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‘Amor e sorte’: saiba como foi gravada a série de Jorge Furtado com casais ou famílias de atores isolados

Protagonizado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, primeiro episódio vai ao ar nesta terça-feira
As Fernandas Torres e Montenegro: filha e mãe no episódio de estreia de 'Amor e sorte' Foto: Divulgação/Andrucha Waddington
As Fernandas Torres e Montenegro: filha e mãe no episódio de estreia de 'Amor e sorte' Foto: Divulgação/Andrucha Waddington

RIO — Abraços e beijos (e, por que não?, otras cositas más ) são ações liberadas em “Amor e sorte”, série que a TV Globo estreia nesta terça-feira após a transmissão da novela das 21h. Com quatro episódios independentes exibidos semanalmente, a produção idealizada e concebida por Jorge Furtado põe casais e famílias de atores que seguem sob o mesmo teto durante o isolamento social para interpretar histórias sobre relacionamentos em tempos de pandemia do novo coronavírus. Por isso, a tal liberdade com os afetos físicos.

No episódio de estreia, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres colocam a mão na massa — e na lama e na terra e num galinheiro — para compor uma narrativa de humor pontuada por entreveros. Elas encarnam mãe e filha de temperamentos opostos em meio às dores e às delícias do confinamento na serra fluminense.

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Nos últimos quatro meses, as atrizes realmente cumpriram uma temporada no terreno que elas mantêm na região serrana. Estavam acompanhadas do cineasta Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres — e responsável pela direção das sequências —, e dos filhos do casal, além do sobrinho e do enteado de Torres. A aglomeração familiar, que ainda teve o diretor de fotografia João Faissal como agregado (o que configurou “uma verdadeira equipe”, como define Furtado), virou cenário para a ficção sustentada essencialmente em comédia.

— O humor traz o raciocínio em cima da dor. Você não para de sentir dor, mas passa a raciocinar, sai da toca e age. Talvez neste momento esteja faltando exatamente isso. Estamos num período difícil e sem humor. Falta humor que seja defesa, mas também uma arma sadia — diz Fernanda Montenegro.

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O argumento traduz o estado de espírito que perpassa todos os capítulos da série, cada um deles escrito por um time de autores diferentes — todos capitaneados por Furtado —, como Antonio Prata, a própria Fernanda Torres, Alexandre Machado, Chico Mattoso, Jô Abdu e Adriana Falcão.

— Fazemos uma comédia sobre a peste. Neste momento non-sense , a dramaturgia precisa produzir riso — afirma Furtado. — Em “Amor e sorte”, a ideia era criar uma série que se passasse no Brasil de hoje. O que há em comum entre os quatro episódios é um fator externo poderosíssimo, uma pandemia que mudou o relacionamento das pessoas. Aconteceu de tudo: casais que se separaram; outros que se juntaram durante a quarentena...

Jorge Furtado, idealizador da série 'Amor e sorte' posa em sua casa em Porto Alegre, de onde acompanhou as filmagens da produção Foto: Divulgação/Paulo Belote
Jorge Furtado, idealizador da série 'Amor e sorte' posa em sua casa em Porto Alegre, de onde acompanhou as filmagens da produção Foto: Divulgação/Paulo Belote

Com exceção da família das Fernandas e do restante do elenco formado por casais que dividem o mesmo lar — Caio Blat e Luisa Arraes; Emilio Dantas e Fabiula Nascimento; Lázaro Ramos e Taís Araújo —, não houve qualquer interação física entre a equipe responsável pela produção. Todas as cenas foram rodadas remotamente, com câmeras manuseadas pelos próprios atores em casa, sob a orientação de cerca de 25 profissionais por meio de videochamadas. Furtado acompanhou as filmagens do sofá de casa, em Porto Alegre. O mesmo fez a diretora artística Patrícia Pedrosa, em seu apartamento na Barra da Tijuca:

— A série poderia ser considerada um reality show da dramaturgia — brinca ela, nome por trás de trabalhos como “Shippados”, “Cine Holliúdy” e “Todas as mulheres do mundo”. — Há episódios filmados única e exclusivamente pelos atores. É como se fôssemos músicos de uma orquestra entregando flauta, violino, piano, oboé, harpa, entre outros instrumentos, para trompetistas tocarem.

Taís Araújo e Lázaro Ramos posam com equipamento de vídeo Foto: Divulgação/Estevam Avellar
Taís Araújo e Lázaro Ramos posam com equipamento de vídeo Foto: Divulgação/Estevam Avellar

Os novos ritmos certamente abrem brecha para uma linguagem inédita, ainda em construção, como crê Furtado. Ele jura que será impossível perceber na tela os bastidores do set improvisado digitalmente. Ainda assim, surpreende-se ao ver o trabalho finalizado.

— Isso é algo que a gente menospreza, mas a tecnologia sempre define uma estética. Por exemplo, não aguento mais ver cenas filmadas com drone ( risos ). Hoje, o que acontece é uma situação emergencial. Mas algo disso vai ficar. Essa câmera aqui na minha casa, voltada para o sofá, de onde acompanhei as filmagens, não representa um ideal, mas é algo interessante — diz Furtado.

Roteiro a seis mãos

Caio e Luisa escreveram, com Furtado, o episódio que protagonizam, sobre um namoro recém-iniciado na quarentena. E não se intimidaram ao dar pitacos na direção, que, aliás, eles também assinam ao lado de Patrícia.

Luisa Arraes e Caio Blat nos bastidores da série 'Amor e sorte', gravada durante a pandemia do novo coronavírus Foto: Divulgação
Luisa Arraes e Caio Blat nos bastidores da série 'Amor e sorte', gravada durante a pandemia do novo coronavírus Foto: Divulgação

— Parecia que a gente estava fazendo uma faculdade de cinema — conta Luisa. — Filmávamos horas com a equipe, e quando acabava, continuávamos. A gente queria aproveitar ao máximo a oportunidade de ter aquele equipamento em casa e, então, fazia clipes sozinhos. No fim do dia, editávamos para mandar para eles (a equipe) como opção.

Em agosto, o casal começaria a rodar “Grande sertão: veredas” — longa inspirado no livro de João Guimarães Rosa, com adaptação de Furtado e Guel Arraes —, dobradinha que já fizeram na peça teatral dirigida por Bia Lessa (em 2018). Mas o trabalhou precisou ser adiado devido à pandemia.

Fabiula Nascimento e Emilio Dantas vivem casal à beira da separação em 'Amor e sorte' Foto: Divulgação/Sergio Zalis
Fabiula Nascimento e Emilio Dantas vivem casal à beira da separação em 'Amor e sorte' Foto: Divulgação/Sergio Zalis

Enquanto não consegue voltar aos estúdios, Furtado adianta projetos e se dedica a revisões de produções temporariamente interrompidas, como a série “Glória”, adaptação de uma narrativa norueguesa sobre uma mulher no mundo do futebol — a atração, escrita com Janaína Fischer, começaria a ser gravada pela TV Globo neste semestre, sob direção de Mauro Mendonça Filho.

— Tenho feito tudo o que dá para fazer neste momento. Por isso, sinto que trabalho mais do que nunca — diz ele, que ainda acha tempo para ler textos do poeta Alexander Pope (1688-1744) e consumir catálogos de streaming, mas sem deixar de admitir: — Sinto muita falta de me sentar diante de uma tela de cinema.

Colaborou Pedro Willmersdorf