nas praias de Ischia, no Golfo de Nápoles, onde elas passam férias. O clima suburbano e insular do Bairro (Rione Luzzatti), onde era ambientada a ação no primeiro livro, não ficou totalmente para trás. Mas sua presença se reduziu. A sapataria onde Lila trabalha depois de se casar com Stefano Carracci fica na cidade. E é nas imediações da praça que Margherita grava a cena mencionada no início deste texto. Lenu se dirige a uma ótica: a moça estudiosa vai usar óculos, num prenúncio da carreira de intelectual que vai seguir.

UMA RELAÇÃO EM EBULIÇÃO

Diretor da produção, que estreia no ano que vem, ainda sem data confirmada, Saverio Costanzo lembra que este é um “romance de formação”, e a trama vai além de um retrato da trajetória das personagens e da complexa ligação entre elas.

— Estamos contando a História da Itália, prestando um verdadeiro serviço público. Ferrante mostra aqui o peso da educação na inserção social da mulher. Lila e Lenu encarnam modelos de emancipação, uma via cultura ( Lenu segue a carreira acadêmica ), a outra, querendo trabalhar ( Lila, pelo comércio do marido ). Nesta temporada, além disso, a relação entre elas se intensifica e acaba entrando em ebulição. O sexto episódio será todo em torno do sentimento de ódio — adianta ele. — Farei isso de forma cortante ( É como narra Lenu no primeiro terço do segundo livro: “Começou naquela noite o longo e conturbado período que desembocou em nosso primeiro rompimento”).

Quando vem a pergunta sobre a verdadeira identidade de Elena Ferrante, Saverio escorrega:

— Só nos falamos por e-mail, não sei quem ela é, mas digo que responde rapidamente ( ri ). Ela é um gênio. Construiu essas personagens tão profundamente humanas, meninas boas e más, que têm amor e inveja, cheias de falhas. Fez isso sem julgar.

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O diretor diz que também instruiu as atrizes a evitarem o juízo de valor. Gaia fala de Lila com afeto:

— Os anos 1950/60 eram muito diferentes. Ela se casou jovem, teve filho, era uma vítima. Foi infeliz num tempo em que não havia o divórcio. Se fosse hoje, agiria de outra maneira. Lila, de alguma forma, aceitava toda a violência que se abatia sobre ela.

A violência a que ela se refere está nas cenas da personagem com o marido.

— Ensaiamos muito, até com dublê. Mesmo assim, na hora de gravar, me senti mal — conta a atriz.

Já Margherita diz que se sente próxima de Lenu:

— Ela é moderna, faz suas escolhas, é reativa e proativa, tem consciência de si.

FIEL AOS LIVROS

A primeira temporada foi fiel ao livro e a segunda, promete Saverio, também será:

— Esses episódios são embebidos pelo clima dos anos 1960, quando a rebeldia da década seguinte estava se aproximando. Acho que Ferrante quis retratar isso.

A grande mudança virá na terceira temporada. Embora ela ainda não esteja oficialmente confirmada pela HBO, o diretor adianta que começou a pesquisar o elenco. Nela, as personagens irão dos 25 aos 50 anos.

— Serei obrigado a escalar outras atrizes. Mas sofro só de pensar em me separar dessas duas — reconhece.

Para a segunda temporada, a equipe de cenografia comandada por Giancarlo Basili construiu um anexo na cidade cenográfica de 30 mil metros quadrados. É onde Lila vai morar depois de casada. O bairro que replica o Rione de antigamente fica em Caserta, a 40 km do centro. Lá foram erguidos 14 prédios, uma lojinha de frios e a sapataria, o estradão e a linha do trem.

— Trouxe aqui um antigo morador de 80 anos. Ele chorou de emoção ao ver os cenários — conta Basili.

A grandiosidade da produção, que ainda não confirmou quantos episódios haverá na segunda temporada, é extensiva aos figurinos, a cargo de Antonella Cannarozzi. Ela garimpou inúmeras peças vintage na Europa toda. A pequena escalada social de Lila se refletirá nas roupas dela. A paleta de cores agora entrará em sintonia com o psicodélico dos anos 1960 . E os maiôs são todos de brechó. A ideia é que as amigas da televisão pareçam, de novo, tão geniais quanto as da literatura.

*Patrícia Kogut viajou a convite da HBO

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