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Em 'Pico da neblina', Brasil do futuro tem maconha legalizada

Série original da HBO estreia neste domingo, às 21h no canal pago
Biriba (Luiz Navarro) e Salim (Henrique Santana), os amigos que trabalham no tráfico em 'Pico da neblina' Foto: Divulgação/O2 Filmes/ Fábio Braga
Biriba (Luiz Navarro) e Salim (Henrique Santana), os amigos que trabalham no tráfico em 'Pico da neblina' Foto: Divulgação/O2 Filmes/ Fábio Braga

SÃO PAULO - Nem tudo no Brasil imaginado em “Pico da Neblina” é uma “brisa”. A série que tem direção-geral de Quico Meirelles parte do pressuposto de que, em um futuro próximo, a maconha estará liberada para o consumo no país.

Com dez episódios de cerca de uma hora cada (leia a crítica de Patrícia Kogut), a produção original da HBO que estreia hoje às 21h será exibida na América Latina e Caribe, e também vai ao ar nos Estados Unidos e em parte da Europa e da África. Serão alcançados mais de 70 países.

“Pico da Neblina” segue um pequeno traficante da Zona Leste de São Paulo que vê na legalização da droga a oportunidade perfeita para deixar o “ofício”. Essa transição, vê-se ao longo da primeira temporada, não será nada suave.

‘Peixe pequeno’

Para criar a trama, a equipe de roteiristas coordenada por Chico Mattoso partiu da seguinte pergunta: “O que aconteceria se um traficante se aventurasse pelo mercado legal?”. A ideia original era que o protagonista, um poderoso da “quebrada”, como são chamadas as periferias paulistanas mais violentas, tentasse mudar de vida deixando uma trilha de contravenções e crimes para trás.

— Isso, depois, caiu — diz Mattoso, que supervisiona os roteiros dos episódios escritos por Cauê Laratta, Marcelo Starobinas e Mariana Trench. — Achamos que seria mais interessante se fosse um peixe pequeno. Além disso, a premissa tinha uma dificuldade de origem: a legalização soluciona alguns problemas sociais, e isso do ponto de vista dramático não é bom.

O vetor da história é Biriba (Luiz Navarro), que vende uma erva purificada a partir de técnicas que ele aprendeu sozinho e que o transformam em uma espécie de visionário. Ele desempenha a atividade como um artesão, mas ainda está muito próximo de outras substâncias mais pesadas e de uma bandidagem com a qual não se identifica.

As opções de Biriba para o futuro se dividirão entre a fidelidade ao amigo de infância Salim (Henrique Santana), gerente da “biqueira” onde trabalha na Zona Leste de São Paulo, e a conveniência representada por Vini (Daniel Furlan), cliente rico que propõe sociedade ao fornecedor em um negócio legalizado em plena Vila Madalena, na descolada Zona Oeste da capital paulista .

Universo familiar

Originários da periferia, Navarro e Santana são amigos há muitos anos e foram escolhidos por meio de testes nos quais se ajudaram. Artistas profissionais, eles contam que o universo do qual a série fala lhes é muito familiar.

Santana pondera que seu personagem não pode ser definido pela atividade do tráfico. Até porque, diz ele, para a realidade local é uma oportunidade de ganhar dinheiro e não morrer de fome.

“O Salim não é um traficante, é uma pessoa que trafica. Traficante não define a pessoa que ele é. Eu fiz de tudo para evitar que caísse nesse lugar comum. A única chance dele é comercializar um produto que não é legalizado”

Henrique Santana
Ator

Navarro, por exemplo, teve de aprender a enrolar os cigarros artesanais:

— Moramos lá e entendemos as gírias. Mas eu, por exemplo, não sabia “bolar” maconha. Como você vai fazer o melhor vendedor de erva sem saber isso? Tive que fazer um intensivo — brinca.

Parte do alívio cômico da série, Furlan exibe um discurso mais consciente do que o de seu personagem:

Quico Meirelles, diretor-geral de 'Pico da neblina' Foto: Fabio Braga / Divulgação/O2 Filmes
Quico Meirelles, diretor-geral de 'Pico da neblina' Foto: Fabio Braga / Divulgação/O2 Filmes

— Em teoria, eu acho que as pessoas deveriam fumar se quisessem. Mas também acho que a legalização não seria um arco-íris de energia, que o sol vai virar um algodão doce. Isso tem que ser feito com cuidado.

Gravada em meio às eleições presidenciais do ano passado, “Pico da Neblina” não sofreu alterações de última hora para acomodar a conjuntura:

— Não fizemos nenhuma mudança, até porque não tínhamos como saber o nível de manchetes e assuntos absurdos que vemos todos os dias — diz Meirelles — Se fosse para mudar alguma coisa, eu faria para ir mais fundo e enfiar o dedo na ferida. Sou da teoria de que qualquer polêmica é bem-vinda para criar interesse pela série.