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Conheça Andrew Scott, o Padre Gato de 'Fleabag'

Ator cresceu gay e católico na Irlanda, e se tornou a principal sensação da segunda temporada série de Phoebe Waller-Bridge
Andrew Scott em 'Fleabag' Foto: Divulgação
Andrew Scott em 'Fleabag' Foto: Divulgação

NOVA YORK — A segunda temporada de "Fleabag", a série irreverente de Phoebe Waller-Bridge sobre luto, álcool e sexo, estreou em março na Grã-Bretanha e transformou Andrew Scott em uma sensação entre as mulheres inglesas, graças ao seu improvável papel de Padre Gato. Mas, até o início do mês, quando "Fleabag" chegou aos EUA, Scott conseguia caminhar por Nova York sem aborrecimentos — apesar de ter contracenado com Benedict Cumberbatch em "Sherlock" e com Daniel Craig em "Spectre". A tranquilidade acabou.

A série da Amazon conta as desventuras de uma jovem londrina. Ela tem um café que vai meio mal das pernas, sofre pela morte de uma amiga, ainda encara o luto pela mãe, que perdeu três anos antes, e tem que lidar com o fato de o pai estar namorando sua madrinha. Na trama, Scott interpreta um padre desbocado e totalmente divino, prestes a sacramentar o segundo casamento do pai.

E a protagonista, fiel à sua história, não consegue evitar a atração por alguém tão descontroladamente inapropriado. A atriz e criadora da série deixou claro que esse papel só poderia ser feito por Scott, que ela conheceu em uma produção teatral dez anos atrás: "Andrew tem o carisma de dez pessoas em uma só", disse ela ao "Guardian", em fevereiro.

Scott cresceu gay e católico em Dublin e conhece de perto a questão da sexualidade e da igreja — uma experiência traumática para ele. O ator deixou a Irlanda aos 20 anos, criou raízes em Londres, reunindo prêmios, incluindo uma indicação ao Olivier de melhor ator na aclamada produção de "Hamlet" de Robert Icke. Os americanos também gostam dele: ganhou uma indicação ao Drama League por sua estreia na Broadway em 2006, com "The vertical hour", dirigida por Sam Mendes (com quem ele voltará a trabalhar, ao lado de Cumberbatch, num drama sobre a Primeira Guerra Mundial).

Algumas horas antes de seu voo para casa, onde começará os ensaios para "Present laughter", de Noel Coward, o ator de 42 anos entrou em um restaurante no Upper West Side para conversar sobre como manter a fé, mesmo abandonando a religião. Aqui estão trechos editados da conversa.

As pessoas estão dizendo que você é a melhor coisa que aconteceu ao catolicismo ultimamente. (risos)

É muito estranho. Eu certamente acho que "Fleabag" fez as pessoas falarem sobre sexualidade e religião e como essas duas coisas podem se encontrar e coexistir. Os números da série em buscas na internet são alucinantes. Eu vi outro dia que a busca por pornografia religiosa aumenta em 125% enquanto o programa está no ar. Quer dizer, talvez alguma outra coisa esteja acontecendo, mas eu definitivamente acho que a série traz isso para as pessoas.

O ator Andrew Scott Foto: AARON RICHTER / NYT
O ator Andrew Scott Foto: AARON RICHTER / NYT

Você ainda é católico?

Não, não sou mais. Eu me emancipei daquela atitude muito rígida e controlada em relação ao sexo. Tem sido uma grande alegria e me deixa orgulhoso poder falar sobre sexo sem autoconsciência ou falta de jeito.

E quanto ao celibato e o sacerdócio?

Eu sinto que dessexualizar qualquer ser humano é algo extremamente perigoso. Francamente, não sei se é possível, porque mesmo se você é celibatário, isso não significa que não seja sexual. Eu realmente aprovo que padres possam se casar, pois não acho que o amor de Deus e o amor de um parceiro sexual e romântico sejam mutuamente exclusivos. Acho que, de fato, ajudaria muito.

Você falou sobre os traumas causados em você pela igreja quando criança. Quais foram?

Ser gay certamente não era permitido. Então, se você quer ser um bom membro da comunidade, não pode ser um membro sexual da comunidade. Você é um renegado ou um bom vizinho. Não pode ser as duas coisas — e eu queria ser as duas coisas. (risos)

Ainda assim você optou por comprar uma casa em Dublin, onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado em 2015.

A emancipação da Irlanda para mim é uma alegria imensa. Você vê que as pessoas são capazes de segurar a mão do parceiro sem se sentirem sujas. Quando eu volto para Dublin e vejo isso, enche meu coração de alegria, pois é algo novo. E acho que isso quebra a ideia de que as pessoas religiosas não entendem a sexualidade porque, é claro, elas entendem.

Muito foi dito sobre sua química com Phoebe — embora alguns espectadores tenham ficado surpresos que uma mulher heterossexual e um homem gay pudessem entrar em combustão daquela forma.

A atriz Phoebe Waller-Bridge, na série 'Fleabag' Foto: Divulgação
A atriz Phoebe Waller-Bridge, na série 'Fleabag' Foto: Divulgação

Eu acho chocante... Hesito em dizer que seja insultante, mas enfim, química não é isso. Química é uma palavra divertida de se usar nesse caso, porque tem a ver com mais do que sexo, com mais do que cérebro — é sobre diversão e conexão. No palco, quando eu faço uma peça, a maioria dos fãs que me procuram são mulheres. Por anos eu venho pensando, bem, isso não tem a ver com a minha sexualidade. Então, quem está criando esse mito?

'Ajoelhar' é uma nova cantada? Um milhão de pessoas desmaiaram com aquela sessão no confessionário — e aquele possível sinal vindo do céu.

Essa cena é extraordinária, não é? Phoebe não tem medo do grande gesto. Ela não tem medo de cenas longas, ela não tem medo de fotos caindo de paredes ou de raposas seguindo você para...

... o ponto de ônibus e aquela despedida final, que me deixou destruída.

Eu sinto que ele está profundamente apaixonado por ela — é o que eu sinto. (Pausa) Isso é um spoiler.

O ator Andrew Scott, em Nova York Foto: AARON RICHTER / NYT
O ator Andrew Scott, em Nova York Foto: AARON RICHTER / NYT

Em 2017, o seu 'Hamlet' ganhou elogios por tornar o texto mais acessível.

Eu estava obcecado com a ideia de que 350 livros foram escritos sobre Shakespeare — a forma como você fala, quem falou primeiro, o que não está certo, o que está certo. A academia cercou Shakespeare como nenhum outro escritor. E se tornou um fardo pela ideia de ser feito para um tipo de pessoa rara, e ninguém mais.

Comecei (a interpretar Shakespeare) quando tinha 13 anos e não entendia de verdade. Então, com "Hamlet", eu queria que todos fossem capazes de entender tudo o que eu dizia, mantendo o ritmo, mas sem ser tão shakespeariano. Rob Icke, nosso diretor, disse algo brilhante: que não deveria ser como comer legumes.

Foi muito importante para mim e para Rob termos um público jovem. E eles vieram, entenderam e amaram (a peça). "Hamlet" é um thriller sobre um jovem com problemas de saúde mental. É algo a que as pessoas querem assistir na Netflix.

Você fez um alerta contra a ideia de somente atores LGBT interpretarem papéis LGBT. Por quê?

O ator Andrew Scott Foto: AARON RICHTER / NYT
O ator Andrew Scott Foto: AARON RICHTER / NYT

Nós adorávamos quando nossos pais liam para nós quando tínhamos três anos e eles imitavam a voz do lobo. A transformação é muito importante para os atores. É algo que o público e o ator querem. E acho que a pergunta deveria ser sobre quem consegue se transformar em quê.

Por muito tempo, os gays não foram autorizados a se transformar em pessoas heterossexuais. Mas impedir heterossexuais de se transformarem em gays não me parece ser a resposta. Eu realmente acredito que somos múltiplos, muitos além da nossa sexualidade. Podemos ter grande empatia com pessoas que não vêm do mesmo contexto social, da mesma sexualidade, da mesma raça.

Eu costumo perguntar a gays: se alguém fosse fazer um filme sobre a sua vida, você gostaria que tivesse apenas atores gays? E a resposta é sempre muito variada.

E você?

Não, eu não gostaria... porque tenho outros atributos.

Quem você gostaria então?

(Risos) Hmmm, eu teria que pedir a (Meryl) Streep.