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'Amor de mãe': 'Por que as patroas são diferentes e todas as empregadas são iguais?', diz Regina Casé

'Uma nordestina da minha idade ser a mocinha das 21h é tão raro quanto ter uma protagonista negra', diz a atriz
Regina Casé como Lurdes, uma das protagonistas de 'Amor de mãe' Foto: João Cotta / TV Globo
Regina Casé como Lurdes, uma das protagonistas de 'Amor de mãe' Foto: João Cotta / TV Globo

RIO - Em “Amor de mãe” , nova novela da Globo, Regina Casé interpreta Lurdes, uma babá nordestina apaixonada pelos filhos. A princípio, a personagem pode fazer lembrar Val, outra babá nordestina vivida pela atriz carioca de 65 anos, no filme “Que horas ela volta”, de 2015. Mas está longe de ser o caso, explica a atriz:

— Todo mundo dizia: “outra empregada, mas vai ficar igualzinho!” Fiquei muito abismada quando me dei conta como isso revelava um preconceito enorme de pessoas próximas, queridas — diz a atriz, para em seguinda questionar. — Por que as patroas são diferentes e todas as empregadas são iguais? Por que se tem sotaque nordestino vai ficar igual a Val? Todas as pessoas que tem sotaque carioca são iguais? Todas as pessoas com sotaque paulista são idênticas? Isso revelou pra mim um preconceito que eu nem imaginei que existisse: é como se certas pessoas, de tão invisíveis, fossem vistas como uma massa: os nordestinos, as empregadas, as mulheres da cidade. É como se não tivessem nenhuma individualidade.

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A partir daí, Regina encontrou a deixa para mostrar a diversidade entre mulheres que costumam ser invisibilizadas. Além de Val e Lurdes, ela também vive uma empregada doméstica em “Três verões” . Por esse último papel, recebeu o prêmio de melhor atriz do Antalya Golden Orange Film Festival , na Turquia. Após ser exibido no Festival de Toronto em setembro, o filme participa da competição de ficção do Festival do Rio, que acontece em dezembro.

— A Val é muito mais submissa, ela foi criada e viveu a vida inteira de uma maneira que a fez acreditar que aquele é o lugar dela. Que a cozinha, o quarto de empregada é o que ela merece. A Lurdes é completamente diferente. É claro que ela não é uma insubordinada 24h por dia com a patroa, mas ela tem outra relação com a vida, com os filhos — distingue a atriz.

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Família brasileira: Ryan (Thiago Martins), Magno (Juliano Cazarré), Brenda (Clara Galinari), Lurdes (Regina Casé), Érica (Nanda Costa) e Camila (Jessica Ellen) Foto: TV Globo
Família brasileira: Ryan (Thiago Martins), Magno (Juliano Cazarré), Brenda (Clara Galinari), Lurdes (Regina Casé), Érica (Nanda Costa) e Camila (Jessica Ellen) Foto: TV Globo

Mesmo assim, Regina confessa que ficou preocupada no começo das duas terem semelhanças.

— Falei com o Silvio de Abreu (diretor de dramaturgia da TV Globo) , será que eu não coloco um sotaque? Sabe o que ele me disse? Se vierem coisas da Val, a gente só vai estar ganhando. A Val é querida por todos, e muito mais gente assiste novela. Aquilo abriu meu coração. Volta e meia eu faço de propósito uma coisa da Val por carinho, por lembrança. Eu deixo vir, não tem problema.

'Furacão bom'

De volta às novelas após 18 anos, Regina define a experiência de encarar o ritmo puxado de gravações como “um furacão que entrou na minha vida, mas um furacão bom”.

— É um tsunami? É, minha vida está de cabeça pra baixo. Não existe mais malhar e ir na terapia, e ver as crianças só com aquela horinha contada. Mas está valendo muito a pena — diz a atriz.

Regina comemora também a novidade de trabalhar em uma novela com três protagonistas e afirma se sentir como uma “menininha” diante da experiência em novela das colegas Taís Araújo e Adriana Esteves.

— Apesar de eu ter uma carreira de anos, a Taís e a Adriana, mesmo sendo mais novas, são veteranas. Elas têm uma técnica de interpretação, uma experiência de fazer novela enorme. Cada uma tem 30 novelas nas costas, eu tenho duas. Eu me sinto uma menininha que está começando, estreando, indo devagar e entendendo como aquilo funciona. Tá dando uma vontade, uma paixão, um tesão muito juvenil.

Apesar de já se conhecerem, é a primeira vez que as três contracenam nas telas.

— No primeiro dia, fomos fazer uma chamada que era só nós três de mãos dadas caminhando. Quando chegou no meio da caminhada, as três já estavam aos prantos. Porque é um encontro muito forte pra nós, três mães, três mulheres. Uma nordestina da minha idade ser a mocinha das 21h é tão raro quanto ter uma protagonista negra — defende.

Para Regina, diante do clima de tensão política que vive o país nos últimos anos, uma trama como “Amor de mãe” pode ser capaz de pacificar corações.

— No momento em que a gente está, onde só existe antagonismo, polarização, ninguém consegue ouvir duas frases do outro, acho que o melhor lugar para estar é na ficção. Porque aquela pessoa que não concorda com você, que tem preconceitos contigo, se ela chorar ou rir muito contigo, você quebra ela — acredita.