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Astro de 'Sucession', Brian Cox critica Bolsonaro, a cultura do cancelamento e diz que cinema está fora de moda

Terceira temporada da série da HBO Max estreia no domingo, dia 17 de outubro
Brian Cox, o Logan Roy, em cena da terceira temporada de 'Succession', da HBO Foto: Graeme Hunter / Divulgação
Brian Cox, o Logan Roy, em cena da terceira temporada de 'Succession', da HBO Foto: Graeme Hunter / Divulgação

O ator Brian Cox e o personagem Logan Roy, o intragável bilionário que ele interpreta em “ Succession ”, cuja terceira temporada estreia no domingo HBO Max e às 22h na HBO, têm um pensamento em comum: acreditam que a experiência humana é extremamente decepcionante no estágio atual. É o próprio Cox quem chega a essa conclusão numa conversa por chamada de vídeo, diretamente de Nova York, onde ele vive e ainda não se acostumou (“Sou escocês, um imigrante”):

— Acho que nunca estivemos num momento tão ruim como o de agora. Logan está cagando, mas não é bobo (risos) — diz Brian, que se refere ao patriarca da série, que já lhe garantiu uma indicação ao Emmy de melhor ator de drama em 2020, como um “completo desgraçado”.

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São vários elementos que levam o ator, de 75 anos, a pensar assim. De cara, fala das redes sociais. Abomina o que elas se tornaram — mas mantém um perfil verificado no Instagram, o @coxusa, com 22,5 mil seguidores. A última postagem, até o fechamento desta edição, fazia uma propaganda da autobiografia que ele lança no fim do mês no Reino Unido, “Putting the rabbit in the hat” (“Colocando o coelho na cartola”, em tradução livre).

As redes se tornaram irresponsáveis e completamente imorais no jeito de lidar com as coisas. É tudo sobre modismos, e não sobre realidade. Ainda tem a cultura do cancelamento. Todo esse jeito de pensar, esse absurdo hipócrita e o que sai disso— diz. —Essa coisa da Covid foi um sinal: “Seres humanos, parem”. Mas não acho que aprenderemos nada com isso, continuaremos estúpidos, infelizmente.

Socialista convicto, apoiador da independência da Escócia (“Precisamos ser livres desse Reino Unido que nada tem de unido”), Brian Cox é um estudioso de política e bota na conta do imperialismo uma parcela do caos em que vivemos. Anda preocupado com a bagunça que os americanos e os britânicos fizeram no Oriente Médio nesses 20 anos desde o 11 de Setembro e guarda ranço de Trump e seus colegas latino-americanos.

Brian Cox Foto: VINCENT TULLO / NYT
Brian Cox Foto: VINCENT TULLO / NYT

—Não estou muito feliz com Mr. Bolsonaro. Acho-o um pé no saco. Esse homem é um ignominioso. Mas nunca houve um infame maior do que Donald Trump — diz Brian, alternando altos e baixos linguísticos. — Trump é um roteiro ruim. E Bolsonaro é um roteiro igualmente ruim.

Cinema fora de moda

Brian Cox volta ao ar no próximo domingo com “Succession” um ano depois do previsto. A pandemia levou o ator, pela primeira vez em “muitos e muitos anos”, a parar de trabalhar por completo. Obviamente, ele está proibido de dar spoilers sobre o que vem por aí, mas garante que a Covid-19 não será abordada.

— No mundo da nossa família real, eles não são afetados, infelizmente — diz ele, lamentando a morte do colega Mark Blum, que interpretava Bill Lockheart, funcionário da divisão de cruzeiros.

Deixa, porém, escapar que a ambição da filha, Shiv (a atriz Sarah Snook), “vai se tornar mais problemática do que nunca”. E compara a série às tragédias gregas, que frequentemente trazem o parricídio como tema. Para o ator, seu personagem, Logan, está à espera de qual dos quatro filhos vai destruí-lo.

No fim do último episódio, Kendall (o ator Jeremy Strong) mostrou algum tipo de método ao desafiar o pai (o personagem falou à imprensa que Logan sabia dos crimes cometidos na empresa Waystar Royco) . De certa forma, Logan ficou orgulhoso. Por isso, sorriu. Ele pensou: “Meu garoto pode ser tão escroto quanto qualquer um”. Mas isso ainda não significa que o filho é um matador. É uma história em curso. Para onde vamos a partir dali? O que acontece quando se mata o pai? — diz o escocês, conectando “Succession” a histórias como a de Zeus, que destrói o reinado do pai, Cronos, e a de Édipo. — As tragédias gregas são todas a respeito de filhos matando os pais.

Inimigo dos heróis

O ator diz que não podia pedir por um papel melhor. E vai além. Acha que a sétima arte já não abarca as potencialidades artísticas que a TV proporciona.

—Para mim, a televisão é o mais poderoso meio dramático (atualmente) . Muito mais do que o cinema. O cinema está fora de moda, se perdeu —reflete.

Ele joga a culpa na conta em “Vingadores”, “Liga da Justiça” e que tais.

—Quando comecei, cinema tinha a ver com relações entre pessoas. Era, essencialmente, sobre dilemas dos seres humanos. Não se tratava de superpoderes, Marvel, DC... Desculpe-me por dizer isso, não tinha relação com essas porcarias que nós herdamos e que viraram a marca do nosso cinema. Quando eu era criança, isso era quadrinhos — reclama ele, ressaltando, no entanto, que era fã desses personagens — O que sempre me atraiu foram os ótimos trabalhos de Marlon Brando, James Dean, Sidney Poitier. Aquelas histórias não eram sobre poderes, mas homens e mulheres.

Pode parecer papo de um senhor nostálgico e tradicional, mas o ator é um ferrenho defensor do uso recreativo da maconha. O conservadorismo, pelo visto, é só cinematográfico.

(Fumo) com frequência razoável, sempre que posso. Comecei porque costumava ficar muito nervoso no final da noite. Precisava relaxar e não queria tomar todos os tipos de pílulas. A maconha foi capaz de acalmar”, disse ele ao “New York Times” no fim de setembro sobre o hábito adquirido na casa dos 50 anos. (Talita Duvanel)