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'Frequentava o almoço de família dos guias muçulmanos', conta Glória Perez sobre bastidores de 'O clone'

Novela de sucesso está de volta no 'Vale pena ver de novo' e autora revela de onde surgiram bordões de sucesso, como 'Não é brinquedo, não' e fala sobre série que reconta morte de Daniela Perez: 'A única coisa que pedi foi para que se baseassem nos autos do processo'
SC Glória Perez Foto: Sérgio Zallis/ Globo / Globo
SC Glória Perez Foto: Sérgio Zallis/ Globo / Globo

Uma conexão entre Brasil e Marrocos permeada por discussões éticas e morais na ciência e pelo combate às drogas, embalada em véus, danças e maquiagens exuberantes, e arrematada por expressões como “Inshalá” e “ouro, muito ouro”, que caíram na boca do povo.

Novela de estrondoso sucesso quando foi ao ar pela primeira vez, há vinte anos, “O Clone” volta ao ar a partir de hoje no “Vale a pena ver de novo”, na TV Globo. Glória Perez, autora da obra, acredita que a produção deixou no imaginário do público um encantamento pela cultura muçulmana.

Para contar essa história com a maior fidelidade possível, a dramaturga mergulhou nos hábitos árabes e fez um trabalho antropológico. Viajou para o Marrocos e passou a conviver com a população local.

— Queria enxergar o homem médio muçulmano. Então, fiz amizade com o guia, com os amigos dele, frequentava a casa, o almoço de família. Assim fui compreendendo e pude retratar o tio Ali (Stênio Garcia), que era um muçulmano que tinha uma visão mais aberta para o ocidente, e o tio Abdul (Sebastião Vasconcellos) que era completamente fundamentalista, e mostrei como tudo isso pode conviver — explica.

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Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo
Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo

Criada no Acre, filha da primeira geração nascida no Brasil e neta de italianos imigrantes, Glória Perez diz que o choque cultural passou longe:

— O Acre era uma terra que atraía gente de todo mundo, atraídos pela borracha. Então, nasci e criei minha visão de mundo a partir da convivência com o diferente. Ali você tinha árabe, judeus, japoneses, italianos. Para mim sempre foi muito natural.

Além da questão cultural, a trama aborda a criação de um clone humano e discute os limites éticos e morais da ciência. O personagem de Juca de Oliveira, Dr. Albieri, inconformado com a morte do seu afilhado Diogo, decide clonar irmão gêmeo dele, Lucas (Murilo Benício), criando a “cópia” numa paciente que pensava estar fazendo uma inseminação artificial comum.

— Na época, fiquei maravilhada com o nascimento da ovelhinha Dolly, o primeiro ser clonado, e fiquei imaginando como seria clonar uma pessoa. Como ela se sentiria no mundo se fosse a cópia de alguém? — conta Glória. — Todos nós somos seres originais e, mesmo assim, os problemas de identidade são muitos.

Merchandising social

Outro debate levantado na novela era a dependência química da personagem Mel (Débora Falabella), filha de Lucas, que acaba se envolvendo com drogas. Para dar força e visibilidade ao tema, a partir de um ponto da trama todo capítulo de “O Clone” passou a trazer um depoimento de alguém que passou ou estava passando pelo problema.

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Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo
Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo

— Eu sempre trouxe o jornalismo para dentro das minhas novelas — explica a autora. — Na época tinha uma campanha dizendo que “a droga é uma droga”, então comecei a pensar que tudo o que eu sabia sobre dependentes químicos tinha ouvido da polícia, dos médicos ou dos familiares. O que me propus: dar voz a essas pessoas. Achei que a encenação não seria tão forte quanto depoimentos de pessoas reais.

As novelas de Glória Perez já são conhecidas por discutirem problemas, às vezes, negligenciados da ampla discussão pública — em 1996, ela abordou o tema das crianças desaparecidas em “Explode coração”. Ela diz, porém, que isso não é o primordial em suas tramas, apenas “um tempero”.

— O essencial é arrebatar o telespectador para que ele viaje junto com você. E “O Clone” tem essa capacidade. Todas as minhas novelas têm uma campanha forte mas, se reparar, elas só começam depois que eu capturei o público através do folhetim e do envolvimento emocional. O público não liga a TV para assistir a uma campanha, ele embarca nela quando já está emocionalmente conectado.

Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo
Giovanna Antonelli e Murilo Benício em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo

Por falar em encantamento, os figurinos, acessórios e bordões foram outro ponto alto da novela. Até hoje, frases e termos como “Inshalá”, “não é brinquedo, não”, “arder no mármore do inferno” e “cada mergulho é um flash” estão na boca e na memória do povo. Até a maquiagem dos olhos da personagem Jade, papel de Giovana Antonelli, foi revivida durante a pandemia .

— Os bordões vêm da rua, do que eu observo, da maneira de o povo falar. No caso (do bordão da) Dona Jura, foi até a Solange Couto que trouxe. Na hora da gravação, ela tinha acabado de levar uma fechada de um carro e estava contando muito revoltada. Disse: “Não é brinquedo, não”, e eu pensei: ‘Isso é um bordão ótimo”.

Giovanna Antonelli e Letícia Sabatella em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo
Giovanna Antonelli e Letícia Sabatella em 'O Clone' Foto: Divulgação / Globo

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O sucesso de “O Clone” é mundial. Para se ter uma noção, foi criada uma página russa no Instagram, com quase 100mil seguidores, que compartilha memes da novela até hoje. Para Glória, ser uma pessoa curiosa é o que faz com que ela toque em temas tão diferentes:

— Não olho só para as coisas que me dizem respeito, estou sempre com um olhar para o que está em volta de mim e disso nasce a curiosidade sobre coisas que estão acontecendo no mundo.

Novos trabalhos

No momento, Glória Perez está trabalhando em uma nova novela para a Globo, cuja estreia está prevista para 2023. — A história é em cima do mundo moderno, de rede social, de internet— adianta.

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Logo que a produção foi confirmada, alguns blogs e usuários das redes sociais começaram a dizer que Deborah Secco seria a vilã da nova novela, outros pediram Carla Diaz no papel. Porém, a autora esclarece que não tem ninguém escalado e nada do tipo foi discutido por enquanto:

— Morro de rir! Vejo lá no Twitter a escalação. Mas nem tivemos reunião de elenco ainda. No momento, estou fazendo pesquisas. Essa novela tem um pé em Portugal, tem um pé no Nordeste, então estou voltada para isso.

Recentemente, foi anunciado que a HBO Max está produzindo uma série documental sobre o assassinato de Daniella Perez, filha de Glória. A autora diz que durante muito tempo não quis falar sobre o caso, mas não pode impedir que ninguém o faça.

— Não tem como censurar o que está na memória das pessoas. Não acompanhei a gravação e a única coisa que pedi foi para que se baseassem nos autos do processo. Acho que é um pedido justo.